sábado, 19 de dezembro de 2015

ETERNAS COBOIADAS



JORGE NUNO
Mesmo no final dos anos 60, no salão de baile de uma coletividade nos arredores da cidade de Coimbra, enquanto no palco o grupo musical (de que eu fazia parte) proporcionava uns momentos de descontração, através da dança, reparei que se tinha gerado uma enorme confusão, com empurrões e alguns socos, a que se juntou mais uns quantos “pugilistas” de ocasião, não para separar aqueles dois jovens engalfinhados pelas emoções (leia-se ciúmes) e algum álcool, mas sim para “ajudar à festa”. Com olhares cúmplices e alguns acenos de cabeça, acabámos de imediato aquele slow, para desagrado dos casais que se queriam manter agarradinhos. Quando era suposto aproveitar-se a ocasião para um apelo à ordem na sala, com recurso a um dos microfones, iniciei, sozinho, com a minha irreverência ou falta de sensatez, o tema de abertura de Bonanza – a popular série de televisão, de cowboys, com personagens simpáticas, onde predominava a lei do oeste –. De imediato, acompanharam-me os restantes membros do grupo, mesmo sem qualquer ensaio. Sinceramente, nunca vi uma briga acabar tão rápido! O problema foi a sala em peso ficar a protestar contra os músicos, mas isso resolveu-se bem com… outro slow. Se dúvidas houvesse, ficou provado que a música tem um efeito benéfico no comportamento das pessoas.

Mas lembro-me de muitas outras coboiadas – de outra índole –, e desta vez bem mais recentes, que passo a relatar.

Registo duas ocorrências no parlamento de Taiwan, em 2013, e com a diferença de dois meses, em que houve lutas violentas e imperava a força muscular dos socos e pontapés, denotando conhecimento de artes marciais, sempre com o envolvimento de deputados apoiantes do partido do governo e deputados dos três partidos da oposição. Uma, por causa da votação que daria lugar a um referendo que permitiria a construção da quarta central nuclear na ilha e, outra, ao pretender-se “mexer” numa taxa sobre transações comerciais, aprovada um ano antes.

No Knesset, parlamento israelita, tendo sete partidos com assento parlamentar, entre trabalhistas, sociais-democratas, ultranacionalistas (2) e árabes (3), o ambiente é permanentemente escaldante, embora me tenham dito – quando estive em Jerusalém, no exterior do edifício – que era o lugar mais frio do planeta, por ter “120 [deputados] abaixo do zero”! Motivações não faltam para posições extremadas e imagine-se o que foi, em 2014, o debate até à aprovação da “Lei da Governabilidade”, que como o próprio nome indica, visa contribuir para a governabilidade do país, e exige um maior número de votos para que um partido participe no “jogo político”, ficando também a ideia de haver a intenção de prejudicar as três formações políticas que representam os cidadãos árabes (a menos que se unissem).

No parlamento japonês, em 17 de setembro de 2015, também houve perda de compostura. Os deputados da oposição tentaram impedir, pela força braçal, a aprovação de um projeto de lei que permitiria ao país, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, enviar tropas para conflitos armados no exterior, deixando de ter uma Constituição pacifista. Esta sessão, com o propósito da oposição poder defender o ideal pacifista, foi tudo… menos pacífica.

No Brasil, em 10 de dezembro de 2015, houve “cenas tristes” com deputados, pasme-se, do Conselho de Ética, a gerar muita confusão, com muitos empurrões [há quem diga, alguns tabefes], como forma de defender ou impedir o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, até ao seu julgamento [terá sido apanhado no caso Lava Jato, com indícios de corrupção e lavagem de dinheiro, à data de 20 de agosto de 2015]. Nem valeu o apelo do presidente do Conselho para que os deputados se comportassem com moderação e ainda mais por se estar no Conselho de Ética. Como se isto não bastasse, o deputado Manoel Júnior, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, pelo Rio de Janeiro, terá alegado em defesa de Eduardo Cunha: “Gostaria de saber quem foi a cabeça iluminada que pensou nisso [o afastamento]. Se foi por ter processo no Supremo, mais de 150 parlamentares teriam que ser afastados”. Agora sou eu que digo: “Valeu, meu irmão!”. 

No parlamento do Kosovo, a oposição assegurada pelo partido Vetëvendosje [Autodeterminação] liderou (e lidera) o movimento de protesto para “exigir a renúncia dos acordos sobre a normalização das relações com a Sérvia”, pois querem que a independência unilateral, proclamada em 2008, seja uma realidade aceite pela Sérvia, assim como também exige o fim do acordo, concluído este ano com o Montenegro, acerca das fronteiras de ambos os territórios. Assim, como forma de bloquear os trabalhos do parlamento kosovar, por diversas vezes, deputados da oposição lançaram gás lacrimogéneo, ovos e usaram apitos para impedir o normal funcionamento das sessões. Em 14 de dezembro de 2015, um parlamentar voltou a introduzir e a despoletar uma granada de gás lacrimogéneo no parlamento, forçando, mais uma vez, a interrupção dos trabalhos.

No parlamento da Ucrânia, em 15 de dezembro de 2015, registaram-se cenas de pancadaria entre deputados apoiantes do primeiro-ministro e apoiantes de Poroshenko [presidente da Ucrânia]. O primeiro-ministro foi interrompido por um deputado da oposição, que lhe levou um ramo de flores, agarrou nele e retirou-o à força do púlpito do parlamento. Claro, seguiram-se os habituais empurrões, murros e até puxões de cabelo (de que o primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk se livrou… por ser careca!). Sobre este caso fica a ideia: “ Se alguém te oferecer flores, é porque te quer levar ao colo!”.

Bem… todos estes relatos fazem com que os deputados portugueses pareçam uns piegas, copinhos de leite, em que o maior desconforto atual será a azia de alguns, já que parece não haver dúvidas quanto à manifesta indiferença com que ouviram os comentários do Paulo Morais, na qualidade de candidato à presidência da República, a prometer que irá forçar o parlamento a legislar sobre a corrupção e a dizer que o maior antro de corrupção no país é a própria Assembleia da República (AR). Mas se alguma vez as coisas azedarem, der mesmo para o torto, e os deputados acharem por bem resolver as divergências à trolhada, então a AR deverá ter um impecável sistema de som, sem falhas, para que de imediato se possa fazer ecoar o tema da série Bonanza. Pensando melhor, porque há um número apreciável de deputados jovens (nascidos muitos anos depois da série ter terminado), e até para aprenderem como custa engolir mentiras, deverá ser anunciada a banda Xutos e Pontapés, para ficarem com as antenas no ar, e ser passada a canção Só à Estalada, da Ruth Marlene. Será gratificante ver como os ânimos serenam logo!

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