Há
pouco mais de dois anos, coloquei-me um novo desafio: lecionar o nível mais
elementar de Português como Língua Estrangeira (nível A.1.1.) aos alunos
ERASMUS que vinham estudar para a UTAD! Foi um verdadeiro repto lançado a mim
próprio, uma vez que tinha de falar com eles em Inglês e ensinar o mais básico
da língua, como se de um professor do antigo ensino primário se tratasse!
Tenho
tido alunos polacos, alemães, checos, eslovacos, húngaros, franceses, turcos,
italianos e até espanhóis, ou seja, verdadeiros representantes da Europa do
norte e da Europa do sul… A experiência tem sido muito enriquecedora,
especialmente porque tenho a noção, em primeira mão, do que esses povos e,
particularmente, a geração futura pensam efetivamente de nós, portugueses. E,
entre os aspetos positivos, constatam que os portugueses são muito simpáticos e
prestáveis, a comida e o vinho portugueses são muito bons, o sol e a
temperatura são muito agradáveis (menos quando chove ou está nublado…), e que há
cidades, terras e paisagens muito bonitas. Entre os aspetos negativos,
consideram que chegamos (quase) sempre atrasados e que somos pouco
profissionais…
No
início deste ano letivo, tive, pelas primeira vez, um curso intensivo, durante
três semanas, com alunos que não vinham todos para a UTAD, mas também para
Lisboa, Leiria, Bragança, etc. E, se às vezes, é difícil explicar diferenças
culturais importantes, como as distâncias na conversação oral e as formas de
tratamento e de cumprimento entre os portugueses — alguns acham esquisito (“weird”), por exemplo, ao
facto de nos cumprimentarmos com dois beijos na face —, neste curso foi
particularmente penoso explicar a tradição académica da receção ao caloiro!
No
primeiro dia dos caloiros na UTAD, a maioria destes estudantes ERASMUS estava
chocada com a forma como os alunos mais velhos tratavam, de forma tão bárbara e
desumana, os mais novos! Estas expressões eram usadas por eles! Não era a
tradição em si de receber os colegas, embora a maioria deles não tivesse essa
tradição nos seus países de origem, mas, especialmente, o desrespeito pelo ser
humano, o facto de os humilharem publicamente, chamando-lhes nomes e
obrigando-os a olhar fixamente para o chão; caminhar em fila indiana e obrigá-los
a fazer flexões (quando não eram alunos de Desporto) até nem era muito mau, comparando
com o resto!…
E o
que se diz em defesa desta tradição?! Este era o meu principal dilema!… Como
posso defender esta tradição — pois é meu dever defender a UTAD enquanto profissional
desta instituição —, se nem eu acredito nos argumentos que posso usar?! Mas lá
fui explicando que eram tradições muito antigas em Portugal; que vinham desde o
tempo da Idade Média, da Universidade de Coimbra, que tinha sido fundada ainda
no século XIII; e que era um ritual de passagem entre a infância/juventude e a
idade adulta, etc. Lá me fui desembaraçando como pude, mas penso que não devo
ter sido muito convincente!
E o pior de tudo é que alguns
alunos foram-se embora (para as outras universidades) no fim dessa semana! E
com que ideia terão ficado da UTAD? Eu gostaria de acreditar que foi da
experiência de aprendizagem dessas três semanas, do convívio que tiveram com
colegas da ESN (Erasmus Student Network), dos passeios que fizeram ao Douro e à Régua, dos fins de semana
no Porto e em Vila Real, das amizades e ligações que poderão ter ficado para o
resta da vida… Mas será?! Na maioria das vezes, é a última imagem que permanece…
Professor Doutor Gonçalo Fernandes
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