domingo, 30 de outubro de 2016

A VIDA ALUCINADA QUE LEVAMOS E O SEU EFEITO NA FAMÍLIA

LÚCIA LOURENÇO
GONÇALVES
Os primeiros dezanove anos da minha vida, vivi-os numa terra pequena onde aos primeiros raios de sol, o doce chilrear dos pássaros entoava nos meus ouvidos, na época pouco sensibilizados para uma música tão perfeita!

Tive o privilégio de assistir a muitos nascer do sol na serra das Meadas e ao seu ocaso para lá do Marão. E que me lembre, nem lhe dava importância! Pudesse hoje voltar atrás e tiraria mais partido desses momentos tão livres, tão harmoniosos…

E achava que o tempo passava lento demais, tal era a pressa de crescer!

Entretanto a mudança para a cidade, revolucionou por completo a minha vida. A trabalhar e a estudar à noite, mal me sobrava tempo para respirar.

Contudo, habituei-me rapidamente e esse foi o ritmo normal da minha vida durante alguns anos.

Então, novos planos de vida levaram-me novamente para o dia-a-dia calmo, onde havia espaço para tudo… Até decidir que estava na hora de concretizar o projeto mais importante na vida de uma mulher: ser mãe!

Aí a correria passou novamente a níveis record: deixar o meu filho na Creche, correr para o trabalho… à tarde o mesmo percurso mas no sentido inverso. Foi de facto um período intenso em que os dias se sucediam a um ritmo alucinante.

A semana começava e terminava sem quase dar por isso, porém no meio de toda esta correria, sentia-me incompleta: o meu filho estava a ser criado por outras pessoas. As mesmas que, se calhar, ouviram as suas primeiras palavras, quiçá viram os seus primeiros passos…

No caso do meu filho mais velho, lembro-me de me sentir triste por outras pessoas (para quem esses pequenos pormenores nada dizem, porque apenas estavam a fazer o seu trabalho!) terem o privilégio de que eu sentia falta: conviviam com ele durante a maior parte das horas do dia.

A mim restava-me, o banho, o jantar e coloca-lo para dormir… E aí sim, nunca faltou aquela canção de ninar que ainda hoje ele se lembra! Aquela história que de tantas vezes ser contada, já a aldrabava… e ele dizia “Não, estás a ler mal, mãe!”.

O nascimento do segundo filho veio amenizar essa sensação… As tarefas duplicaram, mas a sensação de abandono já não era tão sentida, já me tinha habituado! Esta era a vida que podíamos ter, que fazer?

E as canções infantis passaram a ser entoadas para dois e as histórias escolhidas à vez… Momentos dedicados apenas a eles. Curtos, mas de qualidade!

O trabalho e a responsabilidade aumentou...E os anos voaram.

De repente tinham dez anos e, como felizmente, sempre residimos perto das escolas que frequentaram, passaram a ir diretos para casa no final das aulas. Pelo menos isso! O facto de poderem ir para casa e usufruírem da companhia um do outro no seu próprio ambiente, trouxe-me algum conforto e alguma liberdade. Afinal, após o trabalho já podia tratar de um ou outro assunto, porque os sabia em casa e em segurança.

E quase dezanove anos se passaram desde o nascimento do meu primeiro filho, e os horários laborais continuam incompatíveis com o convívio familiar em sentido lato, algo que continuo a lamentar.

E assim continuamos a juntar-nos apenas à hora do jantar e aos fins-de-semana. A hora das refeições continua a ser o principal ponto de encontro, onde tentamos pôr os assuntos em dia, principalmente os que aos meus filhos dizem respeito.

E apesar de muito orgulhosa dos filhos que tenho, por conta da divisão entre o trabalho e a família, sinto que perdi tanto do crescimento deles!

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