domingo, 30 de abril de 2017

A CHUVA, SEMPRE A CHUVA

MIGUEL GOMES
Não pelo frio, que corre lá fora, mas pela memória de ver serpentear a espuma do café sob a negrura do líquido e dos dias, que me aquece as mãos em concha segurando a tigela. 

Não pelo calor, que deslizará a seu tempo pelas paredes exteriores e interiores de um mundo físico, onde cada sombra terá a certeza de sobreviver até nenhum sol mais nascer. 

Por onde, por que, porque, os dias e dias salpicados de cadências rítmicas que não soam, que não são. Há onde tu lá estás algum percalço que faça cair as estrelas quando tropeças nas etéreas obras que criaste? Tenho por fundo o fundo, apenas. Está para lá, onde as memórias se enaltecem do futuro que ajudaram a edificar, mas cujo fruto nunca puderam saborear. 

A cada passa um futuro, o potencial gravítico que me agarra ao planeta. 

Como o adoro. O planeta. O futuro. 

Terminarei ainda antes da música, mas mesmo que não tinam as pautas, mesmo que a filosofia me abandone e eu seja apenas um pensamento parado, a sonoridade encontrará a sua própria forma de, pelo frio, pelo calor, se traduzir na tremeluzida vela que dança ao sabor do nevoeiro que os nossos corpos, assim como a água quente do chuveiro, enevoaram. 

Arrefeço, corpo e alma, na esperança da vida pensar que adormeço e o sono se aproxime, chamando o sonho e, assim, eu o capture antes de adormecer e anote todos os segredos que me sussurrou em criança e reinvente a chuva. Hoje traz-me a memória do abraço, a ombreira da porta, os pingos que se volatizam quando em contacto com o corpo de um outro ser. A chuva, sempre a chuva, eu, sempre eu. O apagado semáforo que teima em sair do tricolor destino, a rua fechada e um trabalhador abrigado sobre as memórias de dias mais coloridos.

Olhos semicerrados, as gotículas aquosas de uma quimicidade que não se saber ser água. Água, sempre água. As costas encostadas ao húmido vestuário, um autocarro que passa prenhe de passageiros conduzidos pelo destino, o destino, sempre o destino.

Hoje chove, por mim, pelo caderno virtual que abro no deserto com vista para o nada, e por breves momentos, entre água e nevoeiro, juro ter visto um relâmpago e o troar de um trovão que parece chamar por mim. Trovadora, a Natureza canta-me ao ouvido o sussurro de um abrigo sob duas grandes pedras encavalitadas num equilíbrio eterno. Consegui chamar o frio, novamente, que teima em fugir por entre as minhas recordações de Inverno e de finais de tarde lá de meados de Setembro. 

Abriga-se no meu colo e no olhar aflito de uma dor que não se compreende, penosamente enfia o seu focinho afiado entre o meu braço e o tronco e deixa-se ficar, quase que adormecido, enquanto eu próprio também durmo na esperança de acordar e ver que o dia é ainda dia. 

Se nos teimarem ser Verão, também seremos, verão que das estações só as do comboio, mesmo que alienadas e despojadas sejam, permanecem inalteradas na paisagem, quem as não tem? Paisagens e estações? O frio escapa-se-me e segue, por aí, acalentando olhares de soslaio, sonhos de catraio, dois ou três pares de nuvens e um sorrio. São estas as minhas orações.

A CRIATURA MAQUIAVÉLICA

MOREIRA DA SILVA
Quando Nicolau Maquiavel, um estadista, historiador, diplomata, poeta e músico de origem florentina, escreveu em 1513 “O Príncipe”, provavelmente, nunca imaginou que viria a ser considerado, pelos críticos e historiadores, o fundador do pensamento e da ciência política moderna, pelo facto de ter escrito sobre o Estado e o governo, como realmente são e não como deveriam ser. Até foi criado o conceito de uma pessoa maquiavélica, criado a partir do seu nome, que significa aquela pessoa astuta, maldosa, que age sem escrúpulos, unicamente para atingir os seus fins.

Está provado que o pensamento de Maquiavel foi mal interpretado, como sintetiza a frase que ficou famosa, mas nunca foi escrita ou proferida por ele, que “os fins justificam os meios”. Na verdade, o que foi escrito por ele foi que “certos fins justificam certos meios”, como foi tratado no seu livro “O Príncipe”. E assim, se promoveu em seu nome, a política perpetuamente agressiva, a política como a arte do conflito. Erradamente!

Para Maquiavel, uma pessoa só faz o bem quando é forçada a isso, pois é essencialmente má e quer obter o máximo de proveitos a partir do menor esforço. O que ele pretendeu dizer com esta afirmação é que não se pode esperar o melhor das pessoas. Aliás, o que veio a afirmar mais tarde, em 1651, o matemático, filósofo e cientista político inglês, Thomas Hobbes, na sua obra “Leviatã”, para justificar as guerras desencadeadas pelas pessoas, que este autor considerava, naturalmente más.

A habilidade maquiavélica é considerada como a negação de toda a moral, mas infelizmente existem muitas pessoas com esta má-fé no mundo organizacional, mas essencialmente no mundo da política e na gestão da coisa pública, que deveria acarretar uma enorme responsabilidade acima do comum e uma dimensão ética superior. Estas pessoas nunca deveriam ser eleitas ou escolhidas para cargos públicos, pois são um atentado permanente à felicidade dos cidadãos.

A criatura maquiavélica, para além de ser traiçoeira é também uma viciada no sadomasoquismo, pois tem prazer em azucrinar os outros, tem imenso prazer em provocar o sofrimento nas outras pessoas. E procura incessantemente esta forma de vida, mesmo que para isso coloque na sua face o seu melhor sorriso falso e utilize, no seu quotidiano, a vestimenta das “falinhas mansas”, para melhor atrair os incautos que facilmente se deixam seduzir por semelhante falsidade.

Já é muito mau este tipo de criaturas na vida das pessoas, mas é muito mais perigoso quando se trata de pessoas que se propõem servir os seus semelhantes. É preciso muita atenção, pois a sua finalidade não é servir os outros, mas tão só servirem-se dos cargos para alimentarem a sua sede de desumanidade, de barbaridade, de crueldade. Enfim, de puro maquiavelismo!

As eleições são um palco privilegiado, para que a criatura maquiavélica saia do seu “casulo” e possa desfilar na “passerelle” da campanha eleitoral e apresentar um chorrilho de pérfidas propostas, como se fossem as melhores soluções para mudarem o futuro dos cidadãos. Simplesmente, com o intuito de fazerem com que as pessoas sejam ainda mais infelizes. Com a maior desfaçatez, mas também com a maior das hipocrisias!

sábado, 29 de abril de 2017

UM MUNDO ONDE AINDA NÃO CHEGOU O 25 ABRIL, NEM O 1º MAIO

TIAGO CORAIS
Estou a escrever este artigo entre duas datas que juntas significam A LIBERDADE E A DIGNIDADE HUMANA. Infelizmente em muitas zonas do globo os direitos conquistados com estas datas ainda são uma miragem para muitas pessoas e sendo assim, esta será uma boa oportunidade de partilhar convosco alguns dados sobre o Índice Global de Escravidão de 2016 (The Global Slavery Index 2016 - http://www.globalslaveryindex.org).

A vulnerabilidade à escravidão moderna, ou seja pessoas que poderão ser vítimas de tráfico de seres humanos, trabalho forçado, servidão por dívidas, casar à força, ou crianças vendidas e exploradas, é afectada por uma interação complexa de factores relacionados à presença ou ausência de protecção à segurança física, ao acesso às necessidades básicas de vida (como alimentos, água e saúde), fluxo de pessoas e conflitos. Guerras, desastres ecológicos, mudanças no poder politico, taxas de desemprego altas e enfraquecimento da justiça podem contribuir negativamente para que mais seres humanos entrem nestas redes que lhes roubem as suas próprias vidas. Por isso, acho que vale a pena estarmos sensiveis a esta temática.

O Índice Global de Escravidão mede 24 indicadores em quatro dimensões: 
1. Protecção civil e política 
2. Direitos sociais e económicos.
3. Segurança pessoal.
4. Populações de refugiados e conflitos.

Segundo valores estimados pelo Índice Global de Escravidão 2016 (The Global Slavery Index 2016: publicado pela Walk Free Foundation) existem no mundo cerca de 45.8 milhões de pessoas que vivem em alguma forma de escravidão moderna, 58% destas pessoas vivem em 5 países: Índia, China, Paquistão, Bangladesh e Uzbequistão. No entanto o país com maior proporção estimada de escravidão moderna é a Coreia do Norte, apesar de ser difícil a sua verificação, pois é um regime politico muito fechado. A Síria e o Iraque, representam 90% das pessoas deslocadas, 142.000 crianças naseceram no exílio, 750.000 crianças não andam nas escolas e num inquérito feito pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) em 2016 ao imigrantes Iraquianos 80% das respostas indicam que não sentem que exista futuros para eles. 

Na Europa e apesar de ter a menor prevalência regional de escravidão moderna é estimado que existem cerca de 1, 2 milhões de pessoas nesta situação, dos quais 65% das vítimas de tráfico são cidadãos da UE, originários da Roménia, Bulgária, Lituânia e da Eslováquia. O trabalho forçado e a exploração sexual são as formas de escravidão moderna mais frequentemente notificadas na Europa, apesar de na Turquia terem sido identificado o casamento forçado de crianças. No entanto, com o aumento maciço do fluxo de imigração e de refugiados o perfil das vítimas está a mudar e segundo um levantamento da Organização Internacional para as Migrações (OIM) os movimentos de imigrantes que se deslocam de zonas de conflito para a Europa estão em alto risco de exploração, sendo facilmente exploradas pelas redes criminosas europeias. Estima-se que 10.000 crianças registadas como refugiadas estão desaparecidas, cerca de 5.000 desaparecidas em Itália e 1.000 na Suécia. A Europol adverte que os gangues estão a atacar estas crianças para fins de exploração sexual, trabalho forçado na agricultura e em fábricas. É por isso, incrível quando ouvimos o debate público sobre os refugiados em especial sobre as crianças refugiadas e defenderem que não devemos fazer nada. É preciso alertar as consciências para os valores humanistas e como é perigoso para o Mundo o crescente apoio a partidos e políticos populistas com agendas contra os refugiados. Não podemos cair na ilusão, que a xenofobia e o egoísmo irão resolver este problema, pois acontecerá o contrários. Os novos ventos populistas só irão tornar o Mundo mais instável e desta forma agravarão a situação. 

Portugal segundo o relatório tem 12.800 pessoas a viverem em escravidão moderna, ou seja 0,123 % da sua população, mas o Governo Português está em sexto lugar como um dos países com mais medidas para erradicar esta “praga”. À sua frente só está a Holanda, Estados Unidos, Reino Unido, Suécia e Austrália. Um facto que nos deve orgulhar como Português, mas não nos podemos acomodar e estarmos com a nossas consciências tranquilas enquanto tivermos uma pessoa nesta situação no nosso País. 

Em Setembro de 2016, o Dinheiro Vivo e a SIC contavam a história como 80 portugueses estavam presos na Arábia Saudita, com ordenados atrasados e sem receber, com os vistos de residência caducados, não conseguem pedir o visto de saída, logo têm as suas vidas presas a processos burocráticos. Sinceramente nunca mais ouvi nada sobre este assunto e não sei se está resolvido mas espero que estes meus compatriotas já estejam em Portugal. Imigrar muitas vezes já tem um custo elevado e não pode representar perderem a liberdade e principalmente perderem as suas vidas.

Uma das boas notícias desde o último Índice de Escravidão Global, são as medidas criadas pelo governo dos Estados Unidos, com legislação que não será mais possível importar mercadorias feitas com trabalho forçado ou escravo para o país e no Reino Unido que legislou no sentido que todas as empresas com um volume de negócios de mais de £ 36 milhões, terão que informar os seus esforços para garantir que não estão a utilizar o trabalho escravo nas suas cadeias de abastecimento, ou seja, que não têm nas suas instalações nem fornecedores que explorem o ser humano. Exemplos estes que deveriam ser também adoptados pelo nosso governo. 

Por isso, para mim é inconcebível que em pleno século XXI, existam 45,8 milhões de pessoas no mundo sejam vítimas de escravidão moderna, e por isso é de salutar esta iniciativa da Walk Free Foundation que através da divulgação do Índice Global de Escravidão, cria pressão aos Governos no Mundo a criar leis que não permitam que empresas ganhem com este drama humanitário. Acho que como Cidadão do Mundo, também temos a obrigação de estarmos atentos a esta problemática e como consumidores sejamos também capazes de fazer a nossa parte para erradicar do Mundo qualquer forma de exploração do ser Humano. Vamos juntos fazer com que Abril e Maio seja uma conquista do Mundo.

CLAQUES E CLIQUES

JORGE NUNO
Está um dia bonito, apesar das nuvens. De pé, olho através dos vidros duplos. O trânsito na avenida é intenso, mas não o ouço. Os choupos oscilam ligeiramente e vão soltando o “algodão branco”, que se espalha e dança pelo ar por mais algumas semanas. Costuma representar alegria e espanto nas crianças e, supostamente, um incómodo nas pessoas com hipersensibilidade cutânea. Certamente poucos saberão (ou nem quererão saber) que há choupos machos e fêmeas, e que uns largam o “algodão” e outros o pólen, o tal que pode ser causador de alergias. Tenho consciência que a poluição urbana, gerada pelos veículos automóveis, afetará mais a saúde humana do que os níveis de pólen dos choupos nesta altura do ano, ou pior ainda, na ausência dos choupos, caso fossem abatidos a motosserra, como vem a acontecer. Creio que representa um dos muitos mitos urbanos, já que as pessoas nos meios rurais convivem bem com os choupos.

É visível o habitual movimento das “formiguinhas” humanas, na ciclovia, que usam este agradável espaço para fazer caminhadas, corridas individuais ou em pequenos grupos, tanto a pé como de bicicleta, para passear, levando os carrinhos de bebé ou os animais, ou simplesmente sentarem-se calmamente à sombra dos mesmos choupos. Por detrás, os campos de ténis, em terra batida, têm o habitual movimento, dando a sensação que alguns jovens estão a ter as primeiras aulas na modalidade. Olhando um pouco mais para trás dos campos, vejo alguns corajosos a dar umas braçadas numa das piscinas municipais exteriores, nesta tarde primaveril.

À mente vem-me o meu profundo gosto pelo desporto e a ideia de como o desporto pode ser salutar.

Neste ano, passei pela ponte 25 de abril, uns minutos antes de fechar ao trânsito rodoviário, para proporcionar a realização da “Meia Maratona de Lisboa”. Nalguns anos anteriores, tirei fotos que mostravam a dimensão desta iniciativa. Eram dezenas de milhares de participantes, a colorir totalmente esta enorme ponte; mais outras dezenas de milhares de espetadores, a assistir ao longo do traçado, e centenas de milhares a ver na TV. Soube do sucesso da segunda prova do circuito internacional – “Mundial Rallycross 2017” – em Montalegre, prova que se realiza em mais nove circuitos de países europeus e no Canadá e África do Sul. Eram esperados cerca de cem mil visitantes nesta aprazível vila da raia transmontana, o que me deixa muito agradado. A poluição sonora (do roncar dos motores) e a atmosférica (dos escapes), nada habitual por estas terras, ficaram completamente ofuscadas pelo entusiasmo, pelo que já se espera pelo evento do próximo ano. No início de setembro, volta ao Porto a “Red Bull Air Race World Championship”. É um evento mundial, que passa também por: Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos; San Diego e Indianápolis, EUA; Chiba, Japão; Budapeste, Hungria e Lausitz, Alemanha. Pela espetacularidade, atrai centenas de milhares de pessoas às margens do Douro, no Porto e Gaia. Estes três eventos desportivos, que movimentam multidões e muitos milhões, não deixam de ser um negócio, com riscos calculados, em que todos os envolvidos podem ganhar. Sinceramente, não vejo ninguém a querer, propositadamente, estragar o negócio. Neste último, apenas me lembro de ouvir acusações “bairristas” quando o evento passou de Lisboa para o Porto, por falta de financiamento autárquico.

Temos de reconhecer, definitivamente, que por estas bandas do planeta o futebol é mesmo considerado o “Desporto-Rei”. Até posso ouvir algumas pessoas dizer que não vão em “futebóis”, mas essas mesmas vi-as eufóricas quando a equipa de Portugal se sagrou campeã da Europa, em França! Sou apreciador e gosto de ver jogar bom futebol, independentemente de quem joga e do resultado final, quando não há trapaça. Detesto aquilo que estou a ver: claques organizadas, algumas ilegais, sustentadas pelas direções dos clubes designados “três grandes” [de Portugal], a fazer asneiras atrás de asneiras, impunemente, e num ou noutro caso com as direções, a demarcar-se… Aconteceu recentemente com a claque “Super Dragões”, num jogo de andebol entre o F. C. do Porto e S. L. Benfica, ao entoar “Quem me dera que o avião da Chapecoense fosse do Benfica”, ou a exercer pressão direta no café do pai de um conhecido árbitro de futebol, ou como claque não oficial de apoio à seleção nacional [de futebol], com Fernando Madureira a liderar, a entoar cânticos insultuosos ao S. L. Benfica no estádio da Luz, no jogo entre Portugal e Hungria. Também uma das claques do S. L. Benfica entoou cânticos no pavilhão da Luz, num jogo de andebol entre o seu clube e o Sporting C. P., com destaque para “Foi no Jamor que o lagarto ardeu, na final da Taça o very light o f…”, simulando o silvo do very light enviado por um membro da claque “No Name Boys”, que matou o adepto do Sporting, em 1996. A resposta da claque do Sporting C. P. num jogo de futsal no pavilhão da Luz entre os clubes rivais de Lisboa, foi entoar “Onde é que está o Eusébio”. Poucos dias depois, foi repetida a dose pela claque do S. L. Benfica, no jogo de futebol em Alvalade, no dérbi lisboeta. Na véspera deste jogo, cerca da 02h40, terá havido confrontos entre adeptos de ambas equipas junto à rotunda sul do estádio da Luz e um adepto italiano da Fiorentina, que acompanhava adeptos da Juve Leo, foi atropelado mortalmente por uma viatura (segundo as autoridades, de forma intencional). Sabe-se que a vítima tinha “ficha policial por violência no desporto” [em Itália] e que a viatura, já encontrada, pertence a um adepto do Benfica, a qual terá sido guardada num espaço de um amigo, membro da claque No Name Boys.

São comportamentos inaceitáveis e casos de polícia, a merecer rápida e eficaz resposta, a necessitar de fortes cliques na cabeça, para se encontrar um rumo adequado. Quando se esperava um comportamento apaziguador dos respetivos dirigentes, eis que surgem na ribalta pelas piores razões. O desporto e o futebol, em particular, dispensam bem este tipo de pessoas. Isto faz muito mal à própria indústria do futebol, que pode gerar muitos milhões, além de genuínas, vibrantes e compreensíveis paixões.

Por detrás dos vidros, talvez entenda quem utiliza o “escape” da ciclovia, do ténis, da natação e mais o que a minha vista não alcança daqui. É que a vida não comporta só a “loucura” do futebol… e louvo quem faz algo pelo seu próprio equilíbrio físico, procurando estar livre de poluição mental.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

SIM, MISERÁVEL. A CULPA É TUA

JOÃO MENDES
A culpa é tua porque não percebes a economia, não percebes os mercados, não percebes a importância das agências de rating e dos especuladores. Se percebesses, facilmente entenderias que este mundo precisa de multimilionários tanto quanto precisa que tu vivas a contar tostões. E daí se um grande banco provoca uma gigantesca crise mundial que leva milhões a perder as suas casas e a não saber como pôr comida na mesa no dia seguinte? Não és também tu livre de fundar um banco e enganar uns quantos milhões para que nunca falte gasolina no teu helicóptero? Quem nos manda a nós ser estúpidos? Afinal de contas, nós temos esse direito: o direito de ser estúpidos, de nos deixarmos enganar. Não é bela, esta estranha forma de democracia?

Por isso pára de te queixar e vai mas é empreender. Salário mínimo? Isso é coisa de bandalhos de esquerda que não querem trabalhar. Subsídios? Sistemas nacionais de saúde? Educação gratuita? Deixa-te de merdas: queres qualidade de vida trabalha para a ter. Não há trabalho? Cria o teu. Nasceste num meio desfavorecido rodeado de precariedade e miséria? Não sejas piegas e arregaça mas é essas mangas. O que tu queres é dado e arregaçado sem teres que mexer uma palha. Esquerdalhada inútil que quer viver acima das suas possibilidades e comer refeições de carne todos os dias. Indescritível. 

Acorda miserável. O mundo agora funciona assim. Aliás, o mundo sempre funcionou assim. A diferença é que agora nos tentam vender uma utopia, decorrente desta espécie de democracia em que vivemos, na qual todos podemos ser ricos e poderosos. De tempos a tempos, um iluminado oriundo de um meio modesto que tem uma ideia revolucionária emerge, e lá consegue ascender ao clube dos multimilionários. Parece fácil mas não é, porque estas excepções são isso mesmo: excepções. O grosso dos recursos é controlado pelas mesmas famílias, pelos mesmos grupos, há várias décadas. As crises vão e vêm e as suas fortunas continuam a aumentar e a aumentar. Os políticos vão e vêm e eles continuam a comprá-los. E a nossa indignação vai e vem e nós continuamos confortavelmente sentados no sofá. A revolucionar nas redes sociais.

Segundo o mais recente relatório da Oxfam, divulgado no início deste ano, as oito pessoas mais ricas do mundo possuem uma riqueza combinada superior aos 3,6 mil milhões de terráqueos mais pobres. Chamemos-lhes o 0,1% do 1%. Frequentemente, esses 1% usam os seus vastos recursos para viciar as regras do jogo, comprar legisladores, esmagar a pequena concorrência e a sua riqueza não pára de aumentar. Por cá a coisa não é muito diferente. Umas quantas famílias mandam nisto tudo, não pagam os impostos devidos e ainda têm a distinta lata de nos dar lições de moral. O país real vive a crise, a pobreza, o drama do desemprego e da emigração, e as vendas da Porsche disparam, os lucros do PSI-20 disparam, os salários dos boys disparam e quando a dívida de um banco dispara lá estamos nós, na linha da frente, para pagar a factura, impávidos e convencidos da nossa irrelevância. E o imoral torna-se banal.

Mas a culpa é tua, miserável. É nossa. É que enquanto as castas vão administrando o mundo em seu benefício, nós por aqui vamos andando, distraídos entre futebóis e entretenimento de plástico, mais preocupados com os ingredientes da pizza do Sócrates do que com o assalto permanente ao erário público. Destilamos toda a nossa raiva nas redes sociais, arranjamos desculpas para não votar, fazemos manifestações até à hora do jantar e no dia seguinte tudo continua na mesma. Pão e circo, mesmo como nós gostamos. Mas é mais fácil assim, não é?

EA: RELAÇÕES INTERPESSOAIS

GABRIELA CARVALHO
Em várias crónicas tenho abordado o EA com algumas especificidades.

Na crónica de hoje a especificidade será sobre a importância das RELAÇÕES INTERPESSOAIS.

Cada vez mais se reforça a importância das redes sociais de apoio, particularmente à medida que envelhecemos, nomeadamente no suporte que dão para superar «acontecimentos potencialmente stressantes da fase avançada de vida.»

Todos nós, somos por natureza, seres sociais que vivemos em interacção com os outros.

A verdade é que na nossa vida pertencemos a vários grupos de relação: família, amigos, trabalho, escola… portanto, é um facto que a participação social é um factor preponderante de bem-estar, sendo por isso que constitui um dos 3 pilares do Envelhecimento Activo, proposto pela Organização Mundial de Saúde.
Todos nós percebemos que é ao estar inseridos nos vários grupos sociais que vivenciamos as melhores experiências de vida e vamos construindo os nossos traços de personalidade, “as características que mais nos caracterizam.”

Se ao longo da vida, as relações sociais assumem uma relevância significativa, na terceira idade, reforçar os laços sociais, consolidando a interacção familiar e com a comunidade, além de «desmistificar a ideia de uma velhice continuamente associada ao abandono e isolamento» também permite manter-se activo, uma vez que estas relações vão fomentar a inserção, por exemplo, em organizações locais, instituições…

Facto é, que a convivência harmoniosa com os outros nos faz sentir seguros, apoiados e compreendidos, permitindo-nos construir a nossa identidade, uma vez que aquilo que os outros pensam de nós vai contribuir significativamente para a imagem que vamos construindo de nós próprios.

O apoio da nossa rede de relações (família, amigos, vizinhos) tem benefícios a vários níveis:
- AFECTIVO: por exemplo, possibilita reforçar a auto-estima, ao sentirmo-nos aceites pelos outros;
- EMOCIONAL: receber sentimentos positivos de quem nos rodeia facilita ultrapassar os problemas (por exemplo);
- Influência a PERCEPÇÃO: quer a percepção que a pessoa em de si mesma quer a percepção que tem do meio envolvente está intimamente relacionada com a rede de relações interpessoais;
- Importante a nível INFORMATIVO: é no contacto com o outro que nos vamos mantendo informados e compreendemos melhor as situações do dia-a-dia;
- Potencia o CONVIVIO SOCIAL: só em contacto com os outros podemos ter um convívio social e este permite aliviar tensões, diminuir o isolamento e aumentar a participação social.

Importa reforçar que há medida que a idade avança, particularmente com a entrada na reforma, existe uma diminuição das redes sociais (ver crónica do dia 17.03.2017). No entanto, esta diminuição não significa que a pessoa sinta menor necessidade em se relacionar, ANTES PELO CONTRÁRIO!

Todos nós precisamos do “nosso tempo” de estar sozinhos em determinados períodos. No entanto, quando este “estar sozinho” é mais significativo que “estar com os outros”, podem surgir os sentimentos de solidão com consequências negativas, particularmente numa etapa de vida, por si só, mais vulnerável.

«Por isso, manter uma vida activa, antes e após a reforma, criar interesse por determinados passatempos ou actividades, participar na vida cívica (…) são algumas opções que ajudam a que os idosos permaneçam perfeitamente integradas na sociedade!»

Alguns exemplos de manter a actividade social:
- FAMILIA: cuidar dos netos, acompanhá-los à escola; ir aos correios; pagar as contas; resolver assuntos burocráticos ajudando os filhos, …
- SOCIEDADE: voluntariado sénior; programas intergeracionais; participar em associações locais e/ou partidos políticos, …

Exemplos mais práticos (que poderão ajudar):
Fazer um plano semanal com várias actividades sociais e ocupacionais e assinalar as que são mais importantes e que poderá fazer nessa semana, perspectivando a possibilidade das que não seleccionou também virem a fazer parte da sua lista:
- Tratar do jardim/quintal
- Visitar alguém
- Fazer um bolo e convidar alguém para o lanche
- Colaborar nas tarefas domésticas dos filhos, nomeadamente, nas que envolvam idas às finanças, segurança social…
- Procurar informação sobre a agenda cultural da sua cidade e envolver-se numa dessas actividades
- Marcar uma saída em família e/ou com amigos e organizar as coisas
- …

O IMPORTANTE É MANTER-SE SOCIALMENTE ACTIVO!

“Mais do que acrescentar anos à vida, a Terapia Ocupacional proporciona vida aos anos.”

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Referências Bibliográficas:

- Organização Mundial de Saúde (2005). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde.

- Ribeiro, O., C. Paúl (2011). Manual de Envelhecimento Activo. Lisboa, Lidel - edições técnicas, lda.

- Torres, M. & Marques, E. (2008). Envelhecimento activo: um olhar multidimensional sobre a promoção da saúde. Estudo de caso em Viana do Castelo. Lisboa: VI Congresso Português de Sociologia.

- Vasconcelos, K. R. B. d., Lima, N. A. d., & Costa, K. S. (2007). O envelhecimento ativo na visão de participantes de um grupo de terceira idade. Fragmentos de cultura, 17, 439-453.

O DIREITO À PRIVACIDADE E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

ANA LEITE
“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei” – artigo 12.º Declaração Universal dos Direitos Humanos

Atendendo ao rápido crescimento da tecnologia e expansão das redes sociais, torna-se cada vez mais pertinente a questão da privacidade e a proteção de dados pessoais.

A privacidade é protegida essencialmente por dois instrumentos internacionais: a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. 

Na Constituição da República Portuguesa, o direito à privacidade está previsto no seu artigo 26.º, são os chamados direitos de personalidade. A protecão da vida privada encontra-se ainda dispersa pelo ordenamento jurídico. O artigo 80.º do Código Civil estabelece que todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem. A violação deste artigo conduz ao dever de indemnizar em conjugação com o artigo 483.º CC. O código do Trabalho também protege a intimidade das pessoas, ao não permitir a divulgação de informações pessoais. E, por fim, também o direito penal oferece proteção ao prever um capítulo sobre os crimes contra a reserva da vida privada.

Depois de percorrido o principal quadro normativo em referência, facilmente concluímos que o direito à privacidade é um direito universal, ou seja, inalienável, inviolável , efetivo e irrenunciável. 

O direito à privacidade é assim uma garantia jurídica que protege os indivíduos. Desta forma, a privacidade inviabiliza a recolha, armazenamento e tratamento de dados pessoais, quando não existe base legal (ou não tenha o consentimento do indivíduo em questão) – cfr. Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, Lei da Proteção de Dados Pessoais. Da mesma forma, quando existe recolha de dados, deve ser facultado o acesso à consulta e à sua alteração. De referir ainda que as directrizes da OCDE exigem que as informações pessoais sejam: obtidas de forma justa e legal; usadas para o propósito específico original; adequadas, relevantes e não excessivas para o propósito; precisas e atualizadas; acessíveis ao sujeito e mantidas de forma segura e destruídas findo o seu propósito.O responsável pelo tratamento dos dados pessoais, bem como as pessoas, que no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções.

Sendo certo que, o titular dos dados pessoais tem o direito de se opor em qualquer altura, por razões ponderosas e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objeto de tratamento, salvo disposição legal em contrário.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

PROVAS DE AFERIÇÃO NA ROTA DO FAZ DE CONTA

ELISABETE RIBEIRO
Segundo o Ministério da Educação, teoricamente "No final do ano letivo, os alunos do 2.º ano do 1.º ciclo do Ensino Básico terão provas de aferição que não contarão para nota. O Ministério da Educação (ME) quer detetar dificuldades de aprendizagem mais cedo de forma a garantir uma intervenção atempada. Em nenhum modelo de avaliação, pelo menos até ao momento e com esta designação, foram feitas provas de aferição no 2.º ano, a alunos que na sua maioria terão sete anos de idade. O ME deixou claro que as provas serão feitas nas escolas dos alunos. Não haverá deslocações entre estabelecimentos de ensino, nem professores estranhos nas salas de aula."(Educare)

Na prática isto não é bem assim. Então se querem aferir as dificuldades de aprendizagem com estas provas, mas que raio estamos nós, professores, a fazer dentro da sala de aula?
A pomposidade de ser o país pioneiro em aplicar provas de aferição a crianças de 7 anos, enche o peito e abrilhanta o umbigo do ME.
Decididamente não têm a verdadeira noção do que é ser uma criança de 7 anos!
Mais um tiro no pé quando afirmam que os alunos não se deslocam dos estabelecimentos de ensino. Além de terem de se deslocar (e falo por conhecimento de causa), o regresso à escola será feito após o horário escolar regulamentar.

Relativamente à realização das provas de Expressões, que se dividem em Expressão Físico-Motora e Expressões Artísticas, há algo que me anda a fazer urticária:
"Quando há dois meses foi conhecido o material que será necessário para realizar estas provas ficou-se a saber que muitas escolas do 1.º ciclo não o tinham. A situação terá sido ultrapassada tanto através de empréstimos entre escolas, como também pelo esforço desenvolvido pelas
autarquias." (Público)

Como é??? Então andam feito loucos em busca do material que NÃO HÁ nas escolas que os alunos frequentam, para estes serem aferidos em algo que NÃO TÊM no seu dia-a-dia escolar?? Afinal, vão aferir o "faz de conta" com empréstimos de última hora! Onde está a lógica disto? Eu não a encontro!
A par destes desatinos ainda há uma infindável lista de burocracias a roçar a insanidade: é o guião do aplicador, guião de prova, ficha de registo de observação, critérios de classificação, informações disto e daquilo e mais um cartapácio de 50 páginas, do Júri Nacional de Exames com todos os passos e contra passos a serem cumpridos.

Há ainda os ostentosos apelidos dados aos professores. Vai desde Aplicadores, Classificadores até aos Interlocutores. Viva a criatividade!
Tanta pompa e circunstância, tanto pormenor e exigência, tanta burocracia e emergência para...? Exato... para dizer que se fez!
Já não há 7 anos como no meu tempo!!

GRITAR LIBERDADE

CATARINA PINTO
Por estes dias têm se falado e ecoado a palavra liberdade com o maior dos orgulhos, de algo conquistado no presente, passado e futuro. Cada povo tem a sua histórica liberdade.

Liberdade palavra tão extensa e tão livre como o seu próprio significado. Cada um tem a sua própria liberdade, cada um dá um nome a essa sua liberdade. Por exemplo a minha reside essencialmente no meu pensamento, nas minhas movimentações diárias de poder ser quem sou sem máscaras. Sou e sinto me livre na minha condição de mulher, autora, sonhadora, trabalhadora… A minha liberdade é tão específica que só para mim serve e a das outras pessoas só a elas pertence e é neste reconhecimento que reside os direitos, deveres e liberdades de cada um de nós. Há quem prefira olhar o céu cinzento, há quem prefira mergulhar no mar bravo, há quem prefira caminhar sobre o sol mas também existe quem fique sentada na sombra sem sequer sentir a mais leve brisa e a vida prossegue. Essa também é liberdade.

Há quem prefira ser a palavra por escrever, há quem prefira desvendar todos os mistérios encerrados num daqueles livros antigos e carregados de pó mas também existe quem não queira ler, nem aprender cada palavra de uma poesia, cada linha de uma prosa. Essa também é liberdade. Há quem prefira criar guerras, destruir caminhos, construir pontes que de nada servem se do outro lado não souberem caminhar e no entanto existe quem queira a plena paz, a tranquilidade de sentir a verdadeira felicidade. Essa também é liberdade.

E eu no entanto prefiro viver encerrada em meus sonhos, nas utopias e construir palavras por inventar. Essa também é liberdade.

ADELINA, A BRUXA

HÉLDER BARROS
Bem sei que o termo feiticeira fica muito melhor, sendo até literáriamente mais sedutor, mas nas nossas aldeias de Entre Douro e Minho, pelos anos oitenta e noventa do século passado, o termo era mesmo: “bruxa”. Em quase todas as aldeias, havia uma mulher, predominantemente, estes seres estranhos, com poderes do Além, eram do sexo feminino e de meia idade, com um putativo dom: tinham a “morada aberta”, como se costumava dizer. Qualquer mal de amor, de dinheiro, invejas, doenças, era passível de ser resolvido por Lina, a bruxa local. Estes seres que vestiam o papel destas personagens, tinham características muito próprias, idiossincrasias singulares. Deveriam, preferencialmente, ser pessoas muito curiosas, conhecer muita gente, ter uma vasta rede de contatos, de relacionamento fácil e espontâneo. Existia algo de comercial naquele mister, como se costuma dizer, era preciso muita lábia, dotes quase que de encenação teatral, para compor tão complexa figura.

Certo dia, um lavrador da freguesia começou a ter problemas com o seu gado, que ele tão zelosamente cuidava e estimava. Começou por lhe morrer o porco de criação, um mês depois morreu uma vaca leiteira bastante produtiva, passado uma semana deu uma desinteria tal aos coelhos, que foram cerca de vinte à vida. A seguir foram os frangos, galos e galinhas que começaram a tombar como tordos. Tónio das Bouças, como era conhecido localmente, andava triste como a noite, muito abatido e calado. Começou a ver a sua vida a andar para trás, o gado era muito importante para a sua economia familiar, fundamental no sustento da sua família, que estranha maldição o teria atingido, dizia para os seus botões; a sua vida ia de mal a pior. Tónio, não tinha motivos para sorrir, nem para andar de cabeça levantada, a sua vida estava na lama, num estado de desesperança tal que, nada o conseguia animar. 

Num dado domingo, foi à missa e todos os amigos lavradores o tentaram animar, pois já constava na freguesia o infortúnio que tinha assolado a vida de Tónio. Um primo que estava mais afastado do ajuntamento, o Zé do Alto Seco, chamou-o à parte onde se encontrava também a sua senhora: “Tónio tu estás com mal de inveja, alguém te deitou olho gordo, acredita no que te digo”. Então, num tom muito sério, a mulher, a Milinha do Alto Seco, acrescentou: “Oh primo você não devia estar a partilhar o seu azar com essa malta, sabe lá se não foi um deles que lhe rogou a praga”. O Tónio continuou a escutar, entre um sentimento de espanto, de mistério e de medo e, de repente, retorquiu: “Oh prima mas isso é possível, assim só com um olhar, dar cabo da vida de um homem…”. A Milinha riu-se e desafiou-o logo de seguida: “Nós vamos levá-lo a um sítio onde vai ficar a saber tudo e como vai poder resolver isso, são coisas do tinhoso”, finalizou ela, a inveja aqui é muita. Assim depois de combinarem tudo, foram, passados três dias a um local ermo na freguesia vizinha, a casa de Adelina a Bruxa, onde chegaram já de noite, era inverno e escuro, um local mesmo inóspito e assustador.

Não foram o primeiro casal a chegar, aguardaram numa sala escura, com pouca luz, tal como a casa toda, esperando com angustia a sua vez. À frente dele estava um casal com uma filha adolescente, com umas grandes olheiras na sua cara pálida, como as casas caiadas, que tinha supostamente, incorporado o demo, segundo os pais estavam a contar a outro casal. Tinha ataques brutais, convulsões, esperneava-se, urinava-se, vomitava, até a sua voz mudar e começar o tinhoso a falar por ela. Era verdadeiramente possuída por um espírito do mal, que incorporava naquele ser frágil, manifestando toda a sua fúria e maldade naquela rapariga escanzelada e enfraquecida. Os pais correram os médicos todos, foi-lhe diagnosticada uma epilepsia. Mas com os medicamentos foi sempre piorando, só a Adelina lhe conseguiu dar algum sossego, com as suas sessões de pseudo-espiritismo. No atendimento a Tónio, na parte da tal incorporação de espírito, a Adelina corada e a falar com uma voz estranha concluiu que um vizinho o invejava muito e que teria que realizar determinados procedimentos, para reverter a sua sorte. Em transe, Adelina repetiu muitas vezes a seguinte lenga lenga: “vai-te espírito da inveja, nas alminhas arderá o teu mal para que se veja”.

Assim, o Tónio teve que levar um coração de cada tipo de animal que morreu e colocá-los com velas a arder, nas alminhas da estrada nova. Segundo Arminda, tal iria livrar o Tónio da má sorte e passar a maldição para quem a lançou previamente. Era noite escura, o Tónio saiu com as amostras de carne e levou-as às alminhas, colocando as velas a arder. Um espetáculo tenebroso e diabólico que assustou os poucos vizinhos e as pessoas que por ali passaram altas horas da madrugada, que conseguiam assistir aquele fogo intrigante e sinistro, uma cena do Inferno, dantesca. O lume iluminava a cruz das alminhas, provocando um efeito bastante perturbador. Passaram uns meses e a vida de Tónio regressou, paulatinamente, à normalidade, os seus animais deixaram de morrer e a sua vida começou a prosperar como nunca… houve um lavrador vizinho que, ao que constou na aldeia, começou a ter problemas com o seu gado, assim de repente… do nada!

Foi conhecido também, o caso de uma jovem que, ao que parece, gostava muito de um rapaz e que estariam já até com planos de constituir família, de se casarem. Inopinadamente, o rapaz deixou a rapariga e fugiu com uma amiga da namorada, a Rita da Eira Velha. Os primeiros eram a Teresa do Alto e o Joaquim da Presa. A Teresa entrou num estado depressivo de tal forma que não falava com ninguém, não conseguia dormir, não tocava em comida e passava os dias prostrada numa tristeza que a invadiu, até às profundezas da sua alma. Os seus pais, o Manel e a Maria do Alto, não sabiam o que mais fazer para aliviar o sofrimento da sua filha, pois esta não respondia a qualquer estimulo exterior. Teresa passou a viver num estado de torpor e com uma astenia angustiante. Parecia que viver já não fazia sentido, morrer seria a única saída deste malogro em que a sua vida se tornou, desaparecer do mundo dos vivos era quase que uma libertação para aquela Alma sofredora.

Os seus pais, muito católicos, estavam relutantes em socorrerem-se dos serviços espirituais de Arminda, mas perante o crescente definhar da sua filha, foram à casa desta, numa tentativa desesperada de resolverem os seus problemas. Adelina, ouviu a história e rapidamente concluiu que fizeram um serviço ao Joaquim, de tal forma que este transferiu todo o interesse e amor que tinha por Teresa, para a Rita de Eira Velha. Entrou novamente em transe e mudando o seu registo de voz, para algo mais diabólico, repetiu várias vezes a seguinte cantilena: “Mau serviço embruxado carrega o coração do Quim para este lado!”. A tarefa a desenvolver a seguir seria arranjar um coração de um jovem recentemente morto, espetar-lhe vários alfinetes e colocá-lo em frente ao quarto da Rita de Eira Velha, durante uma noite, com velas a arder rodeando o sinistro objeto de uma espécie de ritual quase… satánico. Decorreu um mês, morre na aldeia um rapaz de vinte e poucos anos que teve a infelicidade de cair numa obra onde trabalhava, e, passados poucos dias das suas cerimónias fúnebres, o Manuel e a Maria do Alto, pediram ajuda a alguns familiares para profanar e o túmulo e retirar o coração ao morto. Num espetáculo digno de um filme de terror, lá foram com candeias iluminadas, no escuro da noite, começaram a cavar e, finalmente, retiraram o coração ao rapaz. No entanto, na penumbra da noite, facilmente foram avistados pelos casais mais próximos, que vieram com enxadas e forquilhas e correram em direção aos profanadores e lhes atiraram pedras, agrediram à varada e sacholada. O coração foi recuperado e os primeiros, além de ficarem maltratados, foram censurados, enxovalhados e humilhados por toda a freguesia, durante muitos anos. A Teresa continuou doente até morrer precocemente, enforcou-se na adega dos pais, provavelmente com uma depressão que nunca foi diagnosticada, quanto mais tratada… Esta realidade foi muito comum nos meios rurais, nas décadas de oitenta e noventa do século passado. Era normal assistir a grandes concentrações de automóveis em frente das casas destas curandeiras rurais, foi uma altura de grande atividade, não diria espiritual, porque isso é uma verdadeira ofensa ao verdadeiro Espiritismo, que respeito; mas antes de charlatanice espiritual… fizeram-se autenticas fortunas, à custa do infortúnio de muita gente humilde e de boa fé. E foi um fenómeno verdadeiramente transversal e interclassista, pois atravessava todas as classes sociais. Para cumulo, alguns padres da igreja católica entravam em encenações de cerimoniais de falsos exorcismos, quando as pessoas estavam era gravemente doentes e frágeis a nível mental. Afinal, era fácil ver um demónio num doente com convulsões e ataques de pânico. Perguntar a um esquizofrénico que, não se tratava, se falava com o diabo, ou com os demónios, era muito provável ter um feedback positivo. Achava piada, designadamente, quando ouvia dizer que uma verdadeira bruxa não levava dinheiro, dado que, no final, contas bem feitas, as pessoas deixavam muitas centenas de contos em oferendas e donativos monetários, ficando, muitas vezes, completamente arruinadas… no entanto, ainda bem que, por crença ou pelos mistérios insondáveis da nossa mente, muita gente se sentiu curada por estes processos, no mínimo, de dúbia intenção…»

PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

ARTUR COIMBRA
Falemos da Páscoa da Ressurreição.

A Páscoa acontece apenas uma vez por ano e daí a sua relevância como tempo de enquadramento para um ressurgir individual e colectivo, sempre que a Primavera aparece rodeada dos seus cheiros e das suas cores.

A Páscoa já não tem hoje, claramente, a importância social, cívica e até religiosa que a caracterizava há um par de décadas. Não tenho a mínima dúvida a esse respeito.

Havia dantes um ritual, um cerimonial, uma tradição e uma observância da data que nitidamente se perderam com o rodar dos anos, e nem foram assim tantos. Porventura, tal desvalorização da data estará relacionada com a crescente secularização da vida colectiva, que nos leva ao desviar das normas e dos preceitos que os nossos pais tanto respeitavam e acarinhavam, pelo menos em espaço rural. 

Recordo-me das tradições preparatórias do grande dia. Desde logo, a praxe da confissão, um rito a que não se podia fugir, pelo menos quando se não podia. Confessar-se ao menos uma vez cada ano era como que uma imposição ritualística à consciência religiosa dos crentes, mesmo dos menos participantes das coisas da Igreja. Era como que o mínimo dos mínimos para uma pessoa poder ser considerada católica, apostólica, romana. As paróquias estabeleciam dias e horas para “o confesso”, uma ou duas semanas antes, convidando párocos das vizinhanças para reforçarem o serviço, pelo sempre previsível acréscimo de solicitações por parte de quem no resto do ano se vinha desleixando das suas obrigações religiosas.

Depois, o ritual da “limpeza de Páscoa”. Que grande azáfama explodia por essas aldeias além quando a Páscoa se aproximava. Casas que ao longo do ano mal viam uma vassoura ou um naco de sabão, por essa altura sofriam autênticas “barrelas”, como então se dizia, para que tudo brilhasse de asseio e beleza quando o compasso viesse de visita à família. Ninguém escapava a essa preocupação anual. Nem pobres nem ricos.

Tal como a confissão, era absolutamente imperioso que o mais pequeno casebre ou a mais imponente mansão fossem objecto de uma operação de limpeza que os tornasse dignos da visita de Cristo Ressuscitado.

E havia ainda um outro aspecto curioso de que muitos se lembrarão, certamente. Às 15h00 de Sexta-feira Santa, a vida como que parava ou se suspendia, em sinal de luto. Morria Jesus, morria a vida normal, por um dia e meio… A partir dessa hora e até às 24h00 de sábado, a rádio apenas passava música clássica, mais ou menos de cariz fúnebre. E a televisão (RTP, apenas, na altura, como bem se sabe…) não andava longe desse paradigma. Só no domingo da Ressurreição, a alegria voltava e com ela a normalidade que se havia interrompido dois dias antes. Hoje, este assunto não passará de uma nota de rodapé no anedotário da quadra…

E o domingo de Páscoa era dia de festança. Os homens e as mulheres aperaltavam-se nos seus fatos mais valiosos e rumavam, manhã cedo, à missa da igreja matriz. Nesse dia não havia cansaço nem dor de costela que apegasse os paroquianos à cama. Páscoa era Páscoa. Ponto final.

Depois, ainda mal clareara o dia, já os foguetes estralejavam abundantemente nos céus a sinalizar aos fregueses que o compasso estava a sair para visitar todas as casas da aldeia, segundo um percurso previamente divulgado. Capitaneada invariavelmente pelo pároco, a comitiva integrava os homens bons das aldeias, geralmente os mais respeitados, que empunhavam a cruz, recolhiam as ofertas e cumprimentavam amigavelmente a família aquando da visita. A campainha estava destinada às crianças mais afoitas, que dividiam entre si os sacos para recolher as amêndoas, sobretudo das famílias mais abastadas.

O cortejo rabiava depois de casa em casa, calcando os tricotados tapetes de flores que da rua conduziam à porta da sala onde se recebia o Senhor. A cerimónia do beijar da cruz tinha as suas etiquetas. Primeiramente, beijava-a o “chefe da família” e depois, em sequência, a mulher, os filhos, escalonados pela idade, e a restante família e criadagem, se a houvesse, bem como alguns amigos. Havia gente que fazia questão de beijar a mesmíssima cruz em diferentes casas de familiares ou amigos da aldeia.

Não há dúvida que era cansativo para os integrantes da comitiva pascal percorrerem dezenas de lugares, entrarem em centenas de casas, cumprimentarem inúmeras pessoas, serem pressionados a beber um cálice de Porto, ou de champanhe, se de manhã, ou um vinho verde, devidamente acompanhados, se de tarde, porque nesse dia não havia crise ou escassez que se impusessem à generosidade e à vontade de dar o melhor que cada um tinha à comitiva que levava a cada família o Cristo Ressuscitado. 

Hoje em dia, a tradição já não tem a força que tinha há anos atrás. Sem qualquer dúvida. O compasso pascal deixou de ser liderado por clérigos, por míngua destes, sendo constituído na grande maioria dos casos por leigos. A maior parte das portas deixou de se abrir à comitiva, pelos motivos mais diversos. E imensa gente passou, nos últimos anos, a sair da terra natal ou do local de residência, para destinos turísticos, numas “mini-férias” que são hoje valorizadas, inversamente à consideração que tem pelo território das convicções religiosas.

O mundo mudou, irrefutavelmente, descristianizou-se e o fenómeno da Páscoa sofreu essa profunda metamorfose que o transformou numa tradição com expressão cada vez mais residual. Hoje a Páscoa é um quando muito fim-de-semana prolongado que sabe muito bem para dar uma volta por aí e repousar do estresse dos dias chuvosos do Inverno, enquanto o Verão não chega. 

É também uma representação teatralizada para consumo turístico, como acontece com a Semana Santa em Braga, por exemplo, embora, obviamente, os integrantes das procissões o façam no maior dos fervores.



Mas o sentimento generalizado da importância da Páscoa desapareceu, não passando por estes dias de uma evocação mais ou menos saudosa para quem estimava e venerava os rituais que constituíam a sua identidade anual!…

quarta-feira, 26 de abril de 2017

O HOLANDÊS, AS SENHORAS E O VINHO

ARMANDO FERREIRA DE SOUSA
Bem recentemente o país acordou irado, num assombro de patriotismo que aparentemente havia sido beliscado pelas declarações do presidente do eurogrupo,Jeroen Dijsselbloem.

Numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, ao ser chamado a opinar quanto ao rigor que o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble professa em relação às regras em vigor, Dijsselbloem respondeu:

“Tornamo-nos previsíveis quando nos comportamos de forma consequente e o pacto no seio da zona euro baseia-se em confiança. Na crise do euro, os países do norte da zona euro mostraram-se solidários para com os países em crise. Como social-democrata, considero a solidariedade da maior importância. Porém, quem a exige também tem obrigações. Eu não posso gastar o meu dinheiro todo em aguardente e mulheres e pedir-lhe de seguida a sua ajuda. Este princípio é válido a nível pessoal, local, nacional e até a nível europeu"

Ora, qualquer político minimamente responsável saberia de antemão que declarações como estas, ainda que colocadas no plano pessoal, poderiam ser tomadas como ofensivas e indignas de alguém com responsabilidades no projeto europeu.Dijsselbloem, contudo assim não considerou e, no exercício da sua liberdade manifestou a sua opinião da forma que considerou a mais adequada.
E, previsivelmente, passou então a ser o inimigo n.º 1 dos povos ofendidos, diabolizado pela imprensa, ávia em escândalos, acusado pelos políticos, hábeis no lançamento de “cortinas de fumo” e crucificado pelo povo, que tanto bebe dos escândalos inventado pela imprensa como alegremente entra e permanece feliz nas narrativas dos políticos.

Contudo, seria um interessante exercício pensar se efetivamente o Sr. Dijsselbloem não teria pelo menos uma réstia de razão naquilo que afirmou.

Seria interessante relembrarmo-nos dos tempos dos fundos europeus a inundar o nosso país e pensar na forma em que foram aplicados pelos seus destinatários.

E para tal bastará a recordação das célebres figuras de agricultores e construtores civis, que ao invés de adquirir as máquinas de trabalho para as quais se destinavam os fundos, adquiriam mercedes e jipes de alta cilindrada, isto sem falar nas noites bem passadas em certas casas de dança que se multiplicaram como coelhos…

E aqui também podemos exemplificar com as diversas formações financiadas pelos fundos europeus e que afinal de contas ou não eram ministradas ou, sendo-o, apenas se destinavam a cumprir o calendário, estando desprovidas de qualidade pedagógica, utilidade para o formando, sendo por tal, completamente inúteis.

Deste modo, e recordando certos períodos da nossa história recente, não poderei pois dizer que estarei em total desacordo com o Sr. Dijsselbloem, e se me escandaliza tanto dinheiro destinado a investimento deitado ao lixo, que dizer do sentimento de outros povos que assistiram a tanta oportunidade desperdiçada por um único país como o nosso, que teria todas as condições para ter uma das economias mais competitivas do mundo.

Eu sou Dijsselbloem!

QUISTO SINOVIAL - TRATAMENTOS

MARCELO PEREIRA
O Quisto sinovial ou Glanglion Sinovial é uma dilatação patológia da membrana sinovial de um determinado tendão, que armazena um líquido lubrificante, que permite um melhor deslizamento dos tendões, dentro de suas respetivas bainhas.Este mesmo pode aparecer devido a um trauma, ou esforço repetitivo, podendo aparecer em vários locais do corpo, mas o mais comum é no punho.

Os principais sintomas são o aparecimento de um tecido volumoso, podendo em muitos casos estar associada dor. O tratamento pode ser fisioterapia, cirurgia ou uso de corticóide.

É frequente a procura de pacientes na nossa clínica, com estes tipos de patologias, principalmente ao nível da zona anterior do punho, como podemos ver na imagem a cima descrita. 

Nestes casos muitos dos nossos pacientes, desconhecem os efeitos da Fisioterapia nestas patologias.
QUISTO SINOVIAL

Na Fisioon temos desenvolvido abordagens através da Fisioterapia Invasiva, com resultados bastante significativos logo após a primeira sessão, onde ao fim de um ciclo de 3 ou 4 sessões, o Quisto desaparece totalmente. Neste casos o mais importante ao inverso do que acontece na cirurgia, onde é retirado o Quisto, no nosso caso realizamos uma abordagem ecoguiada ao nível da “raiz” do Quisto e desta forma permite eliminar o mesmo de forma gradual e menos dolorosa.



Na imagem podemos observar a ecografia de um paciente, na esquerda observamos o Quisto Sinovial na primeira consulta e na imagem da direita, a ecogradia após o primeiro tratamento, onde observamos uma regressão bastante significativa do Quisto.

DIA MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

PAMIRA CRISTINA MENDES
Há quem diga que está na moda ser escritor.

É um bem dizer! O mundo da escrita/leitura é uma fonte inesgotável de conhecimento, um bálsamo para a alma!
O Dia Mundial do Livro é comemorado, desde 1996 e por decisão da UNESCO, a 23 de Abril.

Esta data foi escolhida com base na lenda de S. Jorge e o Dragão, adaptada para honrar a velha tradição catalã segundo a qual, neste dia, os cavaleiros oferecem às suas damas uma rosa vermelha de S. Jorge (Sant Jordi) e recebem, em troca, um livro, testemunho das aventuras do heroico cavaleiro.
Em simultâneo, é prestada homenagem à obra de grandes escritores, como Shakespeare e Cervantes, falecidos em 1616, exatamente em abril.

Hoje, dia 26 de Abril, comemora-se o Dia Mundial da Propriedade Intelectual.

Mas em que consiste a Propriedade Intelectual?

A Propriedade Intelectual é um conjunto de direitos que abrange as criações do conhecimento humano. Divide-se, tradicionalmente, em duas grandes áreas: Direito de Autor (e Direitos Conexos) e Propriedade Industrial.

Os Direitos Conexos são aqueles que protegem as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão. A tutela destes direitos em nada afecta a protecção dos autores sobre a obra utilizada. Na hierarquia do CDADC, o Direito de Autor prevalece sobre os Direitos Conexos (176º e 177º do CDADC)

A Propriedade Industrial é a área da Propriedade Intelectual que tem por objecto a protecção das invenções, das criações estéticas e dos sinais distintivos de produtos e empresas no mercado (marcas), numa perspectiva de exploração industrial, e garante a lealdade da concorrência. Os direitos de Propriedade Industrial são territoriais, gozando apenas de protecção nos países em que forem registados e caracterizam-se pela exigência da característica da novidade ( 1º do Código da Propriedade Industrial)

São protegidas pelo Direito de Autor as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.

Para ser protegida, a obra deve, ainda, ser original. O conceito de originalidade não se confunde com o de novidade e pode ser definido, sinteticamente, como individualidade própria ou criatividade. Uma obra que se caracterize pela originalidade encontra-se protegida ainda que o tema utilizado pelo autor já tenha sido objecto de outra obra do mesmo género ou de género diverso.

As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos pelo direito de autor (1º do CDADC)

Consideram-se protegidos todos os tipos de obras, independentemente do género, forma de expressão, mérito, modo de comunicação e objectivo. O CDADC elenca, a título exemplificativo, alguns tipos de obras tais como textos, conferências, obras dramáticas, coreográficas, composições musicais, obras cinematográficas, fotográficas, de desenho, pintura, escultura, arquitectura, design e ilustrações ( 2º do CDADC)

O Direito de Autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais. No exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente. Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade ( 9º do CDADC)

Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas no CDADC.

Comete o crime de contrafacção (vulgarmente designado plágio) quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução total ou parcial de uma obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria.

Os referidos crimes são punidos com pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias, de acordo com a gravidade da infracção, agravadas uma e outra para o dobro em caso de reincidência, se o facto constitutivo da infracção não tipificar crime punível com pena mais grave.

Encontram-se, ainda, tipificados o crime de violação do direito moral e o crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada.

O CDADC prevê, expressamente, a possibilidade de apreensão de coisas relacionadas com a prática do crime, como é o caso dos exemplares ou cópias das obras usurpadas ou contrafeitas, dos respectivos invólucros materiais, máquinas ou demais instrumentos ou documentos de que haja suspeita de terem sido utilizados ou se destinarem à prática da infracção (por exemplo, aparelhagens e computadores).

A responsabilidade civil emergente da violação dos direitos previstos no CDADC é independente do procedimento criminal a que esta dê origem, podendo, contudo, ser exercida em conjunto com a acção criminal.( 195º, 197º, 197º, 198º, 201º e 203º do CDADC)

Boas leituras, boas criações.

SER HUMILDE

MÁRCIA PINTO
A humildade é uma qualidade cada vez mais rara de encontrar. É uma característica das pessoas que sabem assumir as suas responsabilidades, sem arrogância e/ou prepotência.

Assim, a humildade é considerada uma qualidade bastante positiva e benéfica, onde ninguém é pior ou melhor do que o outro, todos merecem o mesmo nível de dignidade, respeito, simplicidade e honestidade. A humildade é um sentimento de extrema importância, porque faz a pessoa reconhecer as suas próprias limitações, com modéstia e ausência de orgulho.

Contudo, quando pensamos em humildade logo vem à cabeça a ideia de pobreza, humilhação, mas humildade não é condição, é um valor!

Desta forma, com o passar do tempo fomos crescendo com uma visão distorcida do que é ser humilde. Para a maioria, ser humilde é estar abaixo do nível comum da sociedade, ou seja à margem. Por isso muitas vezes acreditamos que as pessoas humildes são aquelas desprovidas de conhecimento e capacidade económica, sendo deste modo “escravos” dos que têm mais conhecimentos e que têm uma vida economicamente mais favorável. Logo ser pobre é sinónimo de ser humilde, com a conotação negativa que erradamente lhe é atribuído.

No entanto, ser humilde não é a desvalorização de si mesmo, não é a ignorância em relação ao que somos, mas pelo contrário, é ter conhecimento exato do que não somos e daquilo que não queremos ser. É apresentar-se com humildade, sem que a vaidade se manifeste.
Depois também existem as falsas humildades daqueles que fingem ser o que não são perante os outros querendo parecer humildes, apesar de estarem cheios de ressentimentos, inveja ou ambição.

A verdadeira humildade é aquela em que o homem tem consciência e possui uma convicção do que ele é, da sua capacidade, da sua força mas também da sua fraqueza, compreende a sua inferioridade, reconhece os seus limites mas que se esforça e trabalha para ser melhor.
Ser humilde é saber ir até o ponto de não interferir nos outros, ser humilde é não intrometer-se na vida dos outros.

Porém, muitas vezes achamos que somos melhores do que o outro porque temos, sabemos ou fazemos alguma coisa. Será que o facto de termos concluído um curso, nos torna superiores ao outro ou aumenta a nossa responsabilidade sobre como poderemos usar tal conhecimento? É claro que o saber é muito importante, mas usar isso como argumento de superioridade é o que reforça em nós a estrutura egocêntrica. A superioridade é uma das manifestações do orgulho e, consequentemente do orgulhoso.

Uma das principais diferenças entre o humilde e o orgulhoso é que o humilde não faz comparações nem julgamentos. Ele procura compreender os porquês, os motivos que levaram uma pessoa a agir de uma determinada forma. O humilde sente-se igual aos outros e respeita-os exatamente como são, sem exigir ou esperar deles uma mudança para que sejam aceites.

Em suma, pobres podem ser orgulhosos e ricos podem ser humildes, porque humildade não é património exclusivo de nenhuma classe social!

A REVOLUÇÃO DE ABRIL E A PEDAGOGIA PARA A LIBERDADE

REGINA SARDOEIRA
25 de Abril de 2017, feriado nacional. Diz-se que é o Dia da Liberdade, porque há 43 anos, um golpe de Estado, militar e também apoiado por forças progressistas, deu ao povo português direitos fundamentais, cerceados, durante 48 anos, num regime ditatorial. 

Direitos importantes entre os quais sobressaiu, imediatamente, a possibilidade de sair para a rua, agitar bandeiras, gritar slogans, numa alegria contagiante a que quase ninguém pôde ficar imune. 
Soltaram-se os corpos e as vozes, juntaram-se multidões, ouviram-se músicas vigorosas que logo se tornaram o hino da revolução. As flores, vermelhas e rubras, (os cravos de Abril) foram espalhadas, num gesto feliz, erguidas nos canos das espingardas, ostentadas com orgulho nas lapelas. Parecia que, doravante, darem todos as mãos e sorrir, oferecer flores e cantar seriam as atitudes futuras de um povo, normalmente e até então, cinzento e soturno. Parecia que nenhuma tempestade, cósmica ou social, teria poderes para abalar o brilho solar daquele dia, animado pelas cores viçosas da Primavera. Parecia que o som das vozes que anunciaram, naquela madrugada, o fim de um ciclo e o início de uma nova era seria, doravante, o guia para uma outra maneira de ser. 

Hoje, podemos dizer às novas gerações que, sem esse acontecimento, ocorrido muito antes de eles nascerem, não teriam liberdades que eles consideram normais e adquiridas na hora de nascer. Mas creio que eles não compreendem inteiramente esta notícia que lhes damos. 

Como entender, de facto, que sair para a rua, em grupo, poderia ser punido no antigo regime? Que escrever e publicar só era possível (se fosse) depois de submetido ao crivo da censura? Que certos ideais e vinculações ideológicas, quando manifestados, levariam os seus autores à prisão? Que, nessas prisões, se praticava a tortura, física e psicológica, para obrigar os presos, por causa das convicções, a confessarem "crimes" ou a denunciaram "cúmplices"? Que existia uma guerra injusta em territórios de África que martirizavam povos, de um lado e do outro, uma guerra alimentada, entre outras razões, pelo desejo ganancioso de um império obsoleto? 

Pode escrever-se de muitos modos acerca da Revolução do 25 de Abril e, em 43 anos, decerto, quase tudo foi dito. Porém, o que me parece urgente é a acção pedagógica sobre crianças e jovens, não somente pelas escassas páginas dos livros de História ou pela evocação da efeméride, uns dias antes do feriado nacional, mas na reformulação de um sistema de ensino dirigido para a prática, na adopção de uma cidadania activa capaz de restabelecer a coesão e a identidade sociais. 

Os valores de Abril traziam, como corolário absoluto, a liberdade. Porém, a liberdade só pode realmente exercer-se num quadro efectivo de responsabilidade e não pode confundir-se com libertinagem. Hoje, somos livres de realizar acções que estiveram interditas durante 48 anos e que a designada Revolução dos Cravos legitimou. Mas a cidadania exige, cada vez mais, cidadãos conscientes e capazes de contribuírem de forma lúcida para a construção de um mundo mais justo. 
É verdade que há 43 anos, um golpe militar abriu caminho a um novo tempo e a democracia, assente numa Constituição redigida e votada por deputados eleitos pelo povo, tornou-se o modo legítimo de escolher os governantes do país. Mas não basta eleger e a seguir cruzar os braços, deixando para "eles" a tarefa de resolução dos problemas colectivos. É necessário exercer a vigilância sobre todos esses que nos representam nos diversos órgãos governativos. E, antes de tudo, é necessário aprender a fazê -lo. 

Se os adultos continuam afastados dessa tarefa, outorgada no dealbar da democracia a todas as pessoas, como poderão as crianças e os jovens preparar-se para a sua própria acção , quando chegarem à idade certa? 

Muito mais do que ostentar o cravo vermelho na lapela e fazer discursos encomiásticos, rebatendo os mesmos slogans de sempre, desde há 43 anos, é importante olhar as crianças e os jovens, alienados numa falsa noção de liberdade e entretidos em ocupações falazes, e conduzi-los à responsabilidade a que qualquer decisão livre obriga.