GABRIEL VILAS BOAS DR |
Há
poucos dias uma advogada foi assassinada, em Estremoz, pelo marido duma sua
constituinte, a quem tratava do divórcio. Alegadamente, o homem não terá
gostado da maneira como a advogada de cinquenta anos defendia a sua cliente e
esposa do homicida e, depois da ameaça, matou a advogada.
O caso
chocou-me particularmente. Não por se tratar duma advogada, mas sim por se
tratar de mais um passo na escalada do flagelo da violência doméstica em
Portugal.
A
violência doméstica deixou os domínios da coação física e psicológica exercida
durante anos, ultrapassou o campo da violência física brutal e instalou-se na
esfera do crime. A notícia já não é feita de agressões mas de mortes.
Na
minha opinião, a sociedade portuguesa tem de olhar para este problema de forma corajosa
e intervir a vários níveis sem contemplações, para que daqui a poucos anos
estas mortes sejam apenas referidas como uma estatística e não como uma
tragédia.
Tenho
muita dificuldade em entender qualquer razão que justifique a violência dum
homem sobre uma mulher, porque simplesmente essa razão não existe. Em primeiro
lugar, porque muito raramente a violência é justificável como meio de resolver
um conflito; depois, porque a violência exercida sobre um ser humano mais frágil
fisicamente é um ato de cobardia e de menoridade intelectual e afetiva; e,
finalmente, porque quem ama ou amou uma mulher jamais poderá encontrar na
violência uma maneira de extravasar as suas mágoas, frustrações, raiva ou ódio.
A
violência desqualifica quem a pratica e coloca-o ao nível da besta. É
inconcebível que uma sociedade escolarizada, como é a portuguesa, ainda
continue a produzir estas aberrações. Não é uma questão de falta de cultura
académica nem de excesso de violência nos meios de comunicação social. Essa
violência existe, mas é residual. Também não me parece bem que o alcoolismo de
alguns energúmenos explique tudo. Essa é uma justificação minoritária.
A
explicação está na cultura social que produzimos. É uma cultura oportunista,
cheia de “encolher de ombros”, de falta de coragem e de falta de ação. Muitas
vezes, penso que estes temas só interessam verdadeiramente a quem sofre estes
dramas: mulheres, filhos, amigos mais chegados. Ora não é preciso vivenciar o
terror para o rejeitar veementemente. E a rejeição deste tipo de comportamentos
tem de se ser explícita e ativa. Os adolescentes e jovens têm de ser decididos
na rejeição da violência no namoro, jamais desculpabilizando o agressor ou
silenciando a agressão. Amar alguém nunca significará fechar os olhos à
violência, amar alguém tem de ser também não perder a dignidade nem o
amor-próprio. Os proto-agressores
devem ver desde o primeiro momento a reprovação da sua atitude animalesca.
A
escola tem um papel relevante nesta cruzada. A violência doméstica e no namoro
já é tema tratado pelos nossos adolescentes no ensino básico, mas é fundamental
sê-lo de maneira mais incisiva no ensino secundário e no universitário. Não se
pode pensar que tal ação representa uma menorização das jovens ou uma
humilhação dos rapazes. Há que ser proativo e assertivo: se há cada vez mais
violência doméstica é porque a prevenção falhou. Os homens que hoje agridem aos
30, 40 0u 50 anos foram adolescentes e jovens, em quem a escola e a sociedade
confiaram cegamente e… erradamente. Os erros corrigem-se, sem pejos nem
vergonhas.
A isto
acresce, em meu entender, uma medida fundamental: é preciso os homens estarem
na primeira linha do combate. Devem ser eles a envergonhar, condenar, punir
socialmente aqueles que enxovalham, coagem e agridem uma mulher.
Não é
a sua presença física que inibe os agressores (ainda que tal não seja
despiciendo), mas a sua condenação moral inequívoca que faz recuar as garras do
agressor e até lhes pode cortar as unhas para sempre.
É
necessário sarar muitas feridas, repor a auto-estima de milhares de pessoas,
recuperar o prazer de viver e de amar.
A luta
contra a violência doméstica é também uma luta dos homens pela sua dignidade e
pela liberdade.
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