segunda-feira, 16 de maio de 2016

A HISTÓRIA DOS EUROPEUS DE FUTEBOL – FRANÇA 1984

DR UEFA
crónica de GONÇALO NOVAIS
Estreia portuguesa e romena na rota de França

Foi preciso esperar uns longos e penosos 24 anos para que finalmente Portugalinscrevesse o seu nome numa fase final de um campeonato europeu de futebol. A década de 80 trouxe consigo o emergir de uma sólida estrutura em plena afirmação na Europa – o FC Porto – que no mesmo ano de 1984 chegaria à final da Taça das Taças e três anos depois levaria de vencida o colosso Bayern de Munique na final da Taça dos Campeões Europeus. Porém, também neste período o Benfica chegaria a uma final da Taça UEFA em 1983, pelo que se pode dizer que, quando a “Geração de Ouro” estava prestes a entrar em acção, já grandes feitos estavam a ser conquistados pelas nossas equipas, e a preparar a afirmação desportiva de uma selecção que se traduziria numa presença permanente nos grandes palcos nos dias de hoje.

Num Grupo 2 que também contava com URSS, Polónia e Finlândia, foi a regularidade lusitana que acabou por definir o seu primeiro apuramento, uma vez que venceu cinco dos seus seis jogos, aproveitando o facto de os soviéticos terem empatado na Polónia, e assim terem conseguido menos uma vitória do que os portugueses. Todavia, o apuramento de Portugal apenas ficaria selado no último jogo do grupo, realizado a 13 de Novembro de 1983 no Estádio da Luz. A Portugal só a vitória interessava, até porque no confronto directo e no «goal-average» os soviéticos levavam clara vantagem, não sendo de menos importância realçar a goleada que os soviéticos impuseram a Portugal no Central Lenine (5-0). Acabaria por ser através de uma grande penalidade muito polémica que Jordão, perto do final do primeiro tempo, selaria a vitória que deu a Portugal o passaporte para a fase final, inédito na sua história.

A Roménia também acompanharia a nossa selecção na estreia absoluta em fases finais, apurando-se num grupo com Checoslováquia e Itália (que aliás fez uma qualificação desastrosa, conquistando apenas cinco pontos em oito jogos), e em que a Suécia também se mostrou competitiva, ficando no segundo lugar final. A grande figura dos romenos era o nosso bem conhecido László Boloni, à altura jogador do Targu Mures, numa equipa em que vários dos jogadores interessantes eram defesas – jogadores como Iorgulescu, Rednic, Andone, Ungureanu ou Stefanescu foram grandes responsáveis pela grande consistência defensiva que levou os romenos à primeira fase final da sua história. A derrota caseira (0-1) diante da Checoslováquia podia ter comprometido o sonho romeno, mas os quatro empates (e subsequente perda excessiva de pontos) dos checoslovacos, aliados à derrota dos mesmos na Suécia (0-1), afastou-os da discussão do primeiro lugar, que ficou resolvida nas duas vitórias romenas sobre os suecos (2-0 em Bucareste e 1-0 em terras suecas).

A Bélgica resolveu rapidamente a questão do primeiro lugar do Grupo 1, ganhando os seus quatro primeiros jogos e partindo para as duas últimas rondas com a qualificação praticamente garantida. Suíça, RDA e Escócia não tiveram argumentos para contrariar a superioridade dos belgas, onde se destacou a capacidade finalizadora dos seus já experientes avançados François van der Elst e Erwin Vandenbergh, e onde pontificavam no meio-campo Vercauteren (importante jogador do Anderlecht), ou Eric Gerets e Ludo Coeck (ambos a jogar nos colossos milaneses, mais concretamente no AC Milan e Inter respectivamente).

Ainda faltavam oito anos para inscrever o país num dos momentos mais marcantes da história dos campeonatos europeus, mas já na campanha de 1984 a Dinamarca não enjeitou a possibilidade de afastar surpreendentemente a poderosa selecção da Inglaterra, à altura orientada por Bobby Robson. O dia 21 de Setembro de 1983 em Londres foi a data onde um penalty convertido por Simonsen deu origem ao único golo da partida, que contra o esperado impulsionou a Dinamarca para o apuramento final, consolidado por uma goleada ao Luxemburgo (6-0) e uma vitória na Grécia (2-0). O seleccionador da Dinamarca entre 2000 e 2015 Morten Olsen era um experiente e importante defesa nesta equipa de 1984, bem como Allan Simonsen, autor do importante golo em Inglaterra. Numa equipa em que muitos jogadores já jogavam fora do seu país, despontavam também jovens de muito potencial, como Jesper Olsen (Ajax) ou o tão bem conhecido Michael Laudrup (Lázio).

Sem ter convencido, particularmente no sector defensivo, a Jugoslávia conseguiu ultrapassar um grupo não muito complicado, em que também se encontravam País de Gales, Bulgária e Noruega. O jogador do Paris Saint-Germain Safet Susic foi a principal figura de uma campanha atribulada, na qual a Jugoslávia apenas levou de vencida metade dos seus desafios.

No Grupo 6, duas derrotas da RFA diante da Irlanda do Norte quase levavam os norte-irlandeses de Martin O’Neill (actual seleccionador da vizinha República da Irlanda) a estrearem-se num Europeu antes de 2016. Contando, além de O’Neill, com jogadores de grande qualidade como o jovem avançado do Manchester United Norman Whiteside ou o igualmente jovem avançado Ian Stewart, em destaque no Queens Park Rangers, a selecção norte-irlandesa era das mais competitivas do Mundo, tendo a comprová-lo dois apuramentos consecutivos para Mundiais (em 1982 e passados dois anos deste Europeu, no México’86). O problema foi o facto de ter conseguido fazer o mais difícil (conquistar quatro pontos à RFA não é tarefa propriamente ao alcance mesmo de equipas de excelência), e de ter perdido pontos na Áustria, Turquia e Albânia, em todos os casos em jogos fora de portas. A RFA não perdoou a irregularidade irlandesa, contando por vitórias cinco dos seis jogos contra os outros opositores, tendo apenas empatado em casa dos austríacos. Tendo acabado RFA e Irlanda do Norte com os mesmos pontos no final do grupo, qualificam-se os alemães por causa do seu melhor «goal-average». Assim consegue passaporte para França uma equipa que tinha em Rummenigge, Rudi Voller, Lothar Matthaus ou Bernd Schuster algumas das suas mais importantes figuras.

O Grupo 7 foi marcado pelo embate entre duas equipas que mereciam estar ambas na fase final. Na Holanda Willy van de Kerkhof ou Dirk Schoenaker iam orientando o emergir de Ronald Koeman, Marco van Basten ou Ruud Gullitt, que seriam tão importantes para a selecção “laranja” nos anos vindouros. Mas foi a veia goleadora do avançado do Real Madrid Santillana, da estrela do Bétis Poli Rincón e do defesa do Gijón Antonio Maceda que conduziu a forte equipa da Espanha. Tendo acabado com os mesmos pontos e idêntico «goal-average», qualificaram-se os espanhóis por terem mais golos marcados.

A conquista que Platini inspirou

Foram sete as cidades que acolheram as oito selecções participantes na fase final. Paris, Lyon, Marselha, Saint-Etiénne, Estrasburgo, Lens e Nantes acolheram os jogos de uma fase final que decorreu entre 12 e 27 de Junho de 1984.

Antes de descrever os acontecimentos dos grupos, dizer que a fase final contemplava na mesma dois grupos de quatro equipas, mas passavam os dois primeiros de cada grupo às meias-finais, uma novidade em relação à edição anterior.

No Grupo A, o “Carré Magique” (quadrado mágico) da França, formado pelo médio-defensivo de excelência Luis Fernandez, e pelos três médios ofensivos de grande categoria como Jean Tigana, Alain Giresse e Michel Platini, começou logo a fazer estragos na primeira jornada, com Platini a bater Ole Qvist apenas aos 78’, depois de uma boa exibição da defesa da Dinamarca ao longo da partida. No outro jogo Vandenbergh e Georges Grun começaram a cavar, com um golo cada um, a “sepultura” da Jugoslávia, que ficou completa com a goleada sofrida perante os dinamarqueses na segunda ronda (0-5), onde Elkjar-Larsen, Klaus Berggreen e Frank Arnesen realizaram exibições positivas. Um 5-0 foi também o receituário aplicado pela França à Bélgica, com Platini a exibir a sua capacidade criativa e a sua grande veia goleadora, com o seu primeiro «hat-trick» na prova, cabendo a dois dos seus colegas do “quadrado mágico”, Alain Giresse e Luis Fernandez, a marcação dos restantes dois golos.

Em Saint-Etiénne, perante quase 46.000 espectadores, os franceses ainda se viram surpreendidos quando o jugoslavo Milos Sestic inaugurou o marcador aos 32’. É então que entra em cena Platini, que com novo «hat-trick» promove a reviravolta no marcador, tendo ainda a Jugoslávia reduzido aos 84’, através da conversão de uma grande penalidade por Dragan Stojkovic. A outra vaga para as meias-finais seria ocupada pela Dinamarca que, novamente graças a um sector defensivo consistente e à sua capacidade de desequilíbrio na frente através de homens como Arnesen ou Elkjaer-Larsen, conseguiu derrotar a experiente selecção belga (3-2) e assim garantir o segundo lugar final.

No Grupo B, o dia 14 de Junho de 1984 fica marcado pelo primeiro jogo de sempre de Portugal na fase final de um Europeu. O adversário seria a RFA, com Rummenigge, Voller e Allofs a titulares, em jogo disputado na cidade de Estrasburgo. O resultado foi um fantástico empate a zero, ainda para mais tendo em conta a capacidade manifestada por Portugal para neutralizar o poderio ofensivo dos alemães. Para a história fica o primeiro onze de sempre de Portugal na fase final de um Europeu de futebol:

Portugal: Bento; João Pinto, Lima Pereira, Eurico Gomes e Álvaro Magalhães; Carlos Manuel, Sousa, Frasco e Jaime Pacheco; Chalana e Jordão.

Jogaram ainda: Veloso e Gomes.

Treinador: Fernando Cabrita.

O outro jogo previa-se como sendo um confronto entre uma equipa de grande poder ofensivo, a Espanha, e uma Roménia que trazia a França uma equipa bem organizada defensivamente, tendo em Boloni uma grande “pitada” de talento que dotava a equipa de alguma capacidade de desequilíbrio mais à frente. O empate final (1-1) foi o primeiro sinal de que a Roménia ia querer ter uma palavra a dizer nas contas do grupo no respeitante à tentativa de conseguir a qualificação.

A vida para os romenos complicou-se, no entanto, na segunda jornada, com a sua derrota (1-2) diante da poderosa RFA, com Voller em grande destaque ao apontar os dois golos da turma germânica. Porém, o empate extraordinário de Portugal diante da fortíssima Espanha (1-1) deixa tudo em aberto para todas as equipas, apesar de ter sabido a pouco para os portugueses, que até estiveram na frente do marcador por força de um golo de Sousa, aos 52’. No entanto Santillana restabeleceria a igualdade aos 73’, e adiaria as decisões para a última jornada.

Na derradeira ronda as equipas ibéricas garantiram o apuramento para as meias-finais, com a Espanha, num jogo dramático contra a RFA, a assegurar a qualificação graças a um golo solitário de Antonio Maceda aos 90’, isto já depois de Schumacher ter defendido uma grande penalidade convertida por Francisco Carrasco aos 44’.

No outro jogo, em Nantes, aos 80’ um ressalto ofensivo aproveitado por Sousa na sequência de um pontapé de canto, resulta num cruzamento para Nené, que isolado desfere um potente remate na grande-área, sem hipótese para Moraru. Grande e merecida festa para Portugal, que chega às meias-finais na sua estreia num campeonato europeu.

Nas meias-finais entre Espanha e Dinamarca, Antonio Maceda voltou a ser o “abono de família” da selecção espanhola, ao igualar uma partida em que Soren Lerby tinha aberto a contagem a favor dos dinamarqueses. Num jogo de alguma desinspiração da parte dos espanhóis, e em que o influente médio Klaus Berggreen foi expulso durante o prolongamento, só nas grandes penalidades se desfez a igualdade, com Elkjaer-Larsen a falhar o quinto e decisivo penalty. Espanha ganha 5-4 e apura-se para a final.

Na outra meia-final, só uma grande exibição de Bento ajudou a que o absoluto domínio da França não resolvesse a contenda no final do tempo regulamentar. Só que a falta de aproveitamento dos franceses (excepção feita ao golo de Domergue no primeiro tempo) permitiu a Portugal levar o jogo para prolongamento, com Jordão a responder da melhor maneira a um cruzamento de Chalana. No prolongamento o Vélodrome foi silenciado pela “cambalhota” portuguesa, com Chalana a cruzar para Jordão marcar aos 98’. Só na segunda parte é que a França traduziu o seu domínio com golos, repondo Domergue a igualdade, para Platini evitar a ida a penalties com um golo aos 119’.

Não havendo desta feita o jogo de atribuição do 3º e 4º lugar, só faltava realizar a grande final em Paris, no Parque dos Príncipes, entre França e Espanha. Num jogo de grande equilíbrio, foi preciso um erro clamoroso do guardião espanhol Luis Arconada, para que o livre de Platini resultasse no primeiro golo da final. A expulsão do francês Yvon Le Roux aos 85’ não impediu a França de, num rápido contra-ataque, marcar o segundo e decisivo golo, com Bellone a concretizar da melhor maneira um passe primoroso de Tigana, deixando assim o troféu em casa.

Nota: Este artigo foi realizado graças à informação facultada publicamente pela UEFA, no seu site oficial.

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