ANABELA BORGES DR |
Há 40 anos, eu tinha 4 anos.
Não tenho memória alguma
desse 25 de Abril de 1974. Mas podia ter, que eu tenho muitas memórias de
quando era pequena. Desse dia específico não tenho.
Dos dias, meses e anos
subsequentes lembro-me das canções de liberdade, sobretudo da gaivota voava, voava, / asas de vento, / coração de mar. […] / Como ela, somos livres, / somos livres de voar.
Lembro-me de terem surgido,
repentinamente, risos. Mais do que risos, lembro-me de gargalhadas sonoras,
inteiras como pássaros, como conduta até aí proibida – sabemos que o era,
basicamente –, lembro-me disso sobretudo nas pessoas mais jovens. Era como se o
rir fosse um bem amordaçado, (in)contido, pronto a libertar-se, solto, a
qualquer instante, para, bem alto, clamar uma nova realidade.
Lembro-me também de esses
jovens saírem muito mais vezes de casa, muito mais espontaneamente, e de se
juntarem, em pequenas reuniões informais, sem pretexto aparente, rapazes e
raparigas conversando, dando voz às suas opiniões, na Sua Liberdade, e
divertindo-se com isso, muitas vezes deitados sobre a erva fresca do monte à
sombra dos pinheiros.
Era pequena e lembro-me
disso.
Essa foi a Liberdade de
Abril que conheci, que para mim, como era pequenina, era como se sempre tivesse
existido assim.
Eu pertenço à geração que
cresceu nas promessas de Abril.
Hoje, como muitos de vós,
questiono a Liberdade conquistada na Revolução dos Cravos. O velho Abril aos
quarenta anos já pouco tem para dar.
Questiono: o que temos? E
sabemos que usufruímos de uma falsa liberdade gerida por um mundo que se quer
global e capitalista. “Falsa” talvez seja um adjetivo demasiado forte, mas não
terei dúvidas em afirmar que é uma liberdade limitada e, em muitos aspetos,
ilusória. Nunca fomos tão controlados como somos actualmente; a dignidade
humana está posta em causa, os direitos humanos, a integridade, o direito à
felicidade; aumentam os casos de pobreza e as pessoas vêem-se encurraladas numa
masmorra sem grades, com janelas abertas para saída nenhuma.
A verdade é que também não
me identifico muito com as pessoas que falam, falam, criticam, mas não fazem
nada. Vai uma crise de identidade muito grande. Falta-nos a força de outrora, a
determinação.
Precisamos de uma sociedade
coesa nos valores elementares e com espaço para a individualidade, uma
sociedade em que cada um saiba pensar por si, em que cada um respeite
verdadeiramente a diferença e que condene verdadeiramente todo aquele que
agride os direitos fundamentais do outro, de todas as formas. Liberdade é
respeitar o próximo na sua integridade, é não negar ao outro o direito de ser
feliz.
O que falta conquistar?
Muita coisa que nunca tivemos, muito do que se perdeu, mas pelo menos comecemos
por “resgatar” a Cultura do estado de negligência em que caiu. Comecemos por aí
talvez, apostemos em “cortar” na ignorância, sejamos mais activos e
interessados, não deitemos o país ao abandono.
Eu lembro-me que havia,
acima de tudo, muitas coisas que preenchiam as pessoas, os dias preenchiam as
pessoas com esperanças do tamanho dos peitos. Agora, vemos vazio em tudo. Agora,
impuseram-nos de novo a tristeza. E querem-nos ignorantes, é assim que nos
querem…
É claro que para terminar,
direi “Abril sempre, Liberdade sempre”, que nunca fui pessoa de baixar os
braços, nem de pôr a esperança de parte.
Viva o 25 de Abril!
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