As medidas
políticas têm um impacto direto na vida da maioria dos portugueses. Fomos falar
com pessoas e instituições que lidam de perto com as consequências dos sucessivos
cortes feitos pelo governo para perceber como é que se mantêm à tona.
Só este ano a
Cáritas em Vila Real já ajudou cerca de 3500 famílias carenciadas. A Santa Casa da Misericórdia de Amarante sentiu a necessidade de passar da entrega pontual
de cabazes, com bens alimentares, para um plano de emergência alimentar, que
assegura refeições, quentes, diariamente, a pessoas em dificuldade.
A dificuldade,
que no dicionário aparece como: “qualidade do que é difícil.
Impedimento,
obstáculo.
Apuro, aperto.” No dia a dia dos portugueses tem vindo a tornar-se
uma realidade cada vez mais presente.
Onde se sente a crise?
A Vila Real Social faz a gestão patrimonial dos bairros sociais do concelho de Vila Real. O parque habitacional do concelho é composto por cinco bairros (o Bairro Dr. Francisco Sá Carneiro, o Bairro da Telheira, o Bairro de Vila Nova, o Bairro da Laverqueira e o Bairro de São Vicente de Paula). São cinco complexos habitacionais sociais, onde quase oitenta por cento das habitações são sociais, ou seja, são em regime de renda apoiada, explica-nos a socióloga Joana Afonso.
Bairro Dr. Francisco Sá Carneiro |
Residente do Bairro Dr. Francisco Sá Carneiro |
Pormenor das imediações do Bairro Dr. Francisco Sá Carneiro |
Quando
questionada sobre o impacto das medidas políticas na vida das pessoas a
socióloga refere que houve um acréscimo no pedido de revisão de rendas. “O
valor da renda social é feito em função do rendimento do agregado familiar, e
do número de elementos dependentes que o compõem (elementos dependentes são
menores de dezoito anos, entre dezoito e vinte e cinco anos que comprovem que
continuam a estudar e deficientes com mais de sessenta por cento de
incapacidade). Por essa razão, como houve um aumento acentuado no desemprego houve muitas famílias que recorreram ao Vila Real Social para pedir um revisão
extraordinária da sua renda. Para além dos pedidos de revisão de renda tem-se
notado muita sobrelotação, ou seja, famílias que agregam quase outras famílias
na mesma habitação.”
Joana
Afonso lida de perto com os moradores dos bairros sociais e o seu trabalho
passa por ajudar essas pessoas a encontrarem soluções. Conta-nos um caso
recente de “um morador do bairro da Laverqueira, que era beneficiário do RSI
(Rendimento Social de Inserção), mas faltou a uma reunião e esse rendimento
foi-lhe retirado. Está a acumular dívidas de renda, o que faz com que se tenha
de acionar uma ação de despejo, por falta de pagamento. A Vila Real Social está
a tentar solucionar o problema.”
Estes
técnicos reconhecem as dificuldades associadas à obtenção do Rendimento Social
de Inserção. “O Instituto de Segurança Social, pelo menos em Vila Real, não tem
nenhum gabinete de apoio ao preenchimento”, salienta Joana Afonso.
Por
erros dos utentes a preencher os documentos, ou por faltas às reuniões, mais de
20 mil pessoas deixaram este ano de receber o RSI. Desde 2010, quase 135 mil
pessoas perderam o direito a este apoio.
“As
dívidas de renda aumentaram bruscamente nos últimos anos”, esclarece a
socióloga. Nesse contexto a Vila Real Social está a fazer um acompanhamento, ao moradores, muito mais periódico.
“O que nós chamamos de
pobreza envergonhada”
José Clemente
Teixeira é o diretor da Adesco (Associação para o Desenvolvimento Comunitário) desde
dezembro de 2004 e acredita que há “de
facto, cada vez mais gente a necessitar de ajuda.” Relembra uma altura em que
teve “de mobilizar os restaurante da região para ajudarem a dar alimentação a
algumas pessoas, pontualmente.” Atualmente, com a criação da cantina social, a
cargo da Santa Casa da Misericórdia, esse problema foi atenuado.
Santa Casa da Misericórdia de Amarante |
A Adesco é uma instituição
particular de solidariedade social. Atua nos concelhos de Amarante, Marco de
Canaveses, Vila Real e Mondim de Basto. Tem várias valências de entre as quais
José Clemente Teixeira salienta “o SAD (Serviço de Apoio Domiciliário), onde
são prestados serviços a idosos, em particular aos que vivem isolados. O jardim
de infância com vagas para os mais desfavorecidos. E o ATL (Atelier de Tempos
Livres) também com o objetivo de favorecer os mais carenciados.”
O trabalho
desenvolvido por esta associação passa também pela avaliação das necessidades e
pelo encaminhamento social dos utentes. Trabalham de perto com uma comunidade
de etnia cigana à qual dão “todo o apoio”.
Adesco - Delegação de São Gonçalo |
O presidente da
Adesco afirma que assiste “a muita gente que ainda está em idade de trabalhar
mas não tem onde, não tem forma. E que acaba por se encostar aos pais ou aos
avós, que vão dando retaguarda mas começam consequentemente a passar pior.
Porque nesta zona as reformas são mínimas. Há, assim, cada vez mais
dificuldades.”
A Adesco em
particular não sofreu cortes diretos nos acordos que tem com a Segurança Social, mas a subida no preço dos combustíveis é muito notada numa instituição
que ao dar apoio domiciliário “anda sempre com os carros de um lado para o
outro.” E indiretamente ao haver cortes nos rendimentos dos seus utentes,
acabam por, também eles, sentirem os cortes. “Uma vez que cada utente paga
pelos serviços consoante os rendimentos que apresenta.”
A pobreza
envergonhada é também uma das preocupações de José Teixeira, que afirma: “Há
ainda hoje pessoas a passar mal sem nós termos conhecimento, chamamos-lhe nós,
a pobreza envergonhada.”
Ainda há quem acredite
De
esperança se fazem os dias de dezenas de pessoas que trabalham ou recorrem a
instituições de solidariedade. Luísa
Pedroso, licenciada em Serviço Social, mestre em Gerontologia Social Aplicada é
diretora técnica do Centro Social de Nespereira, em Guimarães. Local onde é
realizado um trabalho que, segundo a socióloga, já ajudou várias pessoas a
saírem da situação difícil em que se encontravam.
De
entre as várias valências, que este centro tem para oferecer aos seus utentes,
“a cantina social é aquela onde se tem sentido um aumento de procura
proporcional ao aumento das medidas de austeridade”.
Centro Social de Nespereira |
“A Cantina Social
é um serviço para pessoas mais carenciadas, que se enquadrem nos critérios
estipuladas pela Segurança Social e pela instituição em particular.”
Responsável por este serviço está “uma socióloga que após uma avaliação
integral dos utentes, sempre que necessário, os encaminha para o serviço de
psicologia da instituição. Às vezes são doentes que ainda não trataram da sua
isenção no centro de saúde, que ainda não se inscreveram no centro de emprego,
porque nem sabem muito bem o que fazer, nos aqui encaminhas e aconselhamos
essas pessoas”, refere Luísa Pedroso.
Carlos Luís Oliveira |
Um dos
beneficiários da Cantina Social é Carlos Luís Oliveira de 55 anos. Após ter
sido abandonado pela família, Carlos viveu problemas graves de alcoolismo e foi
sem-abrigo, dormindo numa casa abandonada onde até chovia. Carlos conta com
cerca de 200 euros de RSI. Atualmente, vive numa casa, onde paga 50 euros de
renda e tem direito a refeições por um euro, fornecidas pela Cantina Social.
Para além da
Cantina Social existe o Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados
(PCAAC), que é constituído por fundos comunitários que chegam à Segurança
Social através de produtos alimentares e que são distribuídos por várias
entidades, que por sua vez os distribuem de uma forma equitativa, duas
vezes no ano, às famílias com
dificuldades.
Ao centro chegam
todo o tipo de utentes, como explica a socióloga: “Temos pessoas que tentaram
colmatar as suas dificuldades durante um determinado tempo e quando sentem que
não conseguem mais pedem-nos ajuda.
Temos outros a quem chamamos de pobres escondidos, ou envergonhados, que somos,
muitas vezes, nós que os identificamos, pelo contacto próximo que temos com a comunidade.
Mas, ainda, há pessoas que continuam a recusar apoio.”
Outra valência do
centro é o apoio domiciliário, onde não se nota grande diferença na procura, o
que se nota é uma seleção mais cuidada nos serviços solicitados. O montante que
é pago varia consoante as reformas e vai variar de acordo com o número de
serviços solicitados, assim, a socióloga explica-nos que “as pessoas tendem a
procurar só mesmo os serviços básicos”.
“Com cortes nas
reformas as pessoas acabam por evitar gastos principalmente na nossa outra
valência que é a academia sénior, que assegura serviços de animação, de
ocupação, de estimulação e de um envolvimento para a promoção de um
envelhecimento ativo”, conclui Luísa Pedroso.
Além fronteiras mora a esperança de
muitos jovens
Inês Rodrigues
Soares Amor tem 27 anos e é licenciada em radiologia. Neste momento está de
licença de maternidade, mas contratada, refere com orgulho. Depois de um
“percurso nada fácil ou positivo na área de estudo”, Inês Amor e o namorado
decidiram sair de Portugal. De malas aviadas partiram para França na
expectativa “de mais, pois aqui nada de bom se adivinhava”.
Ainda por
Portugal recusou algumas oportunidades de emprego por considerar “que estaria a
pagar para trabalhar” e a sua condição financeira não lhe permitia esse luxo.
Foi então “trabalhando na área de atendimento ao público,
mas em sítios diferentes, sobretudo cafés e restaurantes”.
Considera que dificuldades
passam por “não ter emprego”, “não ter dinheiro para comer”.
“Não ter dinheiro para ir
ao cinema ou para comprar roupa da moda” chamam-se, para a Inês, percalços.
Revolta-se por acreditar
que se devia “cortar nas regalias de quem nos governa” e nas “pessoas que
escolhem não trabalhar” e “não em quem tanto trabalha e perde cada vez mais
poder de compra”.
Ainda sonha em voltar à
pátria, “não é fácil deixar locais e pessoas importantes, falhar nos momentos
mais essenciais das suas vidas”. Mas sente-se bem mais segura no país que a
acolheu sem ser seu.
As fotos são a
preto e branco, pois é com estas cores que muitos portugueses descrevem o
futuro.
Este é o retrato
de um país entregue às mãos da austeridade. Os jovens saem em busca de um
futuro. Os que por cá vão ficando temem o dia de amanhã. Mas ainda há quem
acredite que as coisas podem melhorar. E quem passe os dias a dar esperança a
quem não tem mais nada.
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