quinta-feira, 13 de março de 2014

A CEGUEIRA (PEQUENA REFLEXÃO)*


O pior cego é aquele que não quer ver.
Adágio Popular

ANABELA BORGES
DR
Já aqui tenho abordado temas semelhantes, como quando referi a ideia que nos foi apresentada por Saramago de que é preciso sair da ilha para VER a ilha.

“Com os olhos bem abertos, em que devemos nós concentrar-nos, com tantas distrações em volta? Tanta dispersão?”  
“Como o fado: a música sentida na dor imensa, na desilusão, no amor e na perda – não sonhes mais, porque vais sofrer de novo. A nostalgia, a dor das coisas passadas – a saudade: escrevi o teu nome no vento, convencida de que o esquecia, na folha do esquecimento. Pois é, mas o vento traz tudo de volta.”
“Sentes o vibrar da cidade através da mão encostada ao vidro da janela.
Não há dúvidas de que vês claridades várias, sombras várias, vultos vários, objetos vários. Mas parece que tens andado a ver tudo desfocado.” 
“Deixaste de perseguir o sonho da infância e agora reparas no tédio incessante e entorpecedor da vida que tens. Olhas à volta e reparas (porque agora começas a ver) na panóplia de lixo humano que te rodeia. Não podes ficar a assistir à vida como tens feito até aí.

O homem está desenvolvido em castas, separado por categorias, por assim dizer. Isso faz com que cada um seja um ser individual, específico, criado para um determinado fim: uns, para serem os olhos e os ouvidos; outros, para serem os músculos e os tendões; e outros ainda, os cérebros. Entre eles, há os pensadores e os predadores, e há os que apenas passam. E o mundo precisa de todos eles. O fim de nós pode ser o fim de tudo. Cada um de nós dá significação ao Universo.
As forças que moldam o nosso mundo são superiores a todos nós. Quando rebenta uma catástrofe, cada homem age de acordo com a sua natureza. Alguns ficam tolhidos pelo terror, alguns fogem, outros escondem-se, e alguns consertam as asas e procuram planar, com a ajuda do vento, acima da tempestade. 
O que fazes tu numa tempestade, perante a possibilidade de morrer? Voas ou enredas-te na tua própria teia?” 
“E ao reparares melhor nas pessoas, verás que são capazes de proceder a atos comuns, aos quais já não te lembravas de prestar atenção: de ler tabuletas, de elaborar expressões corporais e faciais – porque há toda uma linguagem corporal paralela à linguagem verbal –, de manter conversas inteiras com os olhares. Ao deparares-te com isto, os teus olhos quererão dominar a tua forma de ver o mundo, mas talvez não estejas em condições de confiar inteiramente neles, porque é difícil veres o mundo tal como ele é. É difícil, mesmo quando vês um simples ramalhete de flores, por mais belo e real que te pareça, porque estás a vê-lo com as tuas emoções, as tuas cores, o teu tato e os teus odores, de forma distorcida.
Todos vemos aquilo para onde olhamos, mas a nossa maneira de ver é afetada pelo que sabemos, pelo conhecimento que temos das coisas e das pessoas. Daí que muito do que vês à tua volta pareça não fazer sentido. Talvez que subitamente percebas que eras alguém sem visão, até aí. Eras cego e não sabias.”
“Há pessoas que nasceram para serem cegas, literalmente falando, e isso pode ser uma maldição, como pode ser uma bênção.
A maioria das pessoas vê só o que está à sua frente. Algumas apenas precisam de fé para acreditar e outras precisam de evidências. 
Nem toda a gente precisa de olhos para ver o que realmente importa. Com os olhos, podes ver os teus maiores receios, mas se os fechares é que consegues entender a verdadeira cegueira humana. Por vezes, ver de olhos fechados pode ser a salvação.”  
Mas talvez seja hora de abrir os olhos.

*Este texto contém citações de um texto da minha autoria, publicado na antologia de contos ATÉ SER PRIMAVERA, devidamente isoladas por aspas. 

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