sexta-feira, 14 de julho de 2017

PAI, DEIXA-ME JOGAR À BOLA!

MIGUEL NOVAIS
Tenho uma visão privilegiada em campo, mas ter o poder de conseguir ver tudo faz com que o nosso olhar, inevitavelmente, se foque em aspetos menos bons do Futebol. Falo-vos de Futebol, de Futebol de formação que infelizmente tende a não formar (pelo menos corretamente!) em todos os cantos do país. Mas como queremos formar bem, se cada um pensa à sua maneira? E se o filho, em frações de segundos, tiver de escolher entre o que o pai lhe diz ou o que o seu treinador lhe pediu? Aos meus olhos, estamos perante a síndrome do Pai de atleta.

Eu continuarei suspeito na minha análise porque sou apenas o treinador. Não compreendo, na sua totalidade, o amor que um pai tem por um filho e o quão bem lhe deseja. Mas será que o bem é intervir (diretamente) em tudo o que o miúdo faz? Gritar na bancada a cada toque na bola: “Vai filho, passa! Finta, agora chuta… Não vás tanto para o meio! Fica ao lado da baliza!”? É que se der resultado, aproveito para alertar o quão positivo poderá ser ir também às escolas, mesmo ao lado da porta da sala de Matemática, relembrar os seus filhos que utilizar a regra de 3 simples pode ser útil no cálculo de percentagens…

Mais concretamente a mim, treinador, custa-me ver a insegurança dos meus jogadores nas suas ações quando pressionados pela bancada. Nem sempre é fácil para eles, saber que o que o treinador lhes pede é o mais certo, muito mais quando os pais dizem o contrário. Eu defendo o meu trabalho, acredito no que faço. Custa-me ouvir certas palavras do exterior, mas eu tenho capacidade mental para isso, um menino de 11 anos não! Defendo um futebol de formação sem a necessidade constante de vitória. Quero formar campeões, mas campeões em todas as suas ações individuais, em todas as suas atitudes, na enorme vontade de evolução, no querer sempre mais e melhor, na disciplina e no compromisso. Estes são os verdadeiros campeões, não os que ficam com o caneco no final da época. Quero que os meus jogadores vejam o treino como um espaço sagrado de aprendizagem constante e que vejam o jogo como apenas mais uma oportunidade para impormos o que treinamos. Mas isto só funciona se existir entendimento entre as ideias de quem lidera o processo e as ideias de quem se encarrega pela educação dos atletas. Na minha modesta opinião, talvez os pais tenham que se informar mais um pouco daquilo que se tenta fazer em cada escola de formação, porque no jogo será mais fácil opinar porque é fácil idealizarmos uma coisa superior ao que os nossos olhos vêm. Mas atenção, eu não condeno todos os que falam, logo que seja um discurso motivador e positivo para o jogador. Alias, gosto quando valorizam o esforço dos meus atletas, quando aplaudem as suas ações. Mas para isso, não há necessidade de pressionar os meninos para a vitória ou para o golo nem há necessidade de apelar para o jogo individual porque acham que o vosso menino é o melhor. Preferia ver os meus jogadores a puderem crescer ao seu ritmo natural, uns mais rápidos que outros, mas com a convicção que podem todos chegar longe. A DIVERTIREM-SE enquanto fazem aquilo que mais gostam sem a pressão de serem os melhores do mundo!

Num país onde há uma boa formação de treinadores e com a certeza que criar formações também para os pais dos atletas seria dispendioso, não se pode simplesmente confiar no trabalho de quem está à frente no processo? Eu gostava que entendessem que o futebol de formação é mesmo um processo. Ninguém nasce jogador de futebol assim como ninguém nasce advogado. Existem, claro, miúdos que aprendem com maior facilidade, mas ainda é cedo. Quero que percebam que ainda é cedo! Não aparecem Ronaldos ou Messis com a frequência que vocês o dizem. Futebol é aprendizagem, trabalho, dedicação (tal como a escola) e só assim o talento consegue ser sustentado e usado. Sei que deve ser difícil quando os vossos filhos chegam tristes porque pensam que o mais justo era terem jogado mais em vez do colega. Como treinador, admito que erramos muitas vezes, mas antes de vocês pais pegarem no menino para ir com toda a razão do mundo, pedir todas as justificações ao indivíduo responsável pela não felicidade momentânea do vosso filho, pensem o quão a vida pode de ser injusta e tramada, no futuro, para o vosso menino. Pensam que os problemas de agora são pormenores amanhã, vocês sabem que são! Deixem ser eles a tratar do assunto, confiem que o vão fazer de uma maneira mais correta, porque no final de contas, foram educados por vocês.

Ao entrarem para o futebol, os vossos filhos entram parta uma escola de formação. É sabido que nem todos vão ter a oportunidade de serem jogadores de Futebol ao mais alto nível, mas se as vivências que levam do Futebol lhes oferecerem um sorriso no rosto e se os valores que por lá foram incutidos fizerem deles homens para a vida, haverá maior vitória que essa? Eu acho que não. Gosto de ver meninos de tenra idade, que mal conseguem correr sozinhos a começarem a dar os primeiros toques na bola. É contagiante a sua alegria. Eu garanto-vos, de fonte segura, que o próprio futebol com o passar dos anos vai-se encarregar de tirar essa alegria contagiante dos vossos filhos. Quando as coisas se tornam mais sérias e os problemas aparecem. Por isso, agora que são crianças, deixem-nos apenas jogar à bola. Confiem no trabalho dos treinadores, sentem-se na bancada, tenham o prazer de assistirem a mais um jogo dos vossos meninos e, quando gritarem, que seja para festejar o golo do VOSSO craque, do VOSSO Ronaldo.

1 comentário:

  1. Parabéns pela coragem. Como pai e tendo acompanhado a carreira do meu filho, nunca intervi no trabalho do mister, mas vi coisas que realmente não lembra a ninguém. A ti Miguel Novais digo com muito orgulho, que já és um CR7! Parabéns pela tua crónica.

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