quarta-feira, 5 de março de 2014

CARNAVAIS TRANSMONTANOS: A SINGULARIDADE DE PODENCE E DE LAZARIM

ALINA SOUSA VAZ
DR
Começo por dizer que não percebo porque insistem em carnavais de imitação. Não percebo as horas de trabalho gastas em prol de cortejos onde o samba e os corpos seminus teimam, contra natureza, combater o frio arrepiante do nosso inverno rigoroso. As interrogações proliferam-me o espírito. Porque não pode sair um corso adaptado às nossas características culturais onde a alegria reine por entre os que desfilam e os que assistem? Porque não podemos ter carnaval folião sem estarmos condicionados pelo frio gélido dos aguaceiros típicos desta altura do ano?
A título de curiosidade, sabiam que o carnaval brasileiro, aquele que adoramos imitar, chegou ao Brasil através das festas de bailes que ocorriam em França e dos carnavais de Itália (Veneza e Roma), no século XVII? Estas festas foram sofrendo ao longo dos tempos alterações e adaptações tendo em conta o clima e folclores típicos do país, dando origem à atual excentricidade e conhecida pela luxúria.
Não pretendo criticar a dedicação dada às atividades de preparação, sou adepta de carnavais e de todos os corsos que proliferem a alegria nos espíritos das populações, porém imprima-se cunho próprio!
A juventude é original na hora do retrato da caracterização. Permitam-lhes agarrar tradições ancestrais e cunharem o carnaval de forma singular. Não somos só um povo triste marcado pelo fado e saudade. Somos, também, um povo divertido que muito pode ajudar os seus concelhos no desenvolvimento turístico.
Contudo, Carnaval singular é o das terras transmontanas. As festas dos mascarados no nordeste transmontano resistiram à passagem do tempo e são, hoje, uma marca de identidade cultural. Ícones relacionados com cultos antigos, ornamentos das personagens e ritos do mais profundo esoterismo remetem para uma presença da cultura pagã nos nossos dias.
Podence, freguesia do concelho de Macedo de Cavaleiros, celebra um dos carnavais mais conhecidos em Portugal pela sua autenticidade. Os protagonistas são os rapazes que, mascarando-se, transformam-se de caretos. Convém destacar nestas figuras a riqueza dos seus fatos: são confecionados com lã, cerca de 24 novelos, à medida de quem o veste, em teares tradicionais. As correrias constantes destas largas dezenas de caretos pelas ruas, durante o domingo e terça-feira de Carnaval, constituem o seu ritual específico. Usam um volumoso molho de chocalhos à cinta para com eles “chocalhar” as mulheres com uma certa violência. Os malignos mascarados lançam-se ao assalto das moças e, encostando-se a elas, exercitam uma dança um tanto erótica, abanando a cintura e fazendo embater os chocalhos que trazem pendurados contra as ancas das vítimas. Este gesto erótico representava a desejada fecundação das mulheres. As máscaras dos caretos de Podence são quase todas de latão, algumas de cabedal, o que permite aos jovens esconderem, na totalidade, as suas identificações. As suas formas desinibidas são, também, fruto do vinho que se vai bebendo, e os facanitos, os mais pequenos, assim que vestem um traje, bebem logo um copito. E as mães não se zangam, pois é o Carnaval de Podence.
Em Lazarim, uma aldeia do concelho de Lamego, também o entrudo tem vida. Ainda restam artesãos que por esta altura se dedicam à execução de máscaras de madeira lixadas e talhadas pelas navalhas e serrotes de vários tamanhos, tendo sempre ao lado uma enxó e a pedra de afiar. Trabalho moroso pelos seus pormenores, as figuras mais típicas do entrudo de Lazarim são o diabo e a senhorinha, mas os artesãos da aldeia também tiram da madeira de amieiro polícias, reis, máscaras com bichos e máscaras de bichos como o porco ou o canguru. A festa pelas ruas de Lazarim começa ao domingo, com gaiteiros, bombos e carros alegóricos. As máscaras, essas, só saem à rua nas terças-feiras de Carnaval pelas 14h30, 15h00, durando a folia até à noite, acabando com caldo de farinha e feijoada para todos. Pelo meio são lidos os testamentos no Largo do Padrão. A tradição aguça ainda a curiosidade dos que assistem, pois os rapazes descobrem os podres e os defeitos das raparigas no ano que passou e vice-versa. O que a pessoa for é dito. O mal que tiver vem à rua. Mas o povo não se zanga, aceita tudo, pois é dia de brincadeira.
Outras são as aldeias transmontanas que vivem destas singularidades promovendo todos os anos a chegada de turistas curiosos destas tradições, muitas delas com raízes nos povos celtas. A originalidade traz mais visitantes e os hotéis esgotam-se na região. De que se está à espera? Gastar dinheiro sim, mas não em imitações!


1 comentário:

  1. Muito bem colocado o texto.
    Sim, aqui no Brasil herdamos das festas francesas este erotismo; o povo original de nosso país/continente, vivia nú por naturalidade, não por luxúria. Herdamos sim, dos europeus esta malícia. Isto é muito bom que se diga. Aliás, nós herdamos, além dos conceitos culturais e anseios democráticos, o erotismo dos gregos antigos.
    Alina nos traz um texto que mostra a cultura carnavalesca em terras transmontanas. Ah...cultura maravilhosa...pena que em tempos de de globalização a originalidade se perca.
    Parabéns, por mais um belíssimo retrato transmontano.

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