Gabriel Vilas Boas DR |
O Euromilhões fez ontem dez anos. A notícia passou suave pela imprensa e pelas redes sociais. Tempo de fazer balanço e refletir sobre alguns dados estatísticos do jogo que envolve milhões de euros todas as semanas.
No que diz respeito a Portugal, a grande conclusão é que os portugueses gastaram o dobro daquilo que ganharam. As notícias dizem que os portugueses “apostaram o dobro”. Sempre adorei estes malabarismos linguísticos dos jornalistas quando falam do jogo. Um vício terrível. Segundo alguns viciados em várias dependências, o pior de todos os vícios.
Quando verificamos alguns dados destes dez anos de euro-ilusões, verificamos outros dados curiosos: entre os nove países que aderiram ao Euromilhões não está a Alemanha. Por que será? Mas estão Portugal, Espanha, Irlanda (através do Reino Unido). Entre os nove magníficos estão também Luxemburgo e Suíça, nada mais, nada menos do que dois dos países onde a emigração portuguesa é mais forte.
E os portugueses nem se podem queixar muito de grande azar ao jogo. “Investiram” nove mil milhões de euros em dez anos e tiveram um retorno de 50%. Estão a par da Espanha no número de primeiros prémios obtidos e só um pouco abaixo dos franceses. No entanto, a França ou a Espanha têm cinco ou seis vezes a população portuguesa. E, sobretudo, qualquer um desses países vive(u) uma situação económica muito mais favorável do que Portugal.
E quem aposta no jogo de sorte e azar? O rico? O pobre? O remediado? O rico não tem porquê, o pobre não tem dinheiro, o remediado não tem juízo mas tem ilusão e ganância para dar e vender. Novecentos milhões de euros/ano significa que gastamos 17,5 milhões de euros por semana no Euromilhões!!! Nunca vi nenhum fazedor de opinião perguntar o que poderia o povo português mudar na sua vida quotidiana se aplicasse esse dinheiro nas suas necessidades! Isso não interessa nada. The show must go on, quer dizer, o jogo tem de continuar, se possível aumentando sempre de nível.
Talvez porque nunca joguei, o vício do jogo sempre me foi difícil de entender. Como o vício do álcool ou do tabaco. Todos eles legais, todos eles importantíssimos para esta economia hipócrita que faz vida à custa da desgraça alheia. Mas estas são as regras e só joga quem quer. O azar é que querem muitos, por isso perde-se muito. Todas as semanas.
E por que jogam tanto os portugueses? Não me parece que sejam mais viciados que outros povos, como os ingleses que apostam por tudo e por nada… Para mim é uma questão de mentalidade e de ilusão.
O que é tipicamente português é a mentalidade. É uma marca distintiva lusitana pensar-se que a vida se resolve com a lotaria ou o Euromilhões. Desejamos ardentemente ultrapassar todos os nossos problemas económicos assim e apenas trabalhamos nessa solução. Acreditamos nisso todas as semanas. O Euromilhões é o nosso D. Sebastião quotidiano, o herói que nos redimirá de toda uma existência mísera e mesquinha. A realidade, o bom senso, a estatística, já nos provou o contrário, mas nós recusamos a sentença alemã. Recusamos porque a ilusão é a mais doce mentira da vida.
Precisamos dela para viver, para ter objetivos, para desejar. O dinheiro que o jogo promete permite-nos alcançar, concretizar objetivos materiais e concretos… mas não nos permite viver de maneira sublime.
Essa prova só chega quando finalmente chegamos ao palácio da ventura de que falava Antero de Quental e vemos que ele estava vazio, silencioso e escuro.
A vida não se ganha com o jogo mas pode perder-se nele.
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