sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

PONTUALIDADE, COISA RARA…

Gabriel Vilas Boas
DR
Há vinte anos conheci, em Coimbra, uma amiga, a Sofia Saraiva, que, entre muitas outras virtudes tinha uma que muito aprecio: a PONTUALIDADE. Tinha e continua a ter, o que me faz aumentar a admiração por ela. 
Sempre gostei de pessoas pontuais! Com o passar dos anos verifiquei que esta qualidade se tornou tão rara que quase me é impossível citar outro exemplo. Durante os anos em que convivi com a Sofia, em Coimbra, nunca a vi chegar atrasada a uma aula, a um almoço, a um encontro de amigos, a um simples café. Fazia-o com uma simplicidade, uma leveza e uma facilidade que a todos cativava. Não chegava atrasada nem adiantada, chegava a horas. E quando chegava jamais parecia que tinha feito qualquer esforço para ter sido pontual. Nunca havia nada um lamento por não ter tido tempo para terminar qualquer tarefa porque não havia nada que tivesse ficado por fazer. 

Depois de termos terminado os respetivos cursos, continuámos a encontrar-nos, ainda que com muito menos frequência. Não me lembro de alguma vez a ter visto chegar atrasada… ou adiantada. Também tenho dificuldade em recordar-me de muitas pessoas que sejam assim, mas gostava… e, asseguro-vos, o problema não é da minha memória.

Para mim, a pontualidade é uma forma de mostrar respeito e consideração para com o próximo. É um traço distintivo da educação de cada um. Lamentável é chegarmos apenas a esta conclusão quando somos o alvo da falta de pontualidade. 

Quase toda a gente usa relógios. Alguns deles muito sofisticados, outros muito bonitos, outros ainda valiosíssimos. Não consigo descortinar a sua utilidade para aqueles para quem o conceito de pontualidade não existe. E é uma pena que tanto valor, tanta beleza e requinte não consigam transitar do objeto para o dono. 
A falta de pontualidade é uma doença civilizacional que atinge a nossa vida profissional, social e a afetiva. Como somos muito parvos, só nos preocupamos com a medicação no primeiro caso. 
A falta de pontualidade profissional tira o respeito, a confiança e a credibilidade, afetando contratos, assim como a carreira, e ocasionando, nos casos mais graves, perdas e danos morais e financeiros tanto para o profissional quanto para a própria Instituição. A pontualidade é o caminho para o sucesso e progresso profissional.
A nível social, as consequências da falta de pontualidade não são menos sérias, mas as pessoas são mais desleixadas. A falta de pontualidade faz-nos perder a consideração dos outros e retira-nos oportunidade de viver momentos de descontração e lazer. 
Na vida afetiva, a falta de pontualidade tem consequências gravíssimas. Ela cansa, desgasta, chateia, aborrece, magoa e pode distanciar as pessoas. Com facilidade, o outro vai concluir que não é uma prioridade para si porque você comete a indelicadeza de não ser pontual. 
Todo e qualquer atraso gera desconforto e irrita quem espera, principalmente quando ocorrido com frequência. O atrasado é por natureza uma pessoa desagradável e inconveniente.
Mas este é um problema de fácil resolução. A pontualidade pode ser obtida com controlo, autodisciplina e algumas precauções contra possíveis incidentes com o transporte, o trânsito, o mau tempo etc. É ideal sair de casa sempre com algum tempo de antecedência para, assim, evitar imprevistos.
Millôr Fernandes dizia que “pontual é alguém que resolveu esperar muito”. Millôr sempre foi um realista com imensa graça nas suas sentenças sociais, mas eu prefiro, claramente, o provérbio inglês que diz “a pontualidade é a cortesia dos reis e a obrigação dos educados”.

Para mim, ser pontual é, hoje, uma questão de classe!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

VAMOS CANTAR AS JANEIRAS VAMOS, ANTES QUE SE ACABE O MÊS!

Vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos […]
Zeca Afonso

Anabela Borges
DR
Quando eu era pequena, só os narizes gelados, só os queixos gelados, os dentes gelados, as mãos e os pés gelados podiam dizer da magia que assomava aos nossos olhos crentes de criança, num brilho especial, as bochechas coradas do entusiasmo, e o fumo que saía das bocas, bafo quente, na noite escura do fundo dos tempos, noite sempre misteriosa e fria, noite longa, interminável, a despontar da luz própria de Janeiro, enluarada, promessa de Primavera. 
A geada caía, num silêncio renovado, quebrado pelas nossas vozes, às vezes mais afinadas, às vezes esganiçadas, às vezes espaçadas em cadências incertas, desvairadas, umas vozes a seguirem outras vozes, perdidas na noite, como numa imitação incessante.
Os instrumentos eram do mais genuíno improviso que a nossa imaginação conseguisse produzir: uma guitarra de acordes desatinados, uns ferrinhos irritantes e um realejo que nenhuns beiços sabiam tocar com jeito de melodia. 
Mas o mais interessante era quando a dona Arminda nos emprestava os batuques que o seu genro trouxera de África. Isso sim, isso fazia de nós o grupo mais espantoso das Janeiras, nas redondezas. Era uma circunstância tão inusitada, que parecia que o som daqueles batuques transportava as pessoas para lugares só imaginados, e parecia que as deixava anestesiadas a olhar para nós, sem nos verem, como se olhassem para o fundo da noite, antes de soltarem as moedas que haviam de tilintar ao cair no gorro preto a fazer de saco. 
O som dos batuques a perder-se na imensidão da noite, a arrastar ventos que se sonhavam mornos, a agitar o verde de uma vegetação impossível de ser real e a provocar restolhares de bichos nunca antes vistos, o som que enfeitiçava tudo e dava às nossas Janeiras uma magia, que era como uma cisma a perdurar sobre os telhados brancos de janeiro. 
Até hoje, eu continuo a acreditar que as Janeiras têm uma magia especial, uma tradição que eu gosto que se mantenha.
Todos os anos recebo em minha casa o rancho folclórico da minha freguesia. As portas abrem-se de par em par, as luzes da casa acendem-se, e aqueles cantares ecoam na noite, rua abaixo. É sempre um cantar dedicado ao Menino e ao advento do Novo Ano. É um cantar à moda do Minho, onde as vozes esganiçadas das cantadeiras mais gaiteiras sobressai do coro corado e dos fumos que se soltam das bocas no frio da noite. 
Os meus olhos perdem-se longe, no fundo da noite, a parecer-me que ouço os batuques africanos a trazer para a rua a magia dos ventos mornos, dos verdes impossíveis e dos bichos que o nosso Janeiro não conseguiria suportar. 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

CULTURAS REGIONAIS: REQUINTES DE ARTE

Alina Sousa Vaz
DR
As culturas regionais são, no mundo globalizado, vistas como requintes de arte, pois projetam universalmente aquilo que diferenciam cada um dos grupos ou comunidades. Em Portugal existem regiões cujas características se apresentam bem delimitadas, porque são segundo Jorge Dias, “(…) fruto, não só de condições ambientais diferentes, como de ascendência cultural e possivelmente étnica diversas”.

A região do Alto Douro corresponde a esta definição porque é por, excelência, uma região com características únicas bem definidas que proporciona às suas gentes uma identidade própria, logo uma cultura particular. Particularidades ímpares que justificaram a sua classificação como Património Mundial da Humanidade. Atributos que se verificam nas vivências que o povo mantém com o espaço e a terra que lavra, fazendo surgir a cultura duriense como aquela que está associada à forma como o homem vive o seu quotidiano, ou seja, ela é caracterizadora do modus vivendi do Homem do Douro.

São muitos aqueles que imortalizaram a região duriense nas suas obras ou porque nasceram nesse lugar “maravilhoso” ou porque ficaram apaixonados pelo seu encanto. António Cabral, filho de pais humildes e lavradores durienses remediados, dedicou a vida à projeção da terra e do homem duriense, pois em toda a sua obra e atividade está presente a memória cultural da região do Douro.

Autor de uma obra muito diversificada, é como poeta que António Cabral tem o seu lugar na literatura portuguesa. Por isso António Pires Cabral, escritor transmontano, entende que António Cabral é o grande poeta do Douro laboral perpetuando usos e costumes, tradições e hábitos que se vão perdendo. Segundo as suas palavras, António Cabral “É o poeta que mais canta a região em quantidade e que presta mais atenção ao Douro laboral. Não propriamente a paisagem muito bonita, mas os dramas humanos que se passam no Douro, como o cultivo ou a exploração do trabalhador”.

A cultura de cariz popular é aquela que sempre inspirou António Cabral a desenhar um trilho de luta em toda a sua ação cultural e obra literária, tornando-se, assim, um ícone da Cultura Transmontano-duriense.

Na sua poesia, António Cabral deixa transparecer o Douro laboral, dos humildes e explorados e este drama é escrito por si com simpatia e respeito na sua obra Antologia dos Poemas Durienses. Obra que aconselho vivamente!

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O MAPA DA MINA

Gabriel Vilas Boas
DR
Recentemente, um estudo da consultora Mackenzie para a Comissão Europeia concluiu que 38% dos jovens portugueses gostava de continuar a estudar, mas não tem possibilidade de pagar os seus estudos. Também há pouco tempo, o Ministério da Educação revelou os seus planos de investimento para 2014. O documento do Ministro Crato refere que o Ministério prevê gastar 149 milhões de euros em contratos de associação a estabelecer com escolas privadas e ainda 19 milhões de euros para apoiar as famílias que desejem colocar os seus filhos em escolas particulares. 
E quanto projeta gastar o governo de Portugal como a ação social escolar? 200 milhões de euros (90 milhões para alimentação). Ou seja, quase tanto quanto pretende gastar com as caixas registadoras dos colégios privados e com os meninos que vão de Mercedes ou BMW para os colégios, onde os papás gastam mais de seis mil euros por ano, só em propinas. 
Resta dizer que há uma imensa maioria (aqueles que nem são muitos pobres nem muito ricos) a quem o Estado não projeta ajudar de maneira nenhuma. O que não quer dizer que não tenha projetos para eles. Todos os anos planeia retirar-lhes uns milhares de professores e juntá-los em turmas cada vez maiores onde o que se pode aprender é inversamente proporcional ao número dos docentes que saem. 
Destes números tirar conclusões é simples. O governo português não tem falta de dinheiro para investir na educação dos jovens que realmente precisam do seu apoio, pois tem 180 milhões de euros para dar a quem faz da educação um negócio lucrativo e privilegia o elitismo no ensino. 
O que o governo português não está é disponível para permitir que o filho dum carpinteiro, dum polícia, dum empregado fabril ou dum administrativo duma câmara municipal tenha alguma possibilidade de ser médico, engenheiro ou farmacêutico. Que ousadia, a do moço! Obviamente a sua vocação é de pobre coitado. 
Crato anda admirado com tal número – 38% dos jovens portugueses não prosseguem os estudos porque não têm dinheiro para tal. Pergunta o Ministro: “Como é possível?” e logo decreta, com ar grave e sério: “Já mandei fazer um estudo para analisar a situação!” 
A explicação deu-a o pai do Pedro, que sonhava entrar em Engenharia: “Filho, a tua mãe está desempregada há dois anos e eu ganho 700 euros. Pagamos 250 euros de renda, 50 euros de gás, água e luz. Temos 10 euros por dia para nos alimentarmos aos três e 100 euros para vestuário e calçado para a família. Como te posso pagar um quarto no Porto ou em Lisboa ou em Coimbra? Como te posso pagar alimentação fora de casa? Como te posso pagar as propinas? Como te posso pagar os transportes? Como te posso custear os livros de que necessitas?”
O gabinete de Crato mandou fazer um estudo para concluir que não pode fazer nada! Mas diz que “têm sido adotadas medidas para combater as dificuldades”. E têm! 150 milhões de euros em contratos de associação para os pobrezinhos dos colégios privados e mais 20 milhões para as famílias carenciadas que têm de pagar propinas de 600/700 euros mensais para o filho poder concluir o ensino secundário num ambiente estimulante. 
As opções são claras: há dinheiro para apoiar quem gasta 700 euros em propinas em qualquer GPS de Coimbra e arredores, mas não há dinheiro para apoiar o pai do Pedro que tem 700 para sustentar a sua família e 70 cêntimos para patrocinar a entrada do filho na faculdade. 
Não tenham dúvidas, o futuro da nação está salvaguardado e são estes garimpeiros… ups, quer dizer, empreendedores, que nos trarão um futuro próspero. Continuemos todos sentados no sofá da nossa inércia porque a segunda parte do filme “Classe média à beira de um ataque de nervos” ainda vai ser mais interessante…

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

DE QUE SE FAZ UM REENCONTRO?

Anabela Borges
DR
De que se faz um reencontro?
De que cor se reveste? A que cheira? Que sabor tem?
As horas revestem-se de uma alegria genuína, na forma de um abraço consistente, como se fosse um gesto repetido todos os dias. 
O café tem o sabor intenso do princípio das coisas, porque nunca tinha existido esse sabor antes, antes do reencontro não tomávamos café juntas.
E os cheiros atravessam o espaço como memórias soltas que se vão juntando e formando histórias; no total, talvez um todo, uma história apenas. 
As horas não são as costumeiras, são as horas mágicas das conversas dos reencontros. 
Na pastelaria, o movimento da tarde, o entra-e-sai, o recolherem-se as pessoas no aconchego de um chá, de um café, de um doce – pássaros movidos no mesmo espanto de viver, como nós –, segue, independente do nosso tempo. O nosso tempo é outro: é o tempo de sentir, saborear e cheirar o reencontro. E, por meio de palavras quase ininterruptas, tentar batizá-lo, apelidá-lo, tentar nomear o nosso reencontro. 
Foi neste canto do mundo, nesta rede social, esta maldição que nos rouba tempo e nos faz questionar das existências reais das coisas, que tudo se arranjou. 
Mais de 20 anos separaram dois tempos, duas meninas seguiram seus rumos, em diferentes direções, uma mensagem, um clic, a dizer, “Sou eu. Estou aqui…”, marcou o reencontro.
O brilho dos olhos e brancuras sorridentes são talvez as cores que se guardam do tempo mágico do reencontro, e gestos que são lembranças dos dois cantos do mundo, do tempo que nos separou e nos uniu: livros, chocolates, café…  
Lá fora, a cidade, o rio. Hoje, eu acho que são eles que nos contemplam. 
E a despedida, tão apressada, quase desajeitada… um deslaçar de mãos, os cabelos voando desmanchados, cada uma de nós seguindo por lados opostos, o ajeitar dos casacos tocados pelo sopro agreste que o Inverno sempre traz à cidade, o rumor do rio que vai engrossando dos excessos do tempo velho – à espera da Primavera, como nós. 
As despedidas, se assim o quisermos, são momentos que devemos manter aquecidos num canto de nós, em espera.
FELIZ ANO NOVO!

*Escrito em Amarante, a 27 de dezembro de 2013, após um belo reencontro.  

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O MUNDO DOS AFETOS NÃO SE DEVERIA REFERENDAR!

Alina Sousa Vaz
DR
Depois destes dias atribulados devido ao tema da coadoção e adoção por casais do mesmo sexo, não posso deixar passar esta fase sem me pronunciar, também, sobre o tema, sabendo antemão que a minha opinião vale o que vale.
Eu sei que vivemos em democracia e que cada um tem direito à sua opinião. Mas, começo por dizer que fico em modo alvoroçado quando gente da minha geração expõe em público afirmações superficiais refletindo o seu pobre espírito intelectual sobre a questão em debate. Não quero dizer com isto que não são inteligentes, não! Apenas referir que falam de tudo, menos no verdadeiro ponto da questão.
Não está em causa se concordamos ou não com a adoção de crianças por casais homossexuais. Esta realidade já existe! Sabiam que a lei não proíbe homossexuais de adotarem, desde que o façam individualmente, já que a adoção por famílias monoparentais é possível?
Então começa aqui outra vertente da questão. A partir de 2010 a Assembleia da República aprovou com 126 votos a favor, 97 contra e 7 abstenções o acesso ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, com exclusão da adoção.  
Agora comecem a refletir… Então interditam a possibilidade de adotar quando permitem a adoção por homossexuais individualmente? A que chamam a isto? A isto eu chamo HIPOCRISIA. A preocupação do legislador não teve em conta o interesse da criança, mas a sensibilidade de um país ainda avesso a estas mudanças culturais.
O que realmente importa é não ignorar o superior interesse da criança, o direito a ter uma família. O que realmente importa é estas crianças, que já vivem em famílias homossexuais concretas, se encontrarem desprotegidas juridicamente por não verem a sua outra mãe ou o seu outro pai reconhecidos enquanto tal legalmente.
Será justo, caso ocorra a morte ou doença grave do cônjuge com direitos parentais, estas crianças poderem ser retiradas do ambiente familiar que sempre conheceram? Na minha opinião, é DESUMANO!
 Portugal é conjuntamente com a Rússia, a Ucrânia e a Roménia, países que ainda não aceitam a parentalidade de casais do mesmo sexo, impedindo-os dos seus direitos de constituir família. Portugal viola os direitos da Convenção Europeia dos direitos humanos e a legislação deve ser alterada tal como manda o Tribunal Europeu. Logo, é ADIAR O INADIÁVEL!
Numa democracia não se deve referendar direitos humanos de minorias. É INJUSTO!
Uma criança precisa e quer amor. Quer alguém que a oriente na vida. Que a ensine a perceber a diferença entre o mal e o bem, que a ajude a ser correto e amar o próximo com respeito. Quer alguém que a eduque e a ajude a crescer saudável e feliz!
Por tudo isto, Portugal não precisa de referendos… E utilizando as palavras de Bruno Nogeira em tom irónico, “não há dinheiro para investir no ensino especial nas escolas públicas e há dinheiro para referendar?” Gastar mais 10 milhões como no último referendo? Não, muitíssimo obrigada!

Em jeito de conclusão, refiro a alta voz: O mundo dos afetos não se devia referendar. E lembrem-se que toda a criança adotada por um casal gay foi gerada e abandonada por um casal heterossexual.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

COISAS DE CANALHA

Gabriel Vilas Boas
DR
O ano novo leva pouco mais de duas semanas e quase todos já esquecemos aqueles ridículos votos de mudança de vida que fizemos sem a mínima intenção de os cumprir. Ainda se fossem os outros a fazê-los para nós... Entretanto Eusébio morreu e o país chorou as lágrimas regimentais, as homenagens sucederam-se e prolongaram-se até ao último Benfica-Porto. Mas aí terminaram porque the show musto gon on e no dia seguinte Ronaldo chorou as lágrimas mais felizes da sua vida e os portugueses acharam que tinham um bocadinho imenso daquele ouro. 

Só terça-feira é que houve pachorra para noticiar que um adolescente (podia dizer que era uma criança mas não quero ser faccioso como os jornais que o tratam por “jovem”) se suicidou sábado à noite, depois de no dia anterior ter sido humilhado no recreio da sua escola quando foi colocado em tronco nu, lhe baixaram as calças e lhe deram palmadas no rabo. Ele ficou em cuecas, apanhou a roupa, vestiu-se e foi para as aulas sem dizer nada. 

A direção da escola achou que aquilo não era nada de especial. “Coisas de canalha”. Sim, coisas de canalha! Até porque é normal os miúdos serem despidos e humilhados no recreio duma escola. Tudo normal como se eles fossem eles frequentadores de qualquer clube de stripetese. Acresce que naquela escola de Braga toda a gente sabia que aquele adolescente não perdia os telemóveis como dizia, mas que alguém os roubava. 

Mas isso não interessava nada aquele Diretor da E.B. 2/3 da Palmeira. Achava até normal que miúdo não se desse ao trabalho de denunciar os maus tratos sobre si ptraticados. Se calhar já sabia que o diretor achava tudo aquilo normal. Uma perda de tempo, essa coisa da denúncia. Nunca dá em nada. Toda a gente sabe disso…Talvez por isso o jovem decidisse pôr termo à vida. Por enforcamento. Que morte atroz! 

Foi preciso chegar o dia do funeral e padre da freguesia dizer aquilo que ia na alma dos colegas do menino de Braga para JN e CM correrem em busca da notícia. E foi aí que aquele diretor nascido da fina flor do entulho decidiu vociferar contra a comunicação social que já tinha a ousadia de falar de bullyng. Vá-se lá saber porquê. Para ele, a humilhação que o aluno da escola que dirige sofreu no dia anterior ao seu suicídio nenhuma relação tinha com o infeliz ato daquele menino de 15 anos. Na verdade “aquilo” não passou de coisas de canalha. 

Não lhe sobrou sensibilidade para mostrar o seu pesar pela morte dum jovem da sua escola, para deixar uma palavra amiga e de conforto à família ou aos amigos do rapaz. Nada disso, para aquele diretor tratou-se da morte dum aluno por enforcamento, mas a vida continua e a escola não tem nada a ver com isso. 

Como é que um tipo destes pode ser diretor duma escola? Um sítio onde se educa crianças, adolescentes, jovens; um sítio onde pretensamente se incutem valores como a solidariedade, a amizade, o companheirismo, o respeito pelo outro e pela diferença… Um sítio destes devia ser gerido por gente… quero dizer pessoas! Não parece ser o caso. 

Como o diretor só a GNR local que logo declarou que não se tratava dum caso de bullying. Para eles tratou-se de desgosto amoroso!!! Ou não fossem eles especialistas nas duas temáticas. Suicidam-se às dezenas rapazes de 15 anos por desgosto amoroso por aquelas bandas! Qual é a admiração? Felizmente o Ministério Público de Braga, a IGE e até o Ministro da Educação da Educação não pensam assim. Foram abertos inquéritos e o ministro disse que “quer apurar os factos” – não se deve estar a referir à morte, porque aí já está tudo apurado, infelizmente – e acrescentou que “atos de bullying são intoleráveis”. Mas isto é o ministro a falar, porque o diretor da E.B. 2/3 da Palmeira (Braga) desmente categoricamente que “esteja a decorrer na escola qualquer inquérito sobre bullying”. Acho que ele não sabe o que a palavra significa… só pode!

Não podemos recuperar aquele menino de Braga e isso é uma perda irreparável, dolorosa, profunda. Podemos evitar que haja mais Ricardos a suicidarem-se porque nenhum de nós quer verdadeiramente saber deles. 

Na verdade, o homem até tem razão: “isto são coisas de canalha”, mas no sentido que os lisboetas lhe dão. Para quem não souber: coisas de gente canalha.

P.S. Há dois dias a TVI lá resolveu dedicar 90 segundos ao caso. No mesmo dia em que dedicou 300 minutos a jogos de futebol. Mais de 100 à Casa dos Segredos e mais largas dezenas a telenovelas. 

90 Segundos!!!! Pensem nisto!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

QUEM QUER FALAR DE BULLYING?

"... morre um menino, morremos todos um pouco" 
Mário Crespo, na Sic Notícias, em 14/01/2014

Anabela Borges
DR
É janeiro. 
Era sobre as Janeiras que eu queria falar. Queria falar da alegria renovada ano a ano, de uma tradição secular que quer persistir no tempo inglório que corre, no tempo apressado, no tempo agastado, no tempo gasto. Queria falar nos rostos corados do frio, nos gorros e cachecóis, nos cavaquinhos, nos homens de bigode e as mulheres com a mantilha sobre as costas, no saco do dinheiro, nas vozes teimosas a entoar cânticos de esperanças para o Novo Ano.
Chove copiosamente e é janeiro. Os dias ainda se agastam nas intempéries invernosas que não queremos viver, e vão ganhando lentamente um pouco mais de luz, pois que pé ante pé se vão notando os dias maiores, num salto de carneiro, ainda que seja um carneiro e perna curta.
Ninguém fala de bullying. Fala-se um bocadinho de bullying e passa-se logo para o tema seguinte, política ou futebol, ou assim. As pessoas têm medo de falar de bullying, não querem aceitar que ele existe todos os dias à sua volta. O bullying sempre existiu. Todos conhecemos alguém, vizinho ou do nosso tempo de escola, que foi vítima de bullying.
Quando um menino de quinze anos põe termo à vida, graças à violência perpetrada por outros meninos, isso é trágico de mais. Não podemos fingir que não vemos.
Este ano lectivo, a APAV promoveu uma acção de sensibilização sobre bullying na escola onde lecciono. E os alunos, todos da idade deste menino que esta semana se suicidou, pouca importância deram ao assunto. Mais: não tiveram um comportamento adequado à gravidade do que ali estava a ser exposto. Diziam graçolas (para que os colegas apreciassem), e riam-se (para mostrar que o problema não era um problema e que nunca os afectaria). Mas o que é isto? Eu fiquei indignada com a postura destes adolescentes, quando lhes estava a ser proposto ouvirem alguns conselhos e eles próprios debaterem o assunto. Muito a custo e com ar de imensa confiança e conhecimento sobre o assunto, do tipo “tenho tudo controlado”, alguns lá admitiram conhecer casos de bullying e um ou outro admitiu já ter pertencido a um grupo agressor ou ter conhecido vítimas. 
O bullying não se passa só entre os jovens. Não, de todo. O bullying abrange todas as idades e classes sociais. O bullying é uma das formas de exclusão mais cruéis, é uma maldade que se cozinha durante um grande somatório de horas, dias, semanas, meses, anos – até onde se conseguir aturar. É imenso este mundo escurecido.
Os miúdos são cruéis. Vivem numa sociedade em que importa ter para ser; importa estar inserido num padrão, num grupo, para ser incluído.   
Eu ouvi a notícia, à noite, e o Mário Crespo dizia, na sua indignação, "... morre um menino, morremos todos um pouco". 
Pois morremos. Eu morri um pouco. Deitei-me cheia de horrores na cabeça e sonhei com pessoas e mais pessoas que entraram no meu sonho, sem saber o que elas queriam. Acordei muito cansada, para um novo dia. O quê? Ninguém fez nada por aquele menino. E agora? Vamos fazer o quê? O quê? O quê?

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

«ATÉ SER PRIMAVERA», PRÉMIO LITERÁRIO ATRIBUÍDO A ANABELA BORGES



Convite de lançamento em Lisboa - sábado, 25 de janeiro

Até ser Primavera
Contos



ANABELA BORGES

Sinopse


Primeiro livro da inteira autoria de Anabela Borges, “Até ser Primavera” surge como uma antologia de dez contos onde impera o desespero da condição humana, a dar lugar à esperança na primavera da vida. 
Até que ponto as coisas mais simples podem fazer alguém voltar a agarrar-se à vida, ou os mistérios inexplicáveis levam a desistir dela? Como se faz da intriga um modo de vida, ou se vive na cegueira de não ver o que está mesmo à nossa frente? Como justificar um aborto voluntário, ou viver com alguém que te faz a vida num inferno, como aguentar a perda daqueles que mais amamos, ou entender a saudade arrebatadora no fado do amor, como perdoar, ou gerir arrependimentos? São histórias que, há muito, te acordam o sono, te preenchem as memórias e te povoam os dias inquietos, para ler e refletir. Vale a pena acreditar na primavera da vida.
Este livro surge como o resultado da atribuição do prémio melhor conto da coletânea Ocultos Buracos, da Pastelaria Studios Editora, e inclui o conto vencedor.