ALINA SOUSA VAZ DR |
Começo por dizer que não percebo porque insistem em carnavais
de imitação. Não percebo as horas de trabalho gastas em prol de cortejos onde o
samba e os corpos seminus teimam, contra natureza, combater o frio arrepiante
do nosso inverno rigoroso. As interrogações proliferam-me o espírito. Porque
não pode sair um corso adaptado às nossas características culturais onde a
alegria reine por entre os que desfilam e os que assistem? Porque não podemos
ter carnaval folião sem estarmos condicionados pelo frio gélido dos aguaceiros
típicos desta altura do ano?
A título de curiosidade, sabiam que o carnaval brasileiro,
aquele que adoramos imitar, chegou ao Brasil através das festas de bailes que
ocorriam em França e dos carnavais de Itália (Veneza e Roma), no século XVII?
Estas festas foram sofrendo ao longo dos tempos alterações e adaptações tendo
em conta o clima e folclores típicos do país, dando origem à atual excentricidade
e conhecida pela luxúria.
Não pretendo criticar a dedicação dada às atividades de
preparação, sou adepta de carnavais e de todos os corsos que proliferem a
alegria nos espíritos das populações, porém imprima-se cunho próprio!
A juventude é original na hora do retrato da caracterização.
Permitam-lhes agarrar tradições ancestrais e cunharem o carnaval de forma
singular. Não somos só um povo triste marcado pelo fado e saudade. Somos,
também, um povo divertido que muito pode ajudar os seus concelhos no
desenvolvimento turístico.
Contudo, Carnaval singular é o das terras transmontanas. As
festas dos mascarados no nordeste transmontano resistiram à passagem do tempo e
são, hoje, uma marca de identidade cultural. Ícones relacionados com cultos
antigos, ornamentos das personagens e ritos do mais profundo esoterismo remetem
para uma presença da cultura pagã nos nossos dias.
Podence, freguesia do concelho de Macedo de Cavaleiros,
celebra um dos carnavais mais conhecidos em Portugal pela sua autenticidade. Os
protagonistas são os rapazes que, mascarando-se, transformam-se de caretos.
Convém destacar nestas figuras a riqueza dos seus fatos: são confecionados com
lã, cerca de 24 novelos, à medida de quem o veste, em teares tradicionais. As
correrias constantes destas largas dezenas de caretos pelas ruas, durante o
domingo e terça-feira de Carnaval, constituem o seu ritual específico. Usam um
volumoso molho de chocalhos à cinta para com eles “chocalhar” as mulheres com
uma certa violência. Os malignos mascarados lançam-se ao assalto das moças e,
encostando-se a elas, exercitam uma dança um tanto erótica, abanando a cintura
e fazendo embater os chocalhos que trazem pendurados contra as ancas das vítimas.
Este gesto erótico representava a desejada fecundação das mulheres. As máscaras
dos caretos de Podence são quase todas de latão, algumas de cabedal, o que
permite aos jovens esconderem, na totalidade, as suas identificações. As suas
formas desinibidas são, também, fruto do vinho que se vai bebendo, e os
facanitos, os mais pequenos, assim que vestem um traje, bebem logo um copito. E
as mães não se zangam, pois é o Carnaval de Podence.
Em Lazarim, uma aldeia do concelho de Lamego, também o entrudo
tem vida. Ainda restam artesãos que por esta altura se dedicam à execução de
máscaras de madeira lixadas e talhadas pelas navalhas e serrotes de vários
tamanhos, tendo sempre ao lado uma enxó e a pedra de afiar. Trabalho moroso
pelos seus pormenores, as figuras mais típicas do entrudo de Lazarim são o
diabo e a senhorinha, mas os artesãos da aldeia também tiram da madeira de
amieiro polícias, reis, máscaras com bichos e máscaras de bichos como o porco
ou o canguru. A festa pelas ruas de Lazarim começa ao domingo, com gaiteiros,
bombos e carros alegóricos. As máscaras, essas, só saem à rua nas terças-feiras
de Carnaval pelas 14h30, 15h00, durando a folia até à noite, acabando com caldo
de farinha e feijoada para todos. Pelo meio são lidos os testamentos no Largo
do Padrão. A tradição aguça ainda a curiosidade dos que assistem, pois os
rapazes descobrem os podres e os defeitos das raparigas no ano que passou e
vice-versa. O que a pessoa for é dito. O mal que tiver vem à rua. Mas o povo
não se zanga, aceita tudo, pois é dia de brincadeira.
Outras são as aldeias transmontanas que vivem destas
singularidades promovendo todos os anos a chegada de turistas curiosos destas
tradições, muitas delas com raízes nos povos celtas. A originalidade traz mais
visitantes e os hotéis esgotam-se na região. De que se está à espera? Gastar
dinheiro sim, mas não em imitações!
Muito bem colocado o texto.
ResponderEliminarSim, aqui no Brasil herdamos das festas francesas este erotismo; o povo original de nosso país/continente, vivia nú por naturalidade, não por luxúria. Herdamos sim, dos europeus esta malícia. Isto é muito bom que se diga. Aliás, nós herdamos, além dos conceitos culturais e anseios democráticos, o erotismo dos gregos antigos.
Alina nos traz um texto que mostra a cultura carnavalesca em terras transmontanas. Ah...cultura maravilhosa...pena que em tempos de de globalização a originalidade se perca.
Parabéns, por mais um belíssimo retrato transmontano.