quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O SENTIDO DA VIDA

INÊS LOPES
Em tempos passados, li algures esta frase: “A vida é justa porque é injusta para toda a gente.” Depois de uma reação de concordância quase instantânea com a frase, pensei mais profundamente sobre ela. Estes pensamentos que se seguiram apenas limparam a superfície que escondia aquilo que realmente é verdade, levando-me a discordar da frase.

A vida não é justa. É fácil concordar que é injusta para todos, no entanto, as injustiças que cada um carrega são desproporcionalmente, desmedidamente e claramente desiguais. Num mundo em que crianças inocentes morrem sem a oportunidade de preencher a alma com histórias de vida, enquanto outras pessoas têm a sorte de colecionar décadas e de envelhecer a alma, somos levados a pensar: o que é a justiça à beira desta desigualdade? Porque é que uns nunca chegam a experienciar a euforia de sentimentos que faz explodir o coração, enquanto outros sentem o seu a dilacerar vezes e vezes sem conta?

Não há justiça que se consiga compreender e explicar neste mundo, basta que olhemos à nossa volta, que olhemos para aqueles que transportam um coração no seu interior, e que reparemos no uso que cada um lhe dá. Nunca consegui perceber, como certamente mais ninguém consegue, estes opostos constantes, as desgraças de uns, as vitórias de outros. Parece que tudo em nosso redor carrega uma complexidade inexplicável.

Devido a esta minha incompreensão, encontro-me constantemente a criar as minhas próprias conclusões dentro deste meu mundo, que ainda é tão ambíguo e desnorteado. Explorando esse meu lado onde habitam as mais fictícias coisas, a explicação que encontro para toda esta desigualdade consegue preencher todas as lacunas vazias. Imagino que se existe um céu, ou um inferno, ou um lugar lá bem no alto, onde habita um Deus que comanda tudo, existem também vários escritores, que têm a missão de escrever a história de cada um de nós. Assim, é mais fácil compreender a disparidade entre as várias vidas. Assim como existem más e boas pessoas e vidas justas e injustas cá em baixo, existem também vários escritores lá em cima, cada um com o seu coração e com ideias diferentes, criando diversos enredos, determinados em escrever aquilo que dita o nosso “caminho” na Terra.

No meio de tantos fatores que controlam aquilo que somos e aquilo a que temos direito, podemos ter alguém bom ou mau a escrever por nós, mas nunca saberemos onde vamos chegar, a menos que continuemos a ler.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

NOVAMENTE OS CONCURSOS DE PROFESSORES

PAULO SANTOS SILVA
Depois de umas retemperadoras férias, regresso ao seu convívio desejando que, se for o caso disso, as do meu estimado(a) leitor(a) também o tenham sido. Se ainda as vai gozar, aproveite porque segundo as previsões meteorológicas o tempo vai melhorar novamente a partir de amanhã.

Para quem o tempo piorou (e nalguns casos de que maneira), foi para milhares de professores que ano após ano aguardam o final do mês de agosto com um misto de angústia e expectativa. O que certamente não estariam à espera, era desta “rasteira” que o Ministério da Educação lhes tinha preparado. 

Desde há cerca de uma década, que tinha sido prática das várias equipas ministeriais proceder à colocação dos professores que concorriam à chamada Mobilidade Interna (os professores que não tendo horário nas escolas em que são efetivos, têm de encontrar colocação em outra escola; os professores que se encontram efetivos nos chamados Quadros de Zona Pedagógica e que têm de ser encaminhados para uma escola; e os professores que sendo efetivos numa escola e tendo horário nela, pretendem fazer a chamada aproximação à residência) em horários completos e incompletos, o que foi alterado este ano sem aviso prévio nem negociação com as organizações sindicais que representam os professores. 

Para que se perceba, o que está em causa aqui não é a legalidade do procedimento uma vez que a legislação sendo omissa, o legitima. Não está, também, em causa que este procedimento (embora aqui a minha opinião careça de um estudo mais aprofundado) possa permitir uma melhor rentabilização dos recursos financeiros que o Ministério despende em pessoal. No entanto, os professores e as necessidades das escolas no que a eles diz respeito, não se pode reduzir a meros números ou condicionada exclusivamente por critérios contabilísticos.

Se é verdade que um professor do quadro poderia ser colocado num horário de 8 horas, quando o seu horário (no caso do 2º e 3º ciclo) é de 22 horas, não é menos verdade que esse professor não era pago para estar 14 horas sem fazer nada. O que vai acontecer com este critério adotado, é que muitas das tarefas que esses professores desempenhavam (apoios, tutorias, clubes, biblioteca, projetos, etc.), pura e simplesmente vão deixar de ser prestados porque as escolas não vão ter nem recursos humanos, nem créditos horários para os proporcionar aos alunos. Já para não falar do caso dos horários dos professores de Educação Física que são lançados pelos Diretores nas plataformas como incompletos, mas que na prática não o são, porque não incluem as horas atribuídas ao Desporto Escolar e que fazem parte da componente letiva.

Finalmente, a questão da lisura. Da seriedade. Das regras do jogo serem claras e atempadamente conhecidas de todos. O seu conhecimento teria alterado a manifestação de preferências de muitos candidatos? Certamente que sim. O resultado, em termos de colocações, seria diferente? Em alguns casos, sim. Em muitos outros, não. Mas o processo seria transparente e todos saberiam em tempo útil com o que contar.



Para não maçar o leitor neste regresso de férias, não me alongarei mais neste tema embora muito mais houvesse para dizer. A ele voltarei em tempo oportuno.

VIDAS RARAS

VERA PINTO
Vamos fazer um jogo? Imagine que tem uma doença crónica séria, degenerativa que colocaria em risco a sua vida, uma doença incapacitante que comprometeria a sua qualidade de vida devido à falta de autonomia que acarreta, uma doença capaz de envolvê-lo a si e a toda a sua família e amigos, causando um sofrimento horrível, uma doença para a qual não existe cura. Consegue imaginar-se numa situação dessas? Agora só para melhorar o cenário acrescente o desconhecido, a procura constante de respostas sem obtê-las. Estou a ser irónica, como é óbvio. Contudo esta não deixa de ser a realidade das pessoas que padecem de uma doença rara.

Doenças raras, como o próprio nome indica, são aquelas que afectam um pequeno número de pessoas quando comparado com a população em geral. Na União Europeia, consideram-se Doenças Raras aquelas que têm uma prevalência inferior a 5 em 10000 pessoas, considerando o total da população da UE. No seu conjunto, afectam cerca de 6% da população, o que significa que existirão cerca de 600.000 pessoas com estas patologias em Portugal. Por se tratar de doenças pouco comuns, o campo das doenças raras sofre de um défice de conhecimentos médicos e científicos. Estas doenças foram postas de parte durante muitos anos por parte de médicos, cientistas e políticos, por falta de consciência e interesse. Os doentes afectados por estas doenças enfrentam grandes dificuldades na procura de diagnóstico, informação relevante e orientação adequada por profissionais qualificados. Questões específicas são igualmente levantadas no acesso a cuidados de saúde de qualidade, apoio geral social e médico, ligação efectiva entre os hospitais e centros de saúde, bem como na integração profissional e social e na independência.

Felizmente, nos últimos anos graças ao esforço de várias associações, que lutam pela indiferença e regem o seu trabalho por valores como solidariedade e igualdade, a consciencialização da sociedade melhorou e a criação de programas políticos e de investigação científica no campo das doenças raras é prova disso mesmo. Embora não haja um tratamento específico para muitas dessas doenças, a existência de cuidados adequados pode melhorar a qualidade e a esperança de vida dos doentes afectados e prolongar a sua esperança de vida. Todos temos os mesmos direitos e deveres e as singularidades de cada um não pode alimentar a nossa indiferença. Basta apenas retomar ao início desta crónica e pensar: “e se fosse comigo?”

terça-feira, 29 de agosto de 2017

CLARIVIDÊNCIAS

REGINA SARDOEIRA
O nosso tempo, este século XXI alucinado e alucinante, nada tem de facto que seja extraordinário ou sequer notável, basta olharmos à nossa volta com alguma circunspecção e depressa entenderemos em que espécie de logro nos vamos acoitando, crentes de que nos doura uma superioridade ou uma inteligência que não existia noutras eras e à qual bruscamente aderimos no salto do milénio e do século. Falta-nos, porque os perdemos, reenviando-os para os nossos sucessores intelectuais – as máquinas – a criatividade, o engenho, a força, o génio, em suma! Falta-nos o vigor do intelecto, o culto da excepcionalidade, o apego ao espírito de elite, o companheirismo na tarefa nobre, a união em torno de uma ideia, a luta por uma utopia, a crença numa doutrina, a experiência da comunhão…falta-nos tudo!

Outrora, acreditávamos no poder dos cérebros lucilantes e entregávamo-nos a eles, crentes de que os animava o espírito supremo e que na senda deles atingiríamos o nosso cume. Hoje, cada um de nós julga ser o paladino da virtude e da glória e, apegado às suas pequenas ilusões de bolso, desdenha modelos, chefes, paradigmas ou mestres.

Platão amou Sócrates e rasgou a sua obra poética quando percebeu o manancial infinito da filosofia – mas soube manter-se poeta e fê-lo nas espirais portentosas da alegoria e do mito; Aristóteles escutou e sorveu as lições de Platão na Academia – mas partiu para a sua caminhada, orientando para a terra a mão que o mestre erguia para os céus; Kant seguiu Descartes e fez-se racionalista dogmático – até que David Hume o atacou de chofre e lhe deu a mão, acordando-o do sono dogmático e fazendo-o racionalista crítico; Hegel acalentou o kantismo – até entender a esquizofrenia lúcida do mestre de Koenigsberg e proclamar a unidade da Ideia Absoluta na espiral infinita da progressão dialéctica; Marx fez-se hegeliano de esquerda na senda de Feuerbach – mas inverteu o idealismo dialéctico dando-lhe um cariz humanista; Nietzsche veio dos gregos até Wagner e Schopenhauer e de uns retirou a pureza trágica dos inícios, de outro a sublimidade heróica da ópera como catarse de um mundo que havia assassinado a aura trágica e do outro a vontade de viver, logo transposta e enunciada como vontade de poder; Freud inventou uma fantasia urdida nos êxtases oníricos e, nos sortilégios mesmerianos aglutinados à ciência de Charcot, dela fez terapia, criando a psicanálise; Boole e Frege reanimaram a lógica aristotélica à luz da matemática e nela se inscreveu Bertrand Russell e mesmo Wittgenstein, o paladino dos eternos enigmas filosóficos, conseguiu brandir o atiçador para Popper e abandonar a sala pois, «sobre aquilo que não se pode falar deve manter-se o silêncio»! Brandir atiçadores e abandonar a sala, para não ter que percorrer o caminho batido dos problemas filosóficos, esses, que constantemente se transmutam em enigmas, por muito que intentemos decifrá-los, venham ou não até nós o reino de todos os Poppers, rasgar poesia inútil quando a filosofia nos acena com cânticos e maravilhas, ouvir o sentido da terra em choque com os arquétipos do empíreo, arrasar a arrogância wagneriana e eleger um super-homem que é o caminho do homem, ele próprio uma ponte esticada entre o animal e o super-homem, criar uma fantasmagoria esquizofrénica em colisão com os dogmas urdidos num racionalismo metódico… eis o que hoje não somos capazes de fazer, pois trava-nos o ressentimento, e só sabemos tapar os ouvidos e seguir atarantados as nossas vielas tortuosas – mesmo quando a inteligência solta os seus clarins!

Toda a gente escreve e pinta e esculpe, toda a gente faz política e sobe às cátedras debitando um saber frouxo, urdido na mentira do tempo, toda a gente ascende à ribalta, erguendo a voz e enfunando o peito, ousando permitir que os holofotes lhe desvendem a terrível carranca, toda a gente sabe sempre tudo e sempre mais que toda a gente! Ninguém acolhe o conselho do mais sábio, ninguém respeita a hombridade do mais recto, ninguém ouve a crítica do mais justo, ninguém aceita a correcção do mais atento. Parece que os próprios bebés trazem em si o conhecimento todo no acto de nascer e, quando crescem, é como se nada pudessem já aprender, velhos que começam desde logo a ser para as arenas sublimes do convívio com os predestinados. E é por isso que hoje os lúcidos todos se calam e se escondem, receosos que os descubram e os confundam com todos esses néscios vindos de nenhures e para nenhures caminhando- e todavia crentes na sustentabilidade do que os tornou célebres. Por isso, não procureis o génio nas montras dos livreiros, nas paredes das galerias, nos ecrãs dúbios dos vossos cinemas privados, nas magazines fanadas ou nos slogans publicitários; sabei que eles estão mudos e assim permanecerão até que este tempo se esgote e dele nasça, num parto aterrador para os que até agora reinaram, a saga do futuro. Creio nesse tempo e só a ele me rendo!

IL DOLCE FAR NIENTE OU O IDEAL DA OCIOSIDADE DESPREOCUPADA

PEDRO MONTERROSO
Hoje, olhando para trás alguns anos, observo que aterro sempre mais suavemente no aeroporto Francisco Sá Carneiro do que descolo. No regresso os caminhos são sempre curtos, além de que vou para descansar e deixo os dias de trabalho à distância dos quilómetros e do tempo. Com a mochila de viagem sobre os ombros, encaminho-me para os transportes que me levarão a casa. Ainda é cedo, essa é a vantagem de levantar cedo – dá saúde, faz crescer e dá para aproveitar mais um pouco das férias, que são sempre curtas.

Chego a Amarante e a ansiedade, que ainda tinha em chegar, deixa-se cair no regaço de uma cadeira da primeira esplanada da praça, à qual lhe procede um café sobre a mesa. Uma boleia para casa não tardará em chegar. Enquanto isso, espero de braços levantados e dedos cruzados por detrás da cabeça, a segurar o olhar vazio.

Eis que alguém passa. Pousa o olhar sobre mim e, num passo repentino, aproxima-se. Entre o sorriso e o aperto de mão, com um há-anos-que-não-te-via nos olhos, descortino toda a memória para reconhecer aquela cara. Não consigo, tenho péssima lembrança para rostos. Mas, antes que tenha tempo para confirmar a minha pouca destreza mental no assunto, vejo-me interpelado (ou devo dizer atropelado) com a pergunta do recém-cumprimentado:

E então, Pedro, o que fazes, o que é feito de ti? – Pergunta-me.

Face a esta pergunta, fico sempre desconsertado. Não sei se pela repetição com que é feita, pelos que não vês há muito tempo, se pelo vazio que a mesma parecer sempre carregar. Pressupõe sempre uma narração ficcionada daquilo fazes: que tens um emprego muito bom, que vives não sei onde, que és casado e tens filhos… Enfim, um percurso não se enquadra na moldura. Resolvo responder da forma mais cheia que encontro:

Nada. – Olha isso mesmo, que bem pensado, n-a-d-a, dou por mim a pensar para com os meus botões – Neste preciso momento: nada. – Devolvo-lhe uma resposta sobranceira de quem não está para muitas conversas e…

Nada? – Adivinho no olhar de pasmo do remetente. – Quem nada é peixe. – Vocifera com um sorriso.

Espero uma boleia. Mas quem espera desespera, então não espero. Quando chegar, chegou. Não faço nada.

O meu interlocutor, no meio da desconversa, insiste:

Mas que é feito de ti? Em que trabalhas? Onde?

Obviamente, quer saber mais para além do momento presente, não tendo a minha resposta de alguma forma satisfeito a sua curiosidade. Afinal, todos querem sempre saber mais do que aquilo que me perguntam. As respostas curtas, às vezes, são as piores, são-lhes exigidas explicações.

Com o olhar de quem me conhece, compenetra o olhar no meu café. Parece obstinado a ficar. Quanto a mim, continuo a lutar na minha memória pelo escrutínio das formas daquelas feições.

Em que trabalho? Olha – respondo-lhe, por final -, no momento não trabalho. Comprei o tempo com a força do meu trabalho. Chamem-lhe férias que é aquilo que, trocado por miúdos, traduzo em tempo. Comprei o tempo ocioso e despreocupado que é a minha forma de felicidade. Como vês, sento-me neste café a ver a banda passar, como depreciativa (e infelizmente) se diz por estes lados… Aliás, não teria de haver nenhuma depreciação dos que ficam a ver a banda passar. Perguntar-lhes em que trabalham é que deveria ser uma ofensa!

Não serão os meditativos ou aqueles que simplesmente ficam a ver, os que terão uma mensagem de esperança para a nossa sociedade? É interessante observar que as práticas budistas que, muito resumidamente, são a arte de não pensar, se expandam cada vez mais no Ocidente, quando mais se pensa e se faz. Imagina que, nas grandes empresas, as responsáveis pela manutenção da máquina do fazer constante, é onde estas práticas são postas em prática, em “oferta” para os seus trabalhadores. Meditação Zen, Mindfullness, Yoga, Qi Chong, para depois continuar a produzir. A fazer, fazer, fazer. Porque só existes quando fazes. E quando não fazes, dizes que não fazes e pões uma foto nas redes sociais. Decerto, para continuares a existir, esperas o feedback dos que te vêem e colocas uns likes nos que, como tu, também “não fazem”.

Lembro-me de uma situação caricata que me ocorreu há uns tempos. Alguém se apressava em gestos rápidos e dizia que estava com pressa. “Com pressa para quê?”, perguntava-lhe a sua companheira. “Para ir meditar”, respondia-lhe aos soluços. O que parece ser uma situação de humor, não é menos que uma das contradições em que a sociedade funda as suas bases.

Enfim, caro desconhecido, afinal que melhor prática de meditação conheces que esta de encher a boca e dizer. Não faço nada. Nichts. Niente.

O tal desconhecido, que entretanto me parece ouvir até os pensamentos, dissimula um olhar para o relógio, que reclama a falta de tempo. A falta de tempo é copiosamente proporcional ao preço e à grandeza dos relógios. Desengane-se, conquanto, quem pensa que se ele se vai embora. Não sei se por mera consideração pela minha pessoa (coisas da vida, às vezes somos considerados por rostos enublados da nossa memória), ou porque o que eu lhe digo lhe faz despoletar uma luta interna contra a obrigatoriedade da rotina, dá um trago final no seu café e responde-me:

Chama-se Il dolce far niente, expressão italiana, que traduz muito bem o que deveria ser nada fazer. E diz que é doce – complementa.

Pois então que o bebamos neste café. - Respondo-lhe mais convicto do que esperava responder.


E ali ficamos. Sem mais que fazer. Chega a minha boleia, ele coloca a cadeira no lugar e, por gentileza, depois de num aperto de mão amistoso, dirige-se para pagar a conta. Continuo sem saber quem é. Não me lembro do seu nome. Olha, caro desconhecido, dedico-te este texto, que é a forma melhor que tenho de agradecer estes pequenos nadas da vida.

A PROCESSION OF PROCESSIONS

CAROLINA CORDEIRO
Think of us as a merry group of party crashers. All around the islands, one cannot escape the felling of celebrating something, somehow, somewhere in any given weekend. It’s all about celebrating. And, considering our history, we do have a bit of things to be grateful for. 

Since a couple of centuries back, we have had a long line of disasters happening all around us, whether they are from the core of the earth or from the up and above skies, or even from all the fronts of our beloved Atlantic Ocean, we have come to terms that, in some way, we will get hit by Nature and we have to celebrate the fact that we are capable of overcoming our own personal or our regional’s resilience.

Naturally, I cannot run from the fact that most of these celebrations are from a religious background. Azorean people are a really religious, God abiding people and we come with all these traditions and notions intricate in our system — even those, like me, that do not profess it. But our traditions have taken a toll. When you consider the fact that our younger generations are just religious for the sake of celebrating it as a common backyard or a fraternity party, one realises that they are celebrating the traditions not because of what they have stand throughout the times but for some other peculiar reason, the feeling of celebration gets lost. It’s just an ordinary thing. 

I will not dwell on the ‘who is right and who is wrong’ thing. But, the fact is, even though I, myself, am not a religious person, I get along with some traditions due to family ties. I use those moments as a time to celebrate the get together and the enjoyment we experience with each other’s company in the troubled days we are living, all around the world. My generation has never gotten that “carpe diem” sense as we having now. So, no matter who is right or wrong, the fact, you may say, is a consequence of our fast and progressive live. It is what other generations have said in the past: each generation will lose and gain things from the previous and for the next. I understand that. But the nostalgia of looking into a procession and everyone would take care not only on their apparel but on their position within the walking, the proud and commitment sense of being part of a community celebration, the “being” there is no longer, I feel. When you are doing the procession and you are carrying our cell phone and radio gadgets to be connected to Facebook or to the football match that is on, you have lost it all. And, again, I’m not religious — imagine if I were… 

Throughout our islands, every civil parish is celebrating its patron. Along with that comes the cleaning of your house, the trimming of your garden, the preparations for the Sunday lunch (usually with lots of food, drinks and deserts), the putting up the flag(s) on your doorstep and the going and comings of chopping down some cedar tree branches and a lot of hydrangeas for the flower street carpet. While growing up, those where the things that made me conscious of these festivities and almost nothing compared to the all through the night smell of the stepped on flowers. Naturally, these days, we dye wood dust and sweep it, almost the second the procession is out of our house’s perimeter. But there are those that literally just put on the street a decent size carpet and some greenish to box it. It’s so easy and faster that when the saints go over and through it you just collect the carpet, shove it and it is ready for next year. So easy…

Year in, year out, these are the things we do. It’s a roll of celebrations, each on its owns terms and traditions; each traditions broken a bit more than before, but the picture remains the same: the islands live of a procession of processions and the new economics thank us for that.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

EM NOME DA HUMANIDADE: LIBERTE-SE!

TÂNIA AMADO
Imagine-se ser adorado pelo seu gato, realizado profissionalmente, dormir as horas necessárias, viajado, com uma boa casa, ser titular de recheadas contas bancárias, condutor de um barco e portador de um carro de sonho.

Imagine-se a chegar a casa, colocar as chaves à entrada, passar a mão na cabeça do gato que o recebe à porta; a entrar na cozinha e beber um copo de água; a abrir o frigorífico e encontrar: iogurtes, queijos, cervejas e fruta; a dirigir-se ao quarto e vestir a roupa desportiva, sem reparar nas mensagens no atendedor.

Imagine-se a sair de casa e, já a correr, a cruzar-se com os vizinhos que o acenam a sorrir enquanto devolve a cortesia. De corpo saudável, corte de cabelo moderno e uma fotografia de perfil emblemática em cada canal social onde é conhecido por ser o homem mais esperto por nunca se ter entregue à rasteira matrimonial. Quando volta a casa troca de roupa e vai ao bar da esquina comer qualquer coisa, onde o recebem com grandes elogios e a mesa posta.

Imagine-se a voltar para casa, acompanhado com alguém que dá conta que pode descansar um pouco ao seu lado mesmo sem saber o seu último nome.

E os dias continuam assim: às vezes sai e diverte-se, outras fica pelo jardim na janela da internet.

Com o tempo percebe-se de que a casa continua vazia, as mensagens continuam a serem o mesmo tipo de convites para fazer mais do mesmo e com pessoas que mal sabem, ou se interessam, verdadeiramente quem é.

Imagine-se a ser convidado para uma festa de uma família singela, onde existem debates de ideias, distribuição de tarefas, divisão de gastos, crianças, cão e gatos. Observa que quando eles se chateiam tratam-se pelo primeiro e segundo nome. Falam dos seus dias, desabafam os medos e riem de banalidades. Os miúdos jogam à bola enquanto os adultos grelham os espetos. Uns comem peixe, outros carne e ainda há quem fique apenas pelos verdes. Era um lindo sábado e, por isso, terminam de madrugada à volta da mesa de jardim a olhar a lua. As crianças voltam para casa com a roupa suja, os adolescentes de cabelos despenteados, os adultos contentes de tantas conversas trocadas.

Imagine-se a achegar a sua casa abrir o seu diário e escrever: "aos 55 anos e descobri que não valeu de nada tanta indecisão, insegurança e medo. A indecisão de me apaixonar. A insegurança de não poder vir fazer o que quero. O medo de não poder voltar a andar em casa nu ou de voltar a sofrer desapaixonado. Jamais tinha pensado que entre nascer, e morrer, sozinho é o intervalo para andar acompanhado. Hoje não há homem que reclame da família que não inveje só por não ser eu."

BAFATÁ – A CIDADE MÃE DO PAI DA NAÇÃO

CRÓNICA DE JOANA BENZINHO
Foi em Bafatá, a cerca de duas horas de Bissau que nasceu Amílcar Cabral, fruto da “transumância” do seu pai, professor primário de origem cabo-verdiana casado com uma guineense, e que veio aqui parar depois de uma passagem pelo ensino em Cacine, Buba e Bambadinca.

Esta cidade que é também capital de região, encontra-se em avançado estado de degradação, pelo menos na baixa da cidade, parte antiga e do tempo colonial, com os edifícios abandonados, maior parte deles não passando de uma ruina a dar um pré aviso de derrocada quando menos se esperar e que não deixa de nos chocar à vista.

A cidade hoje cresceu e refez-se nas franjas da estrada que segue até Gabú, com muitos pontos de venda de tudo e mails alguma coisa a bordar um lado e outro do alcatrão. Alargou-se também para aquela que em tempos foi a pista do aeroporto da cidade, hoje cheia de casas e quintais.

Mas, apesar de tudo, vale a pena um desvio para a cidade antiga, junto do rio Geba. Ao lado do antigo porto encontramos o mercado central, uma construção de estilo neo-árabe, nesta região essencialmente habitada por mandigas e fulas, etnias muçulmanas por excelência, e que diariamente ainda acolhe vendedoras de fresco, carne e peixe, apesar de grande parte do comércio se concentrar hoje na zona alta da cidade. No largo em frente ao Mercado um busto de Amílcar Cabral assinala as suas origens e homenageia este filho da terra.

A rua que nos leva à casa de Amílcar Cabral é um amontoado de edifícios de construção colonial em avançado estado de degradação e completamente votados ao abandono. Percebe-se que ali houve vida, passaram com certeza por ali muitas histórias e muitas estórias, quando vislumbramos o que resta das placas publicitárias de lojas e armazéns ou a ruina do cinema, quem sabe à espera de uma chuva mais forte que leve ao seu desmoronamento. O pouco movimento ainda existente nesta antiga avenida comercial e centro nevrálgico da cidade de outrora deve-se à esquadra da polícia aqui a funcionar e a um ou outro habitante mais teimoso, que ousou manter-se por aqui, apesar de

A Casa onde nasceu e viveu Amílcar Cabral, é hoje um museu depois de ter sofrido obras de recuperação em 2011 com o apoio da UNESCO. Aqui encontramos alguns bens pessoais da família e uma exposição evocativa da vida do histórico fundador do PAIGC e a mais importante personalidade da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Apesar da recuperação ter sido recente a casa acusa graves problemas de deterioração, convidando a uma intervenção sem grandes delongas de forma a poder preservar-se este património histórico de importância maior para o país.

Nas artérias secundárias, mais casario em avançado estado de destruição enche-nos a vista e, mesmo em tempo seco, constitui uma verdadeira aventura percorrer aquelas estradas de carro, tal a dimensão dos buracos que as caracterizam.

Mas voltando ao porto, a paisagem é de cortar a respiração, com tanto verde a rodear a cidade e a graciosidade do rio Geba a banhar a parte baixa de Bafatá, junto a um jardim hoje ao abandono mas que outrora deve ter sido poiso de muitas das brincadeiras das crianças da cidade. Apesar da melancolia provocada por contacto visual com a degradação, esta cidade fantasma guarda com a dignidade possível os resquícios da beleza de um passado não muito distante.

A visita a Bafatá não pode terminar sem uma passagem pelo “Ponto de Encontro”, para dois dedos de conversa com a Dona Célia e o Senhor Dinis, portugueses radicados na Guiné desde a sua juventude e que hoje só a cor da pele os trai, pois numa primeira abordagem ninguém diria não serem guineenses. Uma história de verdadeiro amor entre eles e pelo ao país que os acolheu, delicia quem com eles se cruza. Seja sobre a Guiné colonial, pós colonial ou pós guerra do 8 de Junho, este casal fala-nos como poucos do que foi e no que se tornou esta cidade. Sempre com um sorriso nos lábios, uma piada fácil pronta a sair, numa cumplicidade vivida a dois como se um só ali estivesse a falar connosco. Mas ali não encontramos só verbo fácil. No Ponto de Encontro, independentemente da hora a que se chegue, há sempre uma galinha da terra para uma cafriela, uns ovos para uma omelete, uma baguete para enganar a fome de quem ali entra. Em tempos estiveram na parte antiga da cidade mas com a evolução da própria cidade, mudaram-se para a via que liga Bissau a Gabú e onde tudo se passa nos dias de hoje.



Deixando para trás Bafatá e este casal adorável com a barriga já bem aconchegada, mergulhamos num vale com uma ponte rodeada de bolanhas de um verde vivo salpicadas pelo colorido das vestes das mulheres que por ali trabalham. E com esta imagem tão africana gravada na memória, fica sem dúvida alguma a vontade de voltar a Bafatá, cidade berço do país, tão cheia de história e de memórias.

domingo, 13 de agosto de 2017

BOAS FÉRIAS, COM CULTURA

Continuo imaginando não ser cego; continuo comprando livros; continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 da Enciclopédia Brokhaus. Senti sua presença em minha casa - eu a senti como uma espécie de felicidade. Ali estavam os vinte e tantos volumes com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver. E, no entanto, o livro estava ali. Eu sentia como que uma gravitação amistosa partindo do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade de que dispomos, nós, os homens.
Jorge Luis Borges


ANABELA BORGES
DR
Chegando as férias e o lazer, chega também mais tempo para ler. É o que eu costumo dizer aos meus alunos. Eu digo-lhes: “leiam todos os dias um pouco; leiam antes de ir dormir; leiam sempre que possam, mas leiam sobretudo nas férias”.

Desde muito cedo, eu transmito o gosto pela leitura às minhas filhas, desde a sua estada buliçosa e inquietante no meu ventre, já que sempre tive o hábito de ler em voz alta. Hoje, elas lêem muito. A mais nova tem treze anos e disse-me: “Mãe, quero levar mil livros para ler na praia. Eu vou ler mesmo muito, quero melhorar o meu vocabulário”. E o meu orgulho de mãe sobe, sobe até às estelas, sempre sem parar. 

É claro que sobressai a hipérbole da questão, mas os meus desejos aspiram a que as minhas filhas aprendam mil ou mais palavras, de entre o emaranhado de letras sem fim que se solta dos livros que hão-de ler. E depois mais mil e outras mil ainda, ou mais.

Quando elas eram pequeninas, pediam frequentemente para ir à biblioteca. E eram horas arrastadas em tardes inteiras, sem ponteiros nem relógios, palavras apenas e conhecimento.   

Cada vez mais, as bibliotecas são vistas como espaços de conhecimento e não como depósitos de informação, pois não basta tê-la (a informação), é mesmo necessário aprender a transformá-la em conhecimento. Ter acesso aos serviços de uma biblioteca é um processo que se deve formalizar desde a mais tenra idade, por forma a cimentar a aprendizagem ao longo da vida.

É, por isso, importante que os utilizadores aprendam a usufruir de modo inteligente e rentável da informação disponível nas bibliotecas.

As bibliotecas, florestas de conhecimento, erguem-se como espaços sociais, locais onde convivem pessoas de diferentes graus académicos, diversas escolaridades, pertencentes a uma variada tipologia de profissionais, faixas etárias, níveis económicos e sociais. Assim, as bibliotecas são espaços privilegiados para os utilizadores tirarem o máximo partido num sentido construtivo, dando especial destaque ao desenvolvimento das literacias e à capacidade de aprendizagem ao longo da vida, como formas de adaptação às mudanças emergentes na sociedade atual.

Eu não consigo imaginar muitos espaços tão aprazíveis e enriquecedores como as bibliotecas. O Borges dizia que imaginava o paraíso como uma grande biblioteca. Eu também. Quando entro numa biblioteca, sinto as brisas e aragens dos enredos que as compõem. Parece que vêm a mim gerações de gentes que por lá passaram, juntamente com as múltiplas ficções e o conhecimento acumulado nas estantes e nos arquivos. 

Assim foi, por exemplo, no fim-de-semana passado quando visitei a Biblioteca Joanina, na Universidade de Coimbra.

Eu também já pus de parte os livros que quero ler na praia. É um lote grande, para juntar às mil, mais mil, mais mil palavras das minhas filhas. Levamos uma mala de livros para as férias, vidas inteiras em palavras, conhecimento em construção.

É essa fé que eu tenho: que, mesmo que seja lentamente, mesmo que seja palavra a palavra, se vá fortalecendo o conhecimento e não apenas nos limitemos a acumular informação. E talvez assim, por meio das florestas de livros, por meio de palavras, dos seus gritos e das lições de silêncio que podemos retirar delas, estejamos a assistir a uma gradual mudança de mentalidade da sociedade em geral. É preciso acreditar.


Boas férias e boas leituras!

NADA É POR ACASO

CARLA SOUSA
Por vezes andamos tão imbuídos no ritmo intenso da vida: trabalhar, ter sucesso, competir, pagar as contas, lidar com os outros, cuidar dos outros, e, por fim, cuidar de nós.

Nem sempre conseguimos sentir prazer ou felicidade. Vive-se mais o sob o pensamento do “tem de ser”, “tem de ser feito” e, nem sempre conseguimos fazer o que gostamos ou tirar prazer do que fazemos.

De vez em quando é importante reavaliar o que estamos a fazer com a nossa vida. Entramos demasiadas vezes no modo “piloto automático” e acabamos por deixar de dar valor ao que temos. Lutamos muito para ter isto ou aquilo e, depois pouco ou nada valorizamos. Falo de bens materiais e não só, pois isto também se aplica às relações.

De repente, vemo-nos com consequências ou com situações que não estamos à espera e ouvimos a expressão “nada acontece por acaso”. Esta expressão popular existe desde que nascemos e, já com toda a certeza a reproduzimos para servir de consolo a uma nossa amiga, para opinar sobre um acontecimento ou até para nos acalmarmos.

No entanto, realmente “nada acontece por acaso”, e isto não é pelo destino mas sim pelo que somos capazes de construir. Por vezes é preciso “destruir” para depois podermos construir algo melhor e mais gratificante. “Destruir”, em sentido metafórico, é a capacidade de dizer que não, valorizar o que temos, saber o que queremos e, sobretudo, a capacidade de mudar e melhorar.

Não basta ficar num canto a desejar, sonhar ou a dizer mal da vida e, depois, no dia seguinte e, assim sucessivamente tudo continuar na mesma. Lute pelo que quer, afaste o que lhe faz mal e o faz-de-conta. Seja feliz.

Viver a vida como se fosse um castelo de cartas pode ser stressante, frustrante e angustiante. Vale a pena?!

MUDAM-SE OS TEMPOS

LÚCIA LOURENÇO GONÇALVES
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”… diz o ditado e com razão.

Há uns dias, ao “passear-me” por uns álbuns antigos dei por mim a recordar tempos idos… A dada altura deparei-me com uma foto na qual, acompanhada de uma amiga e após termos perdido um comboio, esperávamos calmamente pelo comboio seguinte, sem qualquer vestígio de aborrecimento nos rostos sorridentes. Claro, estar na casa dos vinte anos e sem obrigações familiares também ajudou, mas não só! Pelas nossas expressões devemos ter aproveitado para colocar “a conversa em dia”… A chegada a Resende? Essa deu-se um pouco mais tarde, apenas. Claro que poderíamos ter ido a uma cabine telefónica e avisado os meus pais, mas não havia esse hábito, o tempo e os passos dados não eram controlados a todo o instante. Vivia-se o momento, convivia-se, eramos gente a conviver com gente. Pessoas com alma… Pessoas, simplesmente!

À medida que se avançou e alargou horizontes, por exemplo com o avanço das redes móveis de comunicação, perdeu-se em espontaneidade, quase me atrevo a dizer, nalguns aspetos em qualidade de vida. Hoje há quem fique em estado de ansiedade se ficar incontactável, transformando a vida num controlo descontrolado.

Claro que também aderi às novas tecnologias, tornou-se quase obrigatório, mas não vivo “escrava” delas. Muitas vezes dou por mim na rua tendo deixado o telemóvel em casa. A única preocupação? As horas! Perdi o hábito de usar relógio, logo preciso do telemóvel para me orientar no tempo cronológico, não para estar constantemente contactável!

Com os meus filhos passou-se o mesmo, por decisão familiar, tiverem o seu primeiro telemóvel quando passaram a frequentar o 5º ano e porque deixaram de frequentar o CATL e passaram a ir para casa após as aulas. Tinham dez anos! Mas foram instruídos a ligarem apenas em caso de urgência e, como é evidente, um caso urgente é algo que sai dos padrões ou planos estabelecidos por cada família, afinal a ideia não foi controlar os seus passos.

E os assuntos do dia continuaram a ser conversados há hora do jantar, transformando este momento do dia num encontro de experiências… Contudo, entendo que cada família, cada pessoa, organize a sua vida da forma que mais lhe convém e melhor se adapte às suas necessidades. Eu prefiro que os meus filhos sintam a liberdade de não precisar dar-me conta de todos os passos no momento que estão a acontecer. Prefiro ouvir as suas aventuras, ou desventuras, olhando bem nos seus rostinhos. É bem mais interessante e pessoal!

AZEDUME

MIGUEL GOMES
As tardes de Verão tiveram quase sempre, no meu imaginário, três ou quatro bandas sonoras, monótonas, taciturnas e muito pouco animadoras. Hoje não é excepção. A sirene dos bombeiros lamenta-se arrastadamente, fecho os estores e imagino que seja noite, com a sua longa túnica pontilhada aqui e ali com tremeluzentes pontos, longos, inimagináveis distâncias de tempos em que eu, deduzo, fosse um outro qualquer aglomerado de átomos, uma abundância relativa noutras percentagens, um isótopo ou apenas e só o pontilhado feliz e errante dos electrões que surgem e desaparecem nos diferentes níveis de energia. Ouço os carros zunirem, alternamente, novamente, a sirene dos bombeiros brame na quente tarde enquanto alguém se queixa do barulho,

- há quem tenha crianças para dormir

Sacudo a cabeça, antes fosse noite e todas as vozes que não chegam ao céu se calassem por momentos, se cingissem ao gutural arrastado de um ronco que sai da cavernosa reentrância para o vazio, que é a boca de quem protesta.

- não se pode com este cheiro a fumo nas casas

Ouço por entre o barulho do longo tapete castanho com riscas cor-de-laranja, ondulando ao sabor da jugular força de braços, a maré de pó que se esbate na praia das janelas dos pisos inferiores. Não, não se pode com o fumo. Acredito que o lamentar se deva ao cheiro que se incrusta nas narinas e não, nem por um momento, pelas assustadas aves afugentadas pelo fumo, os coelhos e lebres, os raros esquilos, os inusitados texugos que não acreditam ter visto, as fogueadas raposas e toda a bicharada alada, corredora ou rastejante, fugindo para proteger o pelo, a pele, a quitina.

- esta nortada, dá cabo da praia e das férias, que nojo

E claro, o enjoado opinar dever-se-á, tampouco, pela necessidade de dobrar o guarda-sol, escarrar e abafar duas ou três beatas na areia acompanhadas pela garrafa de cerveja, deixar para trás o pau do gelado ou o brinquedo que saiu no HappyMeal. Nunca seria preocupação pelo alimentar das labaredas que continuam sem dar descanso a centenas de homens e mulheres, enfarruscados, com o cansaço a gotejar nas faces.

- às tantas são eles que chegam o lume para ganhar uns trocos

E nada me surpreende mais depois disto. Rio num esgar de escárnio e divirto-me a imaginar os seus próprios umbigos como um sepulcral buraco negro para onde escorre toda a estupidez que exala dos pensamentos em forma de opiniões.

- não se pode com o que escreves

E nada mais do que fazendo a vontade a quem se habitua a ser parede, continuo a azedar-me e fico-me por aqui. Um dia deslevedo-me, volto a ser cereal e daí ao suor da mão de um agricultor bastará um fino cordão de prata para voltar ao local de onde não deveria ter saído.

sábado, 12 de agosto de 2017

COMO PLANEAR AS FÉRIAS DO SEU PATUDO

SUSANA FERREIRA
Em tempo de férias é importante relembrar que as férias dos patudos também devem ser programadas com antecedência caso não haja hipótese de acompanharem os donos. Existem já diversos hotéis caninos e felinos, para vários preços e com serviços variados, que na altura do verão se encontram lotados. Existem também serviços de Pet-sitting e cuidados ao domicílio, mas com menos oferta. E para alguns sortudos um familiar, amigo ou vizinho prestável que vai cuidar do patudo a casa. Existem já várias possibilidades portanto já não tem desculpa para abandonar o seu animal, até porque quando o adquiriu assumiu um compromisso, que infelizmente para muitas pessoas se quebra rapidamente, refletindo-se no elevado abandono nesta época do ano.

Para deixar o seu animal num hotel é necessário ter o plano vacinal completo bem como a vacina da tosse do canil, desparasitação interna e externa em dia. Deve levar a ração que o animal está habituado e os brinquedos dele, bem como a manta ou caminha para que sinta menos ansiedade por separação. No caso dos gatos o ideal é ficarem na sua casa e ser feito serviço de pet-sitting (quer por familiares, amigos, vizinhos ou mesmo profissionais).

No caso de levar o seu animal de estimação consigo para as férias, existem questões legais no transporte de animais em automóveis, que devem ter em conta. Transporte de animais nos assentos do automóvel apenas permitido com trela/peitoral de segurança ou em transportadoras próprias, nunca soltos dentro do veículo. Transporte de animais na mala do veículo apenas permitida em veículos que possuam a rede de proteção na mala. Se o animal nausear ou detestar andar de carro existem medidas preventivas que o seu Médico Veterinário lhe poderá prescrever, informe-se antes de viajar. É muito importante levar ração suficiente para as férias, pois pode não encontrar a ração habitual no sitio de destino e provocar alterações gastrointestinais graves no animal. Realizar a desparasitação interna e externa de acordo com a região de destino, pois os parasitas endémicos variam de região para região, de acordo com o clima. Caso o seu animal tenha alguma patologia crónica não esquecer de levar medicação suficiente e ter sempre à mão o contacto do seu Médico Veterinário habitual que poderá aconselha-lo ou mesmo indicar um colega da região caso seja necessário.

Muita atenção às horas de maior calor, o pavimento apresenta temperaturas elevadissimas, pelo que se andar sobre estas superfícies com o seu animal ele irá queimar as almofadinhas plantares. Passear apenas de manhã, final do dia ou noite. Muito importante disponibilizar água fresca ao seu animal durante todo o dia.

Aqui ficam algumas dicas para quem ainda vai de férias e mais uma vez faço um apelo não se esqueçam que eles fazem parte da família e eles nunca nos abandonariam. Abandono é crime e pode ser punido, antes de o fazer veja outras alternativas. 

NO ARCO DA PONTE

A. PATRÍCIO
O Tâmega é...

O nevoeiro cobria o rio mas, nem por isso, lhe subtraía a beleza. Quer queiramos quer não, a beleza natural, seja do que for, é perene, inigualável e, por mais que o tempo passe e sobre ela exerça a sua influência não a macula, muito pelo contrário, acrescenta-lhe magia, dá-lhe autenticidade.

A beleza deste rio é poema de rima incerta, onde o autor, com palavras sopiadas por Deus descreve, sujeito aos condicionalismos humanos, o melhor que sabe e sente – amor, paixão, romance, sentimento, carácter – sem nunca questionar a sua origem e o seu ocaso.

À imagem de Deus, não há palavras para o definir e caracterizar. O rio Tâmega é e, se a recordação nos leva a sentir saudade não é propriamente do rio ou da sua beleza – o rio é futuro – mas sim, dos momentos passados na sua companhia, sempre diferentes, usufruindo da sombra das suas árvores, da paz do seu silêncio, da frescura dos seus relvados, da harmonia dos cantares trinados dos rouxinóis ou do coaxar das suas rãs; da calmaria das suas margens e da elegância das suas guigas no sulcar amancebado das águas.

DR FILIPE SOARES
Meu rio, quão me fazes feliz e quão me sinto perdido quando não te vejo ou sinto a tua presença, levado pela azáfama de uma vida cheia e, por vezes, incompreendida pelo vulgar sentimento e dificuldade de discernimento de uns tantos acolchoados de fátuas ânsias, cegos por promessas efémeras e surdos pelo burburinho da cidade...

Meu rio, conselheiro sábio e despojado de interesses, como te fito abandonado e votado ao esquecimento; como te vejo ansioso quando és vilipendiado por gente sem escrúpulos; como te oiço gritando por ajuda e como sofro, com ranger de dentes, por não ter poderes para te socorrer; como te sinto lutador, quase exangue, em tempos de Estio, a respirar com dificuldade; como és sofredor quando, sem qualquer pejo, te tornas sepultura dos teus nados. 

As tuas águas, ora calmas e remansosas, ora turbulentas e agrestes guardam histórias e estórias de valor e de valores, sem que alguém as saiba ou queira guardar ou resguardar para um tempo e de um tempo de preservação da memória.

Os teus açudes respingam lágrimas de épocas em que guiavam as águas para fazer pão e sujeitavam rodas e mós a uma cadência que dava indolência e ajudava a embalar cestos e canastras onde, em sono angelical, repousavam os filhos daqueles que sabiam os teus segredos.

DR SÓNIA BASTOS

A aragem, como uma meiguice, faz borbulhar a tua face e, num murmúrio quase imperceptível, troca contigo juras de amor copiadas pelos pares de namorados que, todos os dias, palmilham as tuas margens, bebem a tua paz e descansam à sombra dos amieiros e salgueiros. 

A névoa continua sobre o rio e, neste espírito, guardo as ideias e os conselhos que o silêncio partilha e só aqueles nados nas tuas margens entendem e gratuitamente partilham.

O Tâmega é ontem, hoje e amanhã e, como tudo que é eterno, é passado, presente e futuro. É intemporal e único e a saudade, que se evapora das suas águas, é a responsável por toda esta neblina incapaz de o ofuscar por serem eflúvios da sua beleza.

Amemos o rio como parte integrante do nosso corpo pois, só assim, seremos capazes de o respeitar e honrar e, como cidadãos livres, merecedores dos seus pergaminhos. 


(Por opção, o autor escreve de acordo com a antiga ortografia) 
Publicado em “ O Jornal de Amarante” em 28/Março/2013

COMO MELHORAR A PERFORMANCE DO ATLETA

ANTONIETA DIAS
A dieta do atleta deve ser equilibrada, permite otimizar o desempenho.

Algumas recomendações são necessárias para evitar erros alimentares.

As refeições devem ser realizadas cerca de 3 a 4 horas antes da prática desportiva para permitirem a digestão dos alimentos sem que os atletas fiquem com a sensação de distensão gástrica e para impedirem o desconforto de um rendimento desadequado provocado pelas perturbações alimentares.

As refeições devem ser facilmente digeríveis, ricas em carbohidratos e com pouca quantidade de proteínas e gorduras.

Todo o atleta deve ingerir no mínimo 2 litros de líquidos.

Recomenda-se a ingestão de 500 ml de líquidos duas horas antes dos exercícios, trinta minutos antes ingerir entre 250 a 500 ml e 250 ml durante a atividade desportiva.

Se estiver num ambiente de calor e se o seu desempenho exigir muito esforço, obrigará a fazer suplementos complementares para minimizar as perdas de água resultantes da libertação de água pelo suor.

Sempre que um atleta pratica modalidades que exijam fazer exercícios de alta intensidade devem enriquecer a dieta com carbo-hidratos na proporção de 5 a 10%.

Excluem-se as bebidas com frutose por serem indigestas

Chá, bebidas gaseificadas, café ou sumos de frutas estão contraindicados durante a atividade física.

Uma alimentação rica em carne, peixe, ovos, contem ácido aspártico, que ajuda a adquirir massa muscular.

Os usos de suplementos alimentares só são necessários se a alimentação não for rica e variada.

Se as refeições dos atletas tiverem todos os ingredientes de uma alimentação diversificada os suplementos são dispensáveis.

Importa contudo referir que se o gasto energético for intenso recomendam-se alguns suplementos que não devem ser confundidos com substâncias anabolizantes e devem ser sempre selecionados por um especialista em nutrição ou por um médico especialista em medicina desportiva.

As doses recomendadas implicam o conhecimento científico dos gastos energéticos adaptados à individualidade (sexo, faixa etária, carga de treino, numero de horas) de cada atleta e modalidade praticada.

Estes critérios têm que ser respeitados para se adequarem de forma equilibrada

Se os suplementos forem ingeridos em excesso podem provocar malefícios na saúde do atleta.

O rigor da sua utilização implica conhecimento.

Em caso algum os suplementos substituem as refeições adequadas e devem sempre acompanhar as refeições principais.

Quais as roupas mais convenientes param os atletas.

Não existem modelos exclusivos, é necessário adotar o vestuário ao ambiente, respeitando a temperatura do recinto onde se encontra, usando acessórios quando se justificarem.

Naturalmente que os tecidos param o fabrico do vestuário terão de ser feitas com tecidos que permitam o conforto e garantam proteção.

Ao falamos de desporto implica falar de alongamentos, por vezes esquecidos, mas são fundamentais para manter a flexibilidade do corpo, os quais devem ser executados antes e depois das atividades desenvolvidas, tendo em conta que aumentam a maleabilidade, beneficiam a coordenação motora, permitem o relaxamento, ativam a circulação, diminuem as tensões musculares, proporcionam o aquecimentos corporal, aumentam a capacidades nas atividades mais desgastantes.

Os alongamentos também exigem técnica na sua execução deve ser regulares, realizados lentamente e sem tensão muscular.

Os alongamentos pós – exercício devem ser mais prolongados no tempo que os que se fazem antes de iniciar a atividade desportiva.

Quantas horas são que os atletas necessitam de descansar por dia para manter a forma física, para melhorar a performance e para obter um maio rendimento desportivo.

Cada atleta deverá dormir entre 9 a doze horas por noite, para poder repor a energia gasta.

Os atletas que não cumprem estas recomendações tem mais lesões, que vão desde as fraturas de stress às fasciites sobretudo a plantar que é a que provoca mais dores no calcanhar.

O descanso adequado permite fazer a recuperação mental, neurológica e fisiológica aumentando a capacidade de desempenho, o vigor e a energia necessárias para a obtenção e recuperação da força e da massa muscular, sem os quais não se obtém o sucesso desportivo.

Em suma, praticar desporto é uma arte que só terá sucesso se for acompanhada pela técnica, tatica e ciência.



O fenómeno desportivo envolve atletas, treinadores, agentes desportivos, família, adeptos e profissionais especializados no acompanhamento e na orientação desportiva.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

APROVEITAR O VERÃO AO MÁXIMO

DIANA PEIXOTO
Praia pode também significar alimentação saudável se optarmos por alternativas frescas e nutritivas. Deixo-lhe algumas sugestões para aproveitar da melhor forma este verão:

▫️ Fruta – incluir qualquer tipo de fruta, mas idealmente aquelas com teor de água mais elevado, como a melancia, a meloa, o abacaxi, os morangos ou os pêssegos;
▫️ Legumes crus – palitos de cenoura ou pepino são uma opção excelente por serem alimentos nutritivos, com baixo valor energético e uma boa fonte de hidratação (podem acrescentar algo a estes alimentos, como húmus por exemplo);
▫️ Frutos secos – entre nozes, avelãs, castanhas do brasil, caju ou amêndoas, procure variar sem exagerar na quantidade;
▫️ Saladas em Frascos – variar, por exemplo, entre saladas ricas em hortícolas, que podem ainda incluir outros alimentos, como fruta, leguminosas, atum ou frutos secos;
▫️ Chips de maçã/pêra/batata doce – Se faz parte daquele grupo de pessoas que costumava comer batatas fritas e sente vontade em comer um snack salgado, nada melhor do que estas deliciosas chips de batata-doce; se por outro lado costuma comer bolachas doces, opte pelos chips de fruta.

MONOPÓLIOS E OLIGOPÓLIO: PERDEMOS TODOS

JOÃO RAMOS
Um estudo publicado pela universidade de Nova Iorque concluiu que o aumento da concentração e do poder de mercado das empresas contribui para a redução do investimento. Ao analisarem dois períodos históricos, os autores verificaram, que no início dos anos 2000, a redução de empresas têxteis, nos EUA (devido à concorrência asiática) provocou a diminuição do investimento. Em contrapartida, nos anos 90, o aumento do número de start-up´s tecnológicas ajudou a explicar o enorme aumento dos recursos aplicados pelas organizações do sector.

Numa altura, em que a Altice adquiriu a TVI, convém recordar os efeitos da concentração de mercado e do poder monopolista das companhias nos consumidores e na economia em geral. O sector das telecomunicações dos EUA é dominado por uma única empresa, o que implica que os americanos despendam mais de 65 biliões de dólares anuais, do que os Europeus, em servidos de pior qualidade. Para além desta atividade, existe ainda a banca, que sobre um processo de fusões e aquisições que podem lesar os interesses dos consumidores e deprimir a economia. Existe ainda o sector energético, com um pequeno grupo de empresas oligopolistas a dominarem o mercado, incluindo, a comercialização de combustíveis. 

Sabemos de antemão, que em Portugal a entidade reguladora não possui os recursos legais, humanos e financeiros para monitorizar eficientemente as atividades referidas, o que obriga, a que exista um trabalho à priori, no sentido de evitar que tal seja necessário, ao impedir determinadas fusões e aquisições.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

FÉRIAS, LAZER, LIVROS E BIBLIOTECAS

“Continuo imaginando não ser cego; continuo comprando livros; continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 da Enciclopédia Brokhaus. Senti sua presença em minha casa - eu senti-a como uma espécie de felicidade. Ali estavam os vinte e tantos volumes com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver. E, no entanto, o livro estava ali. Eu sentia como que uma gravitação amistosa partindo do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade de que dispomos, nós, os homens.”

Jorge Luis Borges


ANABELA BORGES
Chegando as férias e o lazer, chega também mais tempo para ler.

É o que eu costumo dizer aos meus alunos. Eu digo-lhes: “leiam todos os dias um pouco; leiam antes de ir dormir; leiam sempre que possam, mas leiam sobretudo nas férias”.

Desde muito cedo, eu transmito o gosto pela leitura às minhas filhas, desde a sua estada buliçosa e inquietante no meu ventre, já que sempre tive o hábito de ler em voz alta. Hoje, elas lêem muito. A mais nova disse-me: “Mãe, quero levar mil livros para ler na praia. Eu vou ler mesmo muito, quero melhorar o meu vocabulário”. E o meu orgulho de mãe sobe, sobe até às estelas, sempre sem parar. É claro que sobressai a hipérbole da questão, mas os meus desejos aspiram a que as minhas filhas aprendam mil ou mais palavras, de entre o emaranhado de letras sem fim que se solta dos livros que hão-de ler. E depois mais mil e outras mil ainda, ou mais.

Quando elas eram pequeninas, pediam frequentemente para ir à biblioteca. E eram horas arrastadas em tardes inteiras, sem ponteiros nem relógios, palavras apenas e conhecimento. 

Cada vez mais, as bibliotecas são vistas como espaços de conhecimento e não como depósitos de informação, pois não basta tê-la (a informação), é mesmo necessário aprender a transformá-la em conhecimento. Ter acesso aos serviços de uma biblioteca é um processo que se deve formalizar desde a mais tenra idade, por forma a cimentar a aprendizagem ao longo da vida.

É, por isso, importante que os utilizadores aprendam a usufruir de modo inteligente e rentável da informação disponível nas bibliotecas.

As bibliotecas, florestas de conhecimento, erguem-se como espaços sociais, locais onde convivem pessoas de diferentes graus académicos, diversas escolaridades, pertencentes a uma variada tipologia de profissionais, faixas etárias, níveis económicos e sociais. Assim, as bibliotecas são espaços privilegiados para os utilizadores tirarem o máximo partido num sentido construtivo, dando especial destaque ao desenvolvimento das literacias e à capacidade de aprendizagem ao longo da vida, como formas de adaptação às mudanças emergentes na sociedade atual.

Eu não consigo imaginar muitos espaços tão aprazíveis e enriquecedores como as bibliotecas. O Borges dizia que imaginava o paraíso como uma grande biblioteca. Eu também. Quando entro numa biblioteca, sinto as brisas e aragens dos enredos que as compõem. Parece que vêm a mim gerações de gentes que por lá passaram, juntamente com as múltiplas ficções e o conhecimento acumulado nas estantes e nos arquivos. Assim foi, por exemplo, no fim-de-semana passado quando visitei a Biblioteca Joanina, na Universidade de Coimbra.

Eu também já pus de parte os livros que quero ler na praia. É um lote grande, para juntar às mil, mais mil, mais mil palavras das minhas filhas. Levamos uma mala de livros para as férias, vidas inteiras em palavras, conhecimento em construção.

É essa fé que eu tenho: que, mesmo que seja lentamente, mesmo que seja palavra a palavra, se vá fortalecendo o conhecimento e não apenas nos limitemos a acumular informação. E talvez assim, por meio das florestas de livros, por meio de palavras, dos seus gritos e das lições de silêncio que podemos retirar delas, estejamos a assistir a uma gradual mudança de mentalidade da sociedade em geral. É preciso acreditar.

Boas férias e boas leituras!