sábado, 5 de dezembro de 2015

SER VOLUNTÁRIO, SER SOLIDÁRIO

JORGE NUNO
Esta é a minha 24.ª crónica quinzenal, prestes a cumprir-se um ano de colaboração voluntária com a BIRD. É curioso o facto de eu não sentir falta de tema, sempre que me coloco em frente ao meu PC, mesmo que parta sem tema, como acontece tantas vezes. Desta vez, poderia: brincar com a desconfortável azia provocada pela mudança nas cadeiras do poder em Portugal, com as tão apregoadas “costas do povo” e com a “inevitabilidade de se aceitar a dura realidade dos factos”; ironizar com os discursos dos líderes dos países mais poluidores do planeta, em plena Cimeira do Clima, em Paris e que, com alguma hipocrisia, tentam demonstrar preocupação com as alterações climáticas e com a dificuldade em encontrar estratégias a adotar, na mesma altura em que têm aviões dos seus países a bombardear, intensamente, poços e refinarias petrolíferas, paióis de munições e outros alvos suscetíveis de causar graves danos ambientais; ou outro tema, bem mais agradável, como realçar e louvar as políticas do reino do Butão, designado como o “reino da felicidade”, que faz deste pequeno país, a leste dos Himalaias, o menos poluente na Terra, a fazer-me lembrar o personagem central do meu romance As Animadas Tertúlias de Um Homem Inquieto – o Filó – com os seus comentários junto de amigos, a propósito do Butão (quando, provavelmente, esse rol de amigos até desconhecia que houvesse um país com este nome): “(…) o rei declarou que a política do reino deve estar ligada ao bem-estar das pessoas e, neste país, parecem levar muito a sério a ‘felicidade interna bruta’, que será tão importante como o PIB, onde a economia e o crescimento económico é apenas uma parte da equação. Cá, fica-se com a ideia que só interessam os números, consolidação de orçamentos, estatísticas, rácios financeiros… as pessoas são completamente esquecidas. Vive-se numa era de capitalismo desumano… sem compaixão (…)”.

Como facilmente se vê, haveria aqui muita matéria-prima para escrever esta crónica e, com exceção das partes mais sérias, acredito que até seria possível fazer soltar uns sorrisos, sempre bem-vindos, para adoçar a vida. Mas não. Intimamente, prefiro abordar o voluntariado e a sua importância na sociedade, mesmo conhecedor do risco de banalização da comemoração “imposta”, com natureza diversa, dia após dia e ao longo de todo o ano, como chamada de atenção para determinado assunto ou problema. É que hoje está a decorrer o Dia Internacional do Voluntário, dia que foi instituído pela ONU em 1985, com o objetivo de “fazer com que, ao redor do mundo, sejam promovidas ações de voluntariado em todas as esferas da sociedade”. Segundo o dicionário – que consulto frequentemente –, a palavra “voluntário” significa: “que se faz de livre vontade” (…) “que procede espontaneamente” (…) “pessoa que se compromete a cumprir determinada tarefa ou função sem ser obrigada a isso”. Para a ONU, “o voluntário é o jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem-estar social, ou outros campos (…)”. Resumidamente, é dito e sabido que “os voluntários são pessoas ou grupos que, sem remuneração, ajudam a melhorar a qualidade de vida do planeta. Dedicam parte da sua vida para ajudar a resolver problemas da sua região, indivíduos que se sensibilizam com as causas sociais e estão dispostos a dar alegria, carinho e amor para quem está a precisar de apenas sorrir”.
Relacionado com o voluntariado, a ONU, no ano 2000, estabeleceu 8 objetivos do milénio:
1 – erradicar a extrema pobreza e a fome;
2 – atingir o ensino básico universal;
3 – promover a igualdade entre sexos e a autonomia das mulheres;
4 – reduzir a mortalidade infantil;
5 – melhorar a saúde materna;
6 - combater o HIV, a malária e outras doenças;
7 – garantir a sustentabilidade ambiental;
8 – estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.
Recomendava Osho (filósofo oriental): “Use as suas energias para tornar um mundo mais belo, mais poético e mais saudável”. Os voluntários enquadram-se nesta filosofia de vida. É evidente que nem é necessário ter elevadas qualificações, pois qualquer pessoa pode ser voluntária. Numa breve retrospetiva, constatei que mais de metade da minha vida exerci voluntariado no associativismo, particularmente no juvenil, com promoção sistemática de atividades e eventos culturais e desportivos, culminado com as minhas funções docentes numa universidade sénior. Nestas funções, tenho consciência que, com dedicação e criatividade, doei energia e contribuí, com o meu entusiasmo e algumas capacidades, para que pessoas seniores procurassem não falhar aqueles momentos, que valorizavam. Como retorno, tive a sensação de uma experiência gratificante e enriquecedora, devido à influência positiva no contacto humano e na partilha do conhecimento, que fez realçar o valor da amizade e o interesse da socialização, o que me deu uma enorme satisfação pessoal, reforçada pela reconhecida utilidade social de esta atividade.

Li, algures, que “o primeiro passo para a cidadania plena é o compromisso com o voluntariado” e, in Cadernos de Lanzarote [1995], de José Saramago, com a acutilância que lhe era conhecida: “Creio no direito à solidariedade e no dever de ser solidário. Creio que não há nenhuma incompatibilidade entre a firmeza dos valores próprios e o respeito pelos valores alheios. Somos todos feitos da mesma carne sofrente. Mas também creio que ainda nos falta muito para chegarmos a ser verdadeiramente humanos. Se o seremos alguma vez (…)”.

O meu lado humanista e poético leva-me a acreditar nos homens de boa vontade como forma de transformar a sociedade, começando pela ajuda desinteressada ao próximo. O meu “bem-haja” a todos aqueles que dedicam algumas horas semanais com gestos de cidadania ativa, sem estar à espera de algo em troca.

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