terça-feira, 20 de dezembro de 2016

UMA BOLA AQUI, OUTRA ACOLÁ...

ELISABETE SALRETA
Naquela rua a brincadeira não tinha hora marcada. Não havia moço ou moça que à bola não jogasse. Mas de tanto pontapé levar, muitas bolas ficavam perdidas dentro da folhagem dos arbustos vizinhos. Eles bem as procuravam, mas nem as suas cores garridas as denunciavam.

Era bola para cá, bola para lá, e nunca havia bolas que chegassem. Felizmente, naquela casa havia um bom fornecimento delas. Eram de todas as cores, sendo que as vermelhas eram as primeiras a ser escolhidas, e pelas quais as lutas se intensificavam.

Por vezes existia uma troca de palavras mais acesas e alguns amuos. Mas dali a pouco o jogo voltava a começar, a bola a rolar, e ninguém mais se lembrava do momento anterior.

Haviam os que amuavam durante um pouco mais de tempo, mas os demais faziam questão de fazer passar a bola, bem debaixo dos seus narizes, despertando o desejo de avançar e aquela bola voltar a perseguir.

A gritaria tomava conta do ar e algumas asneiras fugiam de bocas incautas, em direcção a um parceiro mais afoito que teimava em não cumprir as regras daquele jogo secreto. Secreto sim, porque só eles sabiam as regras daquele divertimento. Difícil de entender, não deixavam que intruso algum fizesse parte dele. Pertencia aquela rua, aquele grupo e aí de quem intentasse uma aproximação. Era capaz de a coisa ficar feia e resultar em uns arranhões aqui e ali.

Quem não gostava da brincadeira era a dona da casa 23, a quem cabia a árdua tarefa de recuperar todas as bolas perdidas e as guardar nos seus lugares. Refilava como ninguém de cada vez que a tarefa lhe competia e os petizes saiam de mansinho, escondendo-se onde conseguiam, não fosse a sua fúria sobrar para eles.

Mas era sempre uma diversão para o olhar, quando no dia seguinte, a rua voltava a encher-se de gritos, o barulho das bolas a correr, o seu bater nas paredes vizinhas e os vasos que muitas vezes calhava partirem-se, fruto de uma acrobacia mais radical. Com os gritos vinham os palavrões e os ralhos da mãe que por ali andava.

- Quero ver se tenho de ir com algum para o hospital, hoje. – Enquanto que entre dentes resmungava que se esquecera de comprar betadine.

Depois cansados recolhiam aos seus cantos e após uma refeição, dormiam a sesta como qualquer petiz em crescimento.

A mãe varria o palco destes encontros a preparar-se para o próximo. Também ela repunha as bolas de cores garridas na árvore de Natal uma e outra vez.

Até que os gatos da casa acordassem do seu sono de beleza, as retiravam da árvore e voltavam a jogar à bola com elas…

1 comentário:

  1. Helder Filipe da Silva Monteiro21 de dezembro de 2016 às 21:06

    Mais um artigo fantástico, desta feita à boa moda do Natal felino, onde sobressai o jogo das bolas vermelhas caídas da Árvore de Natal, desencadeando um festival magnífico. Digno de um Conto de Natal, lido e relido ao calor de uma fogueira! Parabéns à poetisa Elisabete Salreta!

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