Alina Sousa Vaz DR |
Como
havíamos dito no final da última crónica apresentada a público, António Cabral,
enquanto escritor, deixou um legado incontornável que em muito contribuiu para
o enaltecimento da Cultura Popular Transmontano-Duriense. O património
imaterial da região ficou, assim, com uma riqueza inegável, pois através da sua
obra diversificada, ao nível de géneros, podemos verificar as características
ímpares que tão bem traduzem a problemática da ruralidade, muitas vezes em
contraponto com a vida na grande cidade.
Desta forma,
António Cabral, enquanto etnógrafo e dirigente do Centro Cultural Regional de
Vila Real, teve uma ação importante, pois ao fazer uma recolha exaustiva dos
jogos populares contribuiu para que nenhum dos aspectos ancestrais e
tradicionais dessas manifestações desaparecesse.
Relativamente a este assunto, o estudioso considerava
que era de extrema importância o contributo dos grupos folclóricos ou etnográficos,
como lhe prefere chamar, já que nas atuações pelo país e pelo estrangeiro
promovem e dinamizam a cultura da região ao levarem consigo os trajes típicos,
os apetrechos que caracterizam as vivências das suas gentes, quer no trabalho,
quer no lazer.
Por sua vez, enquanto dramaturgo, António Cabral considera “O teatro a arte
da palavra em ação”. (…) “é sem dúvida uma das melhores formas de retratar e
questionar a humanidade e de proporcionar um autêntico prazer artístico às
multidões” (…) “ Numa palavra o teatro é fundamentalmente jogo – o jogo da
vida”. (Cabral S/d: O jogo e o tempo).
A título de
exemplo, consideremos a peça “Virá um dia virá”, onde o dramaturgo denuncia as
injustiças sociais para com o pequeno agricultor e camponês duriense, pois na
hora de venderem os produtos são aqueles que apresentam maior dificuldade no
regatear o preço. António Cabral evoca através de uma cantiga, logo no início
da peça, a necessidade de uma determinada ação da sociedade para que as coisas
mudem:
(Cantiga)
O que é preciso na vida
É adivinhar o futuro,
Fazê-lo dar umas voltas,
Ter-lhe o freio bem seguro.
Ter-lhe o freio bem seguro,
Pô-lo de patas pró ar
E pôr as coisas no sítio
Em que deviam estar.
Em que deviam estar,
Não no sítio em que estão.
Para isso, meus amigos,
Só com a revolução. (Cabral 1977: 102-103)
Ao nível da ficção, António Cabral, tem, também, como
inspiração o quotidiano da região do Douro. Por exemplo, no
romance A noiva de Caná retrata-se a
história de uma mulher de espírito forte e de sedutora beleza. Ela encarna o
próprio espírito da quinta, com a rotação do trabalho das vinhas: a poda, a sulfatação,
a vindima, o esmagar do mosto, até ao copo concentrado de sol e de fraga, doce,
celestial e ao mesmo tempo terreno como a vida e a morte.
Como
poeta mantém com
os outros homens um pacto de união, pois através da sua arte e da sua voz
mostra uma consciência solidária cantando com e para o seu povo, as dores, as
lágrimas e angústias do Douro humano. Segundo o poeta, a região do
Douro/duriense é “o paraíso do vinho e do suor” fortemente marcada pelo rio
Douro, que lhe corre nas veias com todo o seu caudal de sofrimento, mas também
de esperança. Este sentimento revela-se no trabalho árduo dos “homens de
camisas empastadas” (Cabral 1999:13) que de sol a sol redram “videira a
videira,/ pegados à enxada,/ comendo poeira”(Cabral 1999:47).
Assim, não será por isso exagerado dizer que António Cabral é por direito
próprio uma voz do Património Imaterial duriense, um poeta da paisagem humana e
natural da região do Douro, um homem que, pela escrita, soube, de modo
original, deixar para a memória futura a importância cultural do Douro.
Muito bem Alina. Nada melhor do que as palavras do escritor par percebermos o encanto da sua escrita e a profundidade da sua temática. Há imensa gente anónima que precisa que o artista a faça viver nas palavras que outros hão de ler. E a beleza da escrita e da alma das personagens assim se encontram.
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