«É ainda o amor que dá paz aos homens, calma ao mar, silêncio aos ventos
e sono à dor.»
Platão
ANABELA BORGES |
Pediram-me para
apresentar a formulação de doze desejos para o novo ano.
Tarefa fácil,
dirão uns; difícil, pensarão outros.
Formular desejos
é fácil. Normalmente não saímos da área pessoal, familiar e profissional,
enquanto, do canto do olho, espreitamos o geral, o universal; e como vemos que
esta parte nos parece tão distante e inalcançável, depressa regressamos ao
nosso pequeno mundo.
Difícil é formular
desejos sem visitar os lugares-comuns apostos à nossa ideia. Difícil é
encontrar resoluções sem cair na tentação de questionar tudo o que nos rodeia.
Sabendo que
vivemos num mundo onde facilmente se olha sem ver, eu poderia insistir e dizer
que se trata de uma tarefa fácil, até porque eu conseguiria limitar todos os
doze desejos a um só. Um só desejo seria a súmula das aspirações humanas, seja
a um nível mais pessoal, seja mais universal, se assim lhes quisermos chamar. E
nada mais seria necessário. Vejamos…
#1 PAZ.
Tudo se
resumiria a isto, afinal. Mas…
Se este desejo é
a súmula de tantos outros, inevitavelmente contém nele uma cauda reflectora e
fugidia como a de um cometa. Ora, vamos lá ver…
#2
Se não tivermos SAÚDE, não teremos
paz.
O ser humano é
egoísta na doença e deixa cair sobre si todas as importâncias do mundo, ainda
que se resigne, ainda que pareça aceitar o seu estado, isso marca-lhe os dias e
as horas, e nunca estará totalmente em paz. Porque…
#3 Se
não tivermos ESPERANÇA, não teremos
paz.
O mundo
derriba-se em cima de nós sem esse elixir, esse fio condutor, e, uma vez
egoístas, um chorrilho de emoções acerca-se do nosso espírito, esse que nunca
tem sossego, pois que raramente se dissocia do que é material. Se não, vejamos…
#4
Se não tivermos AMOR, não teremos
paz.
Qual é o ser
humano, que em boa posse das suas faculdades físicas e mentais, vive uma vida
plena sem amor? Sem qualquer forma de amor? Esse homem não se encontra em paz,
não evoluiu sequer desde os primórdios do primeiro sopro de vida da sua galáxia
(o que, por si só, constituiu a primeira busca do amor). E por isso…
#5
Se não tivermos FAMÍLIA, não teremos
paz.
Há uma base que
sustenta a nossa relação com isto tudo. São os outros. E a nossa família não é
apenas sangue e sémen, a nossa família é todo aquele com quem podemos caminhar,
a quem podemos dar a mão. Caso contrário…
#6
Se não tivermos FELICIDADE, não teremos
paz.
Ninguém é feliz
sozinho. Não me canso de o repetir. Triste de quem pensa o contrário, esse está
mergulhado na mais obscura solidão, só ainda não se deu conta. E então…
#7
Se não tivermos HUMILDADE, não
teremos paz.
Pois as grandes verdades,
se as há, são eternas. É na humildade das palavras e dos gestos que definimos a
nossa verdadeira natureza. Pois não tenhamos dúvidas de que…
#8
Se não tivermos HONRA, não teremos
paz.
Porque somos
dotados de uma consciência que é um verdadeiro dedo acusador. Mais cedo ou mais
tarde, a desonra deitar-nos-á por terra e o nosso orgulho perderá todo o valor,
se algum restasse. Nem penseis o contrário…
#9
Se não tivermos HARMONIA, não
teremos paz.
Uma vida
centrada em nós e não no próximo, traz-nos uma falsa harmonia. Então, e o
outro? Então, como me enquadro no mundo? na natureza, nas plantas, nos outros
animais, nos rios e nos mares? Nas pedras? Enquanto não entendermos que ninguém
é mais que ninguém, que até as pedras têm vida, crescem, transmudam-se e morrem
e renascem, não estaremos em harmonia com o Universo. Se não entendermos a existência
de um minúsculo pó de estrela, então…
#10
Se não tivermos COOPERAÇÃO, não
teremos paz.
Pois que iguais
aos nossos iguais e desiguais dos nossos desiguais, nunca poderemos obter
resultados que satisfaçam todas as partes, pois que todos, em algum momento,
por algum aspecto, por ínfimo que seja, iremos sentir-nos desiguais, injustiçados,
discriminados, … A galinha da vizinha será melhor do que a minha; os outros é
que vivem bem, à grande e à francesa; fulano tem isto; fulana comprou mais
aquilo… Esta girândola anda por ali no nosso pequeno mundo, pois pouco vemos
além do alcance dos nossos umbigos… E que tal pensarmos verdadeiramente
naqueles que precisam de ajuda? um bem? uma palavra? um gesto? Um abraço? Um
olhar cúmplice? Na verdade, as desigualdades maiores, as verdadeiras, não
queremos nós vê-las. Por isso…
#11 Se
não tivermos JUSTIÇA, não teremos
paz.
Porque as leis são
tomos e tomos de palavras ditadas pelos homens. E as palavras ditas pelos
homens são enredos aos olhos de quem as recebe, e metamorfoseiam-se, e moldam-se
às circunstâncias. E são tantas vezes injustas… sem luz, de uma cegueira atroz.
Ah, Justiça, como és cega! E por fim, com tudo isto, aqui chegamos…
#12
Se não tivermos HUMANIDADE, não
teremos paz.
Seremos tanto
mais pobres de espírito, quanto mais nos sentirmos ligados os mundo material. Não
deixaremos o estado primitivo do pensamento. Faltará o progresso, a mão dada
com a ciência, a cura para o cancro, se não deixarmos sobressair esse grande
segredo que é a nossa única e possível humanidade.
BOM ANO PARA
TODOS!