Gabriel Vilas Boas DR |
Quem já não disse por uma vez: "Comigo isso não
ficava assim!" ou "Eu jamais aceitaria tal situação!? Pois... quase
todos!
E quase todos já tivemos que engolir muitas dessas
certezas.
Com o passar do tempo fizemos por esquecer a
determinação com que abordávamos as situações, as atitudes, as relações.
E por que desapareceu essa determinação implacável com
que julgávamos tudo e todos, onde o mundo só tinha duas cores? Há dezenas de
razões.
Cada um encontrou as suas.
No meu entendimento, cada um largou aquela pose
irredutível quando percebeu o quanto gostava daqueles que o rodeavam e que
também eles tinham aqueles defeitos que havíamos excomungado do nosso Paraíso.
Depois houve outro momento: quando fomos nós a meter o
pé na poça. Aí o mundo ganhou outras cores além do branco e do preto e nós
passámos a apreciar o cinzento. Teve de ser!
Quem não recorda, com um sorriso compreensivo, como
julgava indecoroso invetivar alguém desconhecido com aqueles nomes feios e
ordinários e que jamais pronunciaria? Para muitos o "jamais"
perdeu-se num qualquer campo de futebol onde a frustração da derrota se
confundiu com a injustiça e derrubou um dos bastiões sagrados.
Quem não achava ridícula e cega a atitude dos amigos a
defender as atitudes inqualificáveis dos filhinhos e jurou que nunca se
prestaria àquele papelinho? Para muitos, essa arrogância terminou quando os
filhos entraram na escola, para outros foi ainda antes.
Quantos de nós não classificavam a falta de
pontualidade como uma indesculpável falta de respeito? Não preciso de dizer que
sobram poucos desse imenso grupo.
Não quero desmoralizar ninguém mas a ementa dos sapos
ainda vai na entrada...
Os mais pesados começamos por digeri-los no trabalho,
os mais indigestos nas relações pessoais.
Ficámos a conhecer o mundo do trabalho e facilmente
lhe chamámos selva. E não precisámos de trabalhar em Wall Street. A conivência
com os salários paralelos, a fuga aos impostos, a não partilha de informação
entre colegas de trabalho... Haveria toda uma panóplia de exemplos bem mais
escabrosos para citar, mas estes apanham uma imensa maioria que tem vindo a
crescer. Sempre dissemos que isso não aconteceria connosco. Hoje encontramos
mais silêncios comprometidos do que palavras quando abordamos o assunto.
Acho mesmo que a questão agora se coloca apenas no
campo da legalidade. Recordo apenas que o início desta história nada tinha que
ver com leis, mas com valores éticos.
Deixei para o fim os sapos que engolimos nas relações
pessoais. Com os amigos e com a família. São os maiores. Alguns tornam-se
impossíveis de engolir, mas muitos há que nos foram impostos de uma maneira
brutal. Não deixamos de gostar de um amigo quando percebemos que ele fugiu ao
fisco, não despedimos a nossa companheira de vários anos quando percebemos que
afinal ela não gastava parte significativa do ordenado no médico, mas antes na
boutique. Já nem refiro as esposas que tiveram de lidar com alguns deslizes dos
maridos. "Eu era incapaz de desculpar uma traição!" Pois sim. Sempre
acharam isso, até ao dia em que perdoaram. Não foi uma decisão fácil de tomar,
mas tomaram-na. E viveram com as consequências disso. Com dúvidas, incertezas,
claro, mas acharam que valia a pena.
As certezas absolutas nas relações, como em quase todo
o resto, são tão perigosas como rasteiras. A maneira como gerimos os nossos
afetos obriga-nos, muitas vezes a jogos de cintura tais que mais vale não
enunciar tantas regras, para não termos de passar o tempo a incumpri-las.
Aqui chegados, uma questão sobrevem: estamos
condenados a engolir sapos? Deixamos de ter valores, ética, princípios?
Nada disso. Primeiro não há nada de errado em engolir
alguns sapos. Faz parte do nosso processo de crescimento. E às vezes engolir
sapos significa tãosomente admitir que o outro estava certo. Além do mais, penso
que muitos sapos nascem do facto de usarmos desde muito cedo palavras como:
"sempre", "jamais", "nunca." Na maioria dos casos
a realidade a elas subjacente não existe.
O problema não está nos valores, nos princípios, na
ética. O problema está em que somos humanos. E muitas vezes isso significa
falhar uma vez... vá lá, duas! Não significa falhar repetidamente,
descaradamente e muito menos sempre.
Como muitos sabem por experiência própria, aqueles com
quem nos relacionamos precisam duma segunda oportunidade, porque todos eles são
imperfeitos. Mas nós gostamos deles. E se em algum momento tivermos de abdicar
de algo por causa de um bem maior, abdicamos e...ponto final. Tem é de ser um
bem maior, porque se não deixa de fazer sentido e os sapos asfixiarão a nossa
alma.