ANABELA BORGES DR |
Porque por
vezes, precisamos de refletir, hoje, em destaque, o valor da crónica.
Ninguém melhor
do que Eça de Queirós a caracterizou. Reproduzem-se aqui as suas palavras,
publicadas no “Distrito de Évora”, jornal fundado pelo autor em 1866.
“A crónica é
como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem:
conta mil coisas, sem sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza,
pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos
teatros, dos enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serão ao
braseiro, ou como no Verão, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe
anedotas, segredos, histórias de amor, crimes terríveis; espreita, porque não
lhe fica mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a
Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz o Sol; a crónica tem uma
doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e
facécias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz
da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela
mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do resto do jornal; está nas suas
colunas contando, rindo, pairando; não tem a voz grossa da política, nem a voz
indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena,
leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo,
perguntando, esmiuçando.
A crónica é como estes rapazes que não têm morada sua e que vivem no quarto dos amigos, que entram com um cheiro de Primavera, alegres, folgazões, dançando, que nos abraçam, que nos empurram, que nos falam de tudo, que se apropriam do nosso papel, do nosso colarinho, da nossa navalha de barba, que nos maçam, que nos fatigam... e que, quando se vão embora, nos deixam cheios de saudades.”
A crónica é como estes rapazes que não têm morada sua e que vivem no quarto dos amigos, que entram com um cheiro de Primavera, alegres, folgazões, dançando, que nos abraçam, que nos empurram, que nos falam de tudo, que se apropriam do nosso papel, do nosso colarinho, da nossa navalha de barba, que nos maçam, que nos fatigam... e que, quando se vão embora, nos deixam cheios de saudades.”
Eça de Queirós,
in 'Distrito de Évora'
Foi desta forma que ensinei a crónica aos meus alunos.
Bem-haja Eça de Queirós, sempre adequado e actual.
Enfim, a crónica fala da vida e das pessoas, mas com "sabor", porque tem a opinião do cronista.
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