sábado, 12 de agosto de 2017

NO ARCO DA PONTE

A. PATRÍCIO
O Tâmega é...

O nevoeiro cobria o rio mas, nem por isso, lhe subtraía a beleza. Quer queiramos quer não, a beleza natural, seja do que for, é perene, inigualável e, por mais que o tempo passe e sobre ela exerça a sua influência não a macula, muito pelo contrário, acrescenta-lhe magia, dá-lhe autenticidade.

A beleza deste rio é poema de rima incerta, onde o autor, com palavras sopiadas por Deus descreve, sujeito aos condicionalismos humanos, o melhor que sabe e sente – amor, paixão, romance, sentimento, carácter – sem nunca questionar a sua origem e o seu ocaso.

À imagem de Deus, não há palavras para o definir e caracterizar. O rio Tâmega é e, se a recordação nos leva a sentir saudade não é propriamente do rio ou da sua beleza – o rio é futuro – mas sim, dos momentos passados na sua companhia, sempre diferentes, usufruindo da sombra das suas árvores, da paz do seu silêncio, da frescura dos seus relvados, da harmonia dos cantares trinados dos rouxinóis ou do coaxar das suas rãs; da calmaria das suas margens e da elegância das suas guigas no sulcar amancebado das águas.

DR FILIPE SOARES
Meu rio, quão me fazes feliz e quão me sinto perdido quando não te vejo ou sinto a tua presença, levado pela azáfama de uma vida cheia e, por vezes, incompreendida pelo vulgar sentimento e dificuldade de discernimento de uns tantos acolchoados de fátuas ânsias, cegos por promessas efémeras e surdos pelo burburinho da cidade...

Meu rio, conselheiro sábio e despojado de interesses, como te fito abandonado e votado ao esquecimento; como te vejo ansioso quando és vilipendiado por gente sem escrúpulos; como te oiço gritando por ajuda e como sofro, com ranger de dentes, por não ter poderes para te socorrer; como te sinto lutador, quase exangue, em tempos de Estio, a respirar com dificuldade; como és sofredor quando, sem qualquer pejo, te tornas sepultura dos teus nados. 

As tuas águas, ora calmas e remansosas, ora turbulentas e agrestes guardam histórias e estórias de valor e de valores, sem que alguém as saiba ou queira guardar ou resguardar para um tempo e de um tempo de preservação da memória.

Os teus açudes respingam lágrimas de épocas em que guiavam as águas para fazer pão e sujeitavam rodas e mós a uma cadência que dava indolência e ajudava a embalar cestos e canastras onde, em sono angelical, repousavam os filhos daqueles que sabiam os teus segredos.

DR SÓNIA BASTOS

A aragem, como uma meiguice, faz borbulhar a tua face e, num murmúrio quase imperceptível, troca contigo juras de amor copiadas pelos pares de namorados que, todos os dias, palmilham as tuas margens, bebem a tua paz e descansam à sombra dos amieiros e salgueiros. 

A névoa continua sobre o rio e, neste espírito, guardo as ideias e os conselhos que o silêncio partilha e só aqueles nados nas tuas margens entendem e gratuitamente partilham.

O Tâmega é ontem, hoje e amanhã e, como tudo que é eterno, é passado, presente e futuro. É intemporal e único e a saudade, que se evapora das suas águas, é a responsável por toda esta neblina incapaz de o ofuscar por serem eflúvios da sua beleza.

Amemos o rio como parte integrante do nosso corpo pois, só assim, seremos capazes de o respeitar e honrar e, como cidadãos livres, merecedores dos seus pergaminhos. 


(Por opção, o autor escreve de acordo com a antiga ortografia) 
Publicado em “ O Jornal de Amarante” em 28/Março/2013

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