sábado, 4 de março de 2017

QUANDO A RAPOSA GUARDA O GALINHEIRO

JORGE NUNO
Escreveu María Elvira Pombo Marchand, no seu livro “Pela mão dos anjos”, que “Magia é a capacidade de nos transformarmos assim como à nossa realidade”, dando a indicação que “o objetivo da magia é a felicidade. O requisito principal para que aconteça magia é acreditar que tudo é possível”. Também Kyle Gray escreveu, no seu livro “Orações aos anjos – como pedir ajuda ao céu para criar milagres”, que “rezar é algo universal. Todas as religiões e sistemas de crenças incluem uma ou outra forma de oração. Todos os dias, as pessoas rezam para ter saúde, dinheiro, sucesso, ou até só para terem boas colheitas. Para muitos, a oração é uma prática diária; para outros, o último recurso em desespero de causa”. Pois bem, dirijo-me a crentes e a não crentes e informo que hoje é o Dia Mundial da Oração. Entendo que, a comemorar-se este dia, deveria ser no Dia de Todos os Santos, pois a oração coletiva, reforçada a Todos os Santos, poderia trazer magia e criar autênticos milagres, com maior facilidade. E como estamos a precisar que aconteça magia e autênticos milagres!…

O Banco de Portugal (BdP), através da nota de informação estatística 23/2017, anuncia um acréscimo da dívida pública em janeiro de 2017, estando agora nos 242,8 mil milhões de euros, que resulta de um aumento de 1,8 mil milhões de euros, relativamente ao final do ano de 2016. Quando estão apontadas falhas graves à supervisão do BdP – longe de cumprir a sua missão e ainda a ocultar informação pertinente, por se considerar soberano e não ter de prestar contas a ninguém, o que não deixa de ser estranho num estado democrático –, eis que o governo quer impor duas mulheres no conselho de administração do BdP, quando o expectável seria atalhar pela substituição do fragilizado governador. 

O polémico assunto dos e-mails trocados entre o anterior presidente da CGD e o atual ministro das Finanças acaba por ser abafado, temporariamente, com o surgimento de nova polémica. Esta dá-nos conta que, entre 2010 a 2014, teriam sido transferidos para offshores em paraísos fiscais valores aproximados a 4 mil milhões de euros / ano; em 2015 dispara para 8.885 milhões de euros. O atual secretário de estado dos Assuntos Fiscais – o tal que viajou para Paris, para ver o jogo Portugal – Hungria, no Campeonato Europeu de Futebol de 2016, a expensas da GALP, apesar de representar o estado português num conflito fiscal milionário com essa empresa, por esta recusar o pagamento de dois impostos com um valor total superior a 100 milhões de euros – deu indicação aos serviços de administração tributária para verificação das declarações entregues pelos bancos no portal da Autoridade Tributária (AT) e ter-se-á concluído que havia falhas no registo dos offshores, entre 2011 e 2015. Este facto originou que essa imensidão de dinheiro saísse do país, sem controlo nem o correspondente pagamento de impostos. Em audição parlamentar, ainda desresponsabilizou politicamente os governantes, dizendo que se terá tratado de um erro informático e deixou no ar a ideia de que não terá havido manipulação de informação para encobrir uma eventual fuga de capitais. É afirmado, publicamente, que estariam ocultas 97% das transferências financeiras para offshores do Panamá.

O secretário de estado dos Assuntos Fiscais do anterior governo, após esta descoberta, também em audição parlamentar, veio dizer que ocultou o facto para não alertar e, com isso, poder vir a beneficiar o infrator. Assumiu individualmente essa responsabilidade (coisa rara), acrescentando que “não há impostos perdidos nas transferências em causa” (coisa estranha) para, de seguida, ser elogiado pelo caráter (coisa bizarra) por uma deputada do CDS-PP, partido onde é membro da Comissão Política Nacional. Apressaram-se os habituais comentadores acreditados na matéria, instalados em determinados canais televisivos, a explicar da legalidade das operações e a minimizar esta ocorrência, retirando-lhe a carga política, atirando a responsabilidade para os técnicos que manuseiam os sistemas informáticos, manipulam a informação e fornecem, aos respetivos políticos em funções no setor, os dados trabalhados, que é suposto serem credíveis. Lembra-se que, por aquela altura havia a estratégia, incentivada pela troika, de “espremer” os portugueses da classe média-baixa e todos os que já possuíam baixos rendimentos, como sendo a única alternativa para resolver os problemas de insolvabilidade do país. 

O referido ex-membro do governo é advogado, especialista em direito fiscal, docente da disciplina de fiscalidade no “Mestrado em Direito e Gestão” promovido pela Nova School of Business and Economics, em Lisboa. É neste estabelecimento do ensino superior, e noutros similares, em cursos financiados, em parte, com dinheiro dos contribuintes, que se formam os reputados fiscalistas, a quem mais tarde é dada uma remuneração principesca pelo seu trabalho, tendo em vista ultrapassar os “podres” da legislação e permitir às empresas fugir aos impostos. Numa altura em que o atual governo, através de uma equipa de juristas da Presidência do Conselho de Ministros, está a procurar limpar a legislação desadequada à atualidade, tendo já sido encontradas 1500 leis obsoletas aprovadas entre 1974 e 1978, estará na hora de se deixar de encomendar legislação a conhecidos grupos de advogados associados que, com alguma promiscuidade na sua ligação a deputados, têm criado legislação com “buracos” e mais tarde assessorarem na solução. Entretanto, é confrangedor ver que não se usa os instrumentos da procura da incómoda verdade… enquanto passa incólume quem faz uso dos paraísos fiscais, por falta de mecanismos de troca de informação ou de vontade de exercer o controlo.

O ex-Dono Disto Tudo, do BES, no interrogatório judicial da Operação Marquês, terá referido que “só o diabo pode explicar coincidências das transferências para Bataglia e os negócios da PT [que leva dois importantes antigos gestores da PT a serem constituídos arguidos, por benefício próprio de muitos milhões]. Do Grupo Espírito Santo terá sido desviado 8 milhões de euros para umoffshore, em nome do ex-Dono Disto Tudo, havendo um comunicado dos seus advogados a referir que esta operação e “a tese de fortuna escondida (…) é pura ficção”.

Apesar do diabo ter sido queimado recentemente pelo Carnaval, quem sabe se, em Dia Mundial de Oração, não se justificará mesmo as orações a Todos os Santos, centradas num único objetivo – impedir que as raposas deixem de guardar os galinheiros –.

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