ANABELA BORGES DR |
Nós não somos
nada.
Andamos neste
mundo a correr atrás de tantas coisas, a acumular coisas, a passar por cima de
coisas, a olhar para tantas coisas e a caminhar por tantos caminhos. Mas, na
realidade, na corrida, muitas vezes, apenas chegamos onde já estávamos; no
acumular, não juntamos nada de substancial, meros objectos, materiais que não
nos acrescentam importâncias à personalidade, não nos enriquecem
psicologicamente, nem nos tornam melhores pessoas; no passar por cima de coisas…
ah, deixamos para trás tantas pequenas coisas que nos fariam muito mais felizes
e aos que nos rodeiam; no olhar para as tantas coisas que cruzam o nosso
dia-a-dia, não “vemos” o que realmente importa; e no caminhar por tantos
caminhos, depende dos caminhos que escolhemos fazer. A vida é feita de
caminhos, encruzilhadas e caminhadas, cabe a cada um mudar de direcção se
estiver a prejudicar os outros. É uma questão de humanidade.
Também me debato,
muitas vezes, com o pensamento de como seria importante cada um preservar a sua
individualidade, na globalidade em que teimam em conduzirmos. Desde sempre que
penso que, se te confinas a um grupo, empobreces. Não é um grupo que te define
nem as suas ideologias, porque, a um dado momento, começa a faltar-te a
individualidade. Tens de ter os teus ideais, que podem diferir, em muito ou em
pouco, dos ideais do grupo. De modo algum, deves fazer dos ideais de um grupo o
teu modo de vida.
A vida é esta
travessia: atravessas um oceano: durante semanas, apenas vês o horizonte,
perfeito e vazio. Dia a dia, vives tolhido pelo medo que te acerca,
tempestades, monstros marinhos, doenças, ganhas medo àquela imensidão. E o medo
cresce tanto que tens de aprender a contê-lo dentro de ti, retê-lo, até que se
concentra no centro da tua barriga, e dói. Segues: estudar mapas, rever rotas,
observar as estrelas, rezar por bons ventos. E manter a esperança é importante,
uma esperança que se quer cristalina como a água, ainda que seja frágil como o
teu barco.
Começas a ver.
De início, não passa de uma névoa no horizonte, que te confunde os sentidos.
Então, esforças-te por ver melhor, ver por meio de um reduto de esperança. Daí
a nada, parece-te ver um borrão, uma mancha como numa aguarela, uma sombra que
se desenha acima da linha da água, ao longe. Durante um dia e outro e outro,
uma miragem. Tu pensas, “névoa apenas”,
tu pensas, “quem sabe, a aproximação de
uma tempestade”. Mas a mancha alastra lentamente no horizonte, ganhando
forma, até que certo dia permites-te acreditar. Atreves-te a sussurrar a
palavra “terra”. Certo dia, vês uma
gaivota e enches-te de esperança, pensas que estás a aproximar-te da terra, mas
esqueces-te que pode ser apenas uma gaivota perdida em alto-mar, como tu.
Embora
constantemente sejamos convidados a usar a força, a vida também requer muita
sensibilidade de nós. A essência da vida está em compreender como as coisas
funcionam.
Muitas vezes, rimo-nos
para esconder o terror da nossa mortalidade.
Todos sonhamos
coisas na vida, mas nem sempre os sonhos acontecem como desejaríamos.
Resta a cada um
saber seguir com sabedoria, perseverança e determinação no mistério insondável
da vida.
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