GABRIEL VILAS BOAS DR |
Hoje os cristãos assinalam a morte de Cristo, daqui a dois dias assinalarão a Páscoa, ou seja, a ressurreição de Jesus Cristo. Trata-se da principal festa religiosa dos cristãos, pois através da ressurreição, Cristo assume-se como verdadeiro Deus e deste modo o cristianismo ganha uma dimensão de religião.
A palavra Páscoa deriva do hebraico “Pessach” que significa passagem. Os judeus comemoram, através dela, a libertação e fuga do seu povo do Egito; os pagãos ligam-na à passagem do inverno para a primavera; para os cristãos é a passagem da morte à vida. É isso que a ressurreição de Cristo significa para os cristãos. Verdadeiramente, o cristianismo começa aí.
Ora, os portugueses são um povo sem religião oficial, mas, culturalmente, são na sua maioria cristãos e católicos. A questão que hoje, no meu entender, se coloca é que espécie de cristãos e de católicos são os portugueses, atualmente? Qual o papel da religião na vida das pessoas? E o da Igreja?
Acho que é um papel cada vez mais secundário. As decisões mais importantes da vida de cada um não têm em conta os ensinamentos cristãos nem as recomendações da Igreja.
Hoje, há uma certa vergonha em se assumir cristão. E por que é que isto acontece? O ideário cristão é profundamente humanista e geralmente considerado muito recomendável, no entanto, uma grande parte das pessoas acham-no duma inocência racional inaceitável, outros acusam-no de semelhanças com um conto de fadas, pois contém evidentes falhas de explicação racional. Pois contém e terá sempre de conter. A Igreja nem deve preocupar-se em refutar tal acusação.
A força da religião não é a razão, mas sim a fé! E a fé não é acessória para o ser humano. Ele acredita no sobrenatural e no transcendente.
Então, por que se afasta o Homem da religião (cristã) a quem reconhece méritos? Porque ela o interpela, porque lhe aponta diretamente os erros e lhe sugere caminhos a seguir, “obrigando-o” a mudar, sem vacilar. Como isso implica esforço, normalmente, o cristão cultural sorri amarelo e prefere apontar as falhas da Igreja e, se isso não for suficiente, do próprio cristianismo.
A isto acresce que ser da Igreja é conotado como ser alguém fora de moda, algo rústico, tonto e naïf. Nessa visão desfocada das coisas, ser da Igreja impede as pessoas de usufruir da vida, de a aproveitar.
O problema não é esse. O problema é que ser-se cristão obrigar-nos-ia a confrontarmo-nos com os nossos defeitos e a ser melhores pessoas. Ora isso dá muito trabalho! Isto aplica-se aos cristãos, porque há cada vez mais pessoas a declarar-se “sem religião”. Ao contrário de há cinquenta anos, o normal, o aceitável e expectável é não ser-se religioso.
Eu acho que o bom seria cada um pensar pela sua própria cabeça. Conhecer e avaliar a proposta de vida que uma religião como o cristianismo faz e verificar se ela faz sentido ou não na sua vida. Verdadeiramente desafiante para um cristão cultural era tornar-se num cristão praticante.
E qual o papel do Papa Francisco no contexto atual do cristianismo e da Igreja católica?
O grande e surpreendente herói dos cristãos é um fenómeno pela sua sincera simplicidade, pela maneira desconcertante como diz o óbvio que a Igreja não dizia nem praticava, por fazer a Igreja regressar à simplicidade e humildade da fé de Cristo.
O Papa Francisco conseguiu travar o processo de erosão que a Igreja Católica passava e fê-la olhar-se ao espelho. Motivo de orgulho para os cristãos, de admiração para os não praticantes e de respeito para os não crentes, o Papa Francisco tem um enorme desafio pela frente.
Ele deve atrair gente à Igreja Católica, recuperando os não praticantes, seduzindo os não crentes. Depois ele deve tornar a voz e o papel da Igreja relevantes quer no contexto das diversas sociedades quer nas decisões de cada pessoa.
Mais que simpático, o Papa Francisco precisa de ser ainda mais assertivo e incisivo, sem se tornar pretensioso ou querer decidir pelas pessoas. Ele tem que seduzir como Cristo. Tem de ter opinião sobre os assuntos que afetam as pessoas no dia-a-dia, sem impor uma visão meramente religiosa. Ele tem de mostrar que algumas visões humanistas da vida têm muito de cristianismo.
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