sexta-feira, 21 de março de 2014

TER FILHOS DEIXOU DE ESTAR NA MODA


GABRIEL VILAS BOAS
DR
Há dois atrás, enquanto conduzia, ouvi na TSF o seguinte dado estatístico: “em 1974, o número de filhos por casal era de quase três; em 2014, é muito pouco superior a um.”Os dados são da Pordata, uma autoridade no que concerne ao tratamento estatístico da população portuguesa. 

Esta é uma tendência demográfica que não surpreende ninguém em Portugal. Todos tínhamos esta ideia, apenas não conhecíamos os números do desfalque. 

Há quarenta anos atrás, Portugal era um dos países da Europa ocidental com uma taxa de natalidade mais elevada, hoje é uma das taxas mais modestas quanto a nascimentos. 

Estes são os quarenta anos em que vivemos em democracia e em liberdade; as quatro décadas em que escolarizámos a população; em que modernizámos o país, em que criámos creches, infantários, escolas, universidades. Foram os anos do desenvolvimento, do aumento da esperança média de vida, da melhoria dos cuidados de saúde… e os portugueses deixaram de ter filhos. Há mais de um terço dos casais que não tem sequer um filho. 

Por que acontece isto? 

Acho que por três grandes razões: os portugueses (especialmente elas) mudaram a sua posição ideológica quanto a ter filhos; as condições económicas e de estabilidade no emprego degradaram-se nos últimos quinze anos vertiginosamente; aumentou o nível de condições mínimas que cada casal coloca a si próprio para concretizar o desejo de ser pais. Ou seja, temos menos filhos porque a mentalidade mudou, estamos mais pobres e instáveis no emprego e somos mais exigentes com aquilo que queremos para os nossos filhos. 

A maioria das pessoas acha que as questões económicas justificam grandemente este brutalmente abaixamento da taxa de natalidade. Pois eu acho que justifica muito pouco. Há quarenta anos atrás vivia-se muito pior, ganhava-se menos e tinha-se mais filhos. 

O que mudou foi a mentalidade e o grau de exigência material dos casais para se permitirem ser pais. 

Hoje ninguém tem filhos e “depois logo se vê”. A esmagadora maioria daqueles que projetam ser pais querem ter a certeza quase absoluta que conseguem proporcionar aos seus filhos um nível de conforto elevado, uma educação académica superior, uma vida sem grandes preocupações durante, pelo menos, duas décadas. A isto acresce a ideia que tais condições “pró” criatura que há de nascer não devem implicar nenhum sacrifício eterno para os candidatos a progenitores. 

Sobra ainda uma outra causa. Para mim, a mais determinante. Mudou a mentalidade, mudaram os costumes, mudou a estrutura social. 

Ter filhos deixou de ser o desejo irresistível de quase todas as mulheres portuguesas. Numa sociedade em que os casamentos ou as uniões de facto duram cada vez menos, em que as quebras de compromissos quanto ao sustento de filhos comuns são assustadoras, em que a mulher se emancipou fazendo o dobro do trabalho por menos dinheiro, a Mulher percebeu claramente que os filhos eram comuns mas era a ela que cabia a sua educação. E silenciosamente disse: “Não, muito obrigado! Sozinha, é muito difícil e não estou disposta abdicar de mim para viver em exclusivo para os filhos.”

Claro que o desejo de ser mãe continuará a encantar irresistivelmente muitas mulheres. No entanto, o materialismo, o desencanto da fugacidade e falta de compromisso de muitas relações e a sedução duma vida pessoal e profissional mais ativa, tornou-as pragmáticas. E os filhos não se fazem de pragmatismo, mas de compromisso, Amor pelo outro e de paixão pela vida.

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