quinta-feira, 1 de setembro de 2016

MISÓGENIA CULTURAL OU MISÓGENIA POLITICA – DUAS FACES DA MESMA MOEDA

LUÍSA VAZ
Tem estado muito em voga a polémica do famoso “burkini”. As mulheres ocidentais conhecem quatro peças de vestuário balnear: o monoquíni, que lhes permite fazer topless, o biquíni, composto como o nome indica por duas peças, o triquini que liga a peça inferior e superior através de um bocado de tecido que pode cobrir na íntegra ou parcialmente a zona do abdómen feminino e por último o fato-de-banho composto por uma peça integral e normalmente usado por mulheres em idade um pouco mais avançada.

O Mundo Ocidental é tido como um espaço de debate e confronto de ideias tão livre quanto as convenções possam permitir e partimos do princípio de que desde que haja compostura, as mulheres são livres de exporem mais ou menos o seu corpo de acordo com a educação, a cultura, a visão do próprio corpo e outros factores que se prendem somente com a visão de si mesmas. Ora recentemente e devido não só aos refugiados que têm escolhido a Europa como destino mas também devido ao facto de ser normal encontrarmos muitos árabes por essa Europa fora, as mulheres muçulmanas dão-nos a conhecer uma nova peça de vestuário balnear – o burkini.

Ora e para começar, o que é o burkini? O burkini é uma peça integral com mangas de braços e pernas e que tapa completamente o corpo e a cabeça da mulher. A primeira questão que se me levanta é: se a ideia é apanhar Sol e morenar, como é que esta indumentária o permite? A segunda questão que se me aflora ao espírito é um pouco mais prosaica: podem as mulheres ocidentais fazer uso livre das zonas balneares árabes como fazem nos seus países?

A resposta a esta questão é simples, não! Tenho falado com várias pessoas, na sua maioria homens que me tentam fazer ver que ao querer a proibição do burkini estou a abdicar de um Direito que me é concedido pela sociedade ocidental: o de ser livre nas minhas escolhas respeitando as dos outros. De acordo com os meus interlocutores, ao não respeitar a indumentária árabe eu estou a abdicar desse pressuposto. Na minha visão feminina, e não feminista, recordo Simone de Beauvoir, uma Mulher que lutou por todas as outras e que foi percursora do Movimento Feminista. Imagino que neste momento esteja a dar voltas na campa…

A questão aqui é muito simples e à luz deste acontecimento, é claro que se me perguntarem se acho normal a dita senhora ser expulsa da praia onde estava por se apresentar naqueles trajes, a minha resposta é não. Poderia ser advertida quanto muito mas expulsa não. E é precisamente aqui que está o ponto. Nós, no mundo ocidental, somos suficientemente tolerantes para não ver a diferença como um inimigo mas o mesmo já não se pode dizer de quem é natural da sociedade oriental, em especial da árabe e o que relato a seguir é infelizmente uma prova disso mesmo: Uma notícia de 28 de Julho de 2015 dá conta de que uma jovem francesa tinha sido agredida por um grupo de mulheres muçulmanas por usar um biquíni num parque em França.Sou só eu que vejo o perigo e o absurdo desta situação? Então na nossa terra não podemos vestir o que queremos porque quem é de fora nos pretende impor uma nova forma de estar mais castradora e limitadora e nós temos que anuir às vontades dessa mesma sociedade retrógrada? Temos que aceitar a hijab, a burka, o burkini e tudo o mais quando na nossa terra somos acusadas de comportamentos imorais como foi esta jovem de 21 anos?

Se as mulheres muçulmanas pretendem continuar a ser escravizadas por uma sociedade machista e hipócrita que as trata como objectos e ainda as convence de que é para o seu próprio bem, que não respeita os seus corpos e as suas identidades escondendo-as atrás de tecidos grossos e nada favorecedores do corpo feminino, o problema é delas. Se a sociedade onde nascem, crescem e vivem está três séculos atrasada em relação ao resto do Mundo e elas nada fazem para mudar isso, o problema continua a ser delas. Agora, quererem vir mudar as mentalidades livres do Mundo Ocidental esperando colocar as nossas Mulheres no mesmo patamar de subserviência e obscurantismo, isso já passa a ser um problema meu também. Não vou exigir que as Mulheres árabes sejam livres mas vou revoltar-me se me quiserem manietar nas minhas liberdades de alguma forma.

Depois de ter conversado e ter escutado os meus interlocutores com toda a atenção, cheguei à conclusão que nunca poderemos ter algum tipo de ponto de concórdia nestas matérias. A razão para que isso aconteça é muito simples: os Homens nunca são castrados na sua Liberdade individual e como tal não sabem o que é sair do Continente Europeu para umas férias no recém-islamizado Egipto, por exemplo, e não poderem fazer praia, não poderem beber um copo ou sequer transitar de um ponto a outro em segurança não correndo o risco de serem violados, violentados de alguma forma ou insultados. E deste ponto de vista, eu entendo que eles moralmente defendam que cada um tem os seus direitos e que ninguém deve estar limitado no seu exercício.

Mas eu como Mulher livre e ser pensante questiono mais uma situação: Se eu optar por visitar um país árabe que não o Dubai ou o Qatar, eu sei quais são os preceitos que devo seguir, onde as minhas liberdades vão ser inexistentes e onde os ditames sociais vão imperar. Ora eu só vou se estiver disposta a abdicar das minhas Liberdades sociais, culturais e individuais. Partindo deste mesmo pressuposto, quando vêm para cá, estas senhoras não sabem ao que vêm? Mas porque é que eu tenho que aceitar e agradecer que me castrem e ao mesmo tempo dar-lhes toda a liberdade e espaço para manterem as suas tradições e pelo caminho insultarem as minhas e me imporem as delas?

Sendo que há todas estas diferenças culturais e de funcionamento social, o mais correcto seria eu, quando no território delas, cumprir com os pressupostos e elas cumprissem os nossos quando cá estão. Mas esta questão vai um pouco além do vestuário senão vejamos: “Daqui a pouco, se isto continua, vamos felicitar os islamitas que chicoteiam as vítimas porque é menos mau do que cortar-lhes a cabeça. «Uau, o chicote, que progresso! Pelo menos, podemos dizer que é mais humano do que a decapitação, não? O Estado Islâmico vai decididamente no bom caminho.» (In: Ana Cristina Pereira Leonardo) Outro exemplo da mudança dos tempos: Quando foi criado, o Movimento Feminista defendia todas as Mulheres e a sua Igualdade face aos Homens. O mesmo já não se passa hoje –“As feministas deviam condenar a uma só voz a misoginia islamita. Em vez disso, gastam o tempo e energia a justificar o injustificável, a pretexto de que a misoginia oriental (que é «cultural») é mais aceitável do que a misoginia ocidental (que, essa, é política). Hoje em dia dizemos que o burkini liberta.

Que diremos amanha?

Que a proibição de conduzir das sauditas as protege dos acidentes? “ (In Ana Cristina Pereira Leonardo)
Se o caso fosse ao contrário, “As feministas fariam este tipo de afirmações se fossem os extremistas católicos a obrigar as mulheres a cobrir-se para ir ao banho?” (In Ana Cristina Pereira Leonardo)

O cerne da questão é mesmo este, mais do que estarem em causa as Liberdades e Garantias individuais da Mulher, estamos perante uma questão política que confunde as duas realidades e é com isso que se deve ter cuidado. O extremar de posições entre as Direitas e as Esquerdas leva a este tipo de confronto e a esta misógenia onde se tenta tornar igual o que é diferente mas sempre partindo do pressuposto castrador.

Eu posso não conseguir mudar o Mundo mas podem estar certos de que não vou permitir que me castrem ou me impeçam de pensar pela minha cabeça. Se querem extremar posições então imponham a sua Lei no seu território e não no dos outros.

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