quinta-feira, 4 de junho de 2015

POETA E POESIA

ANABELA BORGES 
Há muito poeta e pouca poesia.

Há muito quem se diga poeta, com todas as letrinhas, sem nunca ter lido um livro do princípio ao fim. Há mais poetas que leitores? Pois que assim seja, se assim o desejarem ser.
Seja poeta quem quer! Seja!

Ninguém é alguém para dizer quem pode ser poeta ou não ser. Eu até acho que há gente que é poeta sem o saber.
Talvez seja como os ladrões, como disse António Aleixo: “[...] há muitos que eu conheço / Que não parecendo o que são, / São aquilo que eu pareço”.

Agora, POESIA… poesia é outra coisa. Será. Mas eu não sei dizê-la. Sabeis vós? A poesia é redonda e aberta, inteira e infinita.
É talvez como diz Sophia, no conto Os Três Reis do Oriente: “um justo acordo de palavras, um equilíbrio de sílabas, um peso denso, o esplendor da linguagem, um tecido compacto e sem falha que apenas fala de si próprio e, como um círculo, define o seu próprio espaço e nele nenhuma coisa mais pode habitar. O poema não significa, o poema cria.”
O poema vale por si, é uma história. Mas abre portas sem fim.
Como isto que eu escrevi. Assim:
O dia nasce de cinzas
e silêncios
que, devagar, se fazem rumores da cidade,
ao longe.

[…]
Cinza quase tudo,
numa frescura de orvalhos melosos,
pingados em lentos desembaraços.
Desembaraça-se o dia,
soltam-se as amarras dos braços.

Pois. E quem disse que isto era P O E S I A ?
Ó, aflitinhos de nada! Julgais-vos sabedores de tudo. Nada sabeis.
Também Miguel Torga assim dizia:
A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento
[…]”.
Ah, pois. Este foi O Poeta quem o escreveu, dizeis.
Ó, ímpios! Mas julgais vós que o poeta é que dá nome à poesia? Mas quão enganados andais! A poesia dá nomes ao poeta! Essa é, pela certa, a pureza do poema: pegar no verbo, limpo e tosco; olhá-lo de todos os ângulos, ou de um apenas.

Por causa das coisas fui perguntar aos mais jovens. Perguntai-lhes e vede. Ide. Ouvi-os! Eles têm a alma imaculada. Sabem dizê-lo melhor, e sem pudor.
Perguntei ao Pedro e ao João, à Ana, à Inês, à Ariana, ao Lucas, à Diana, à Francisca, à Beatriz. E eles disseram assim:
“Uma parte de mim: como um texto com aspas, no início, e sem fim”;
“Sonhar como uma criança”;
“Pensamento livre”;
“Como a Natureza: bela e imprevisível”;
“Como um sonho, onde nada é impossível”;
“Ter vontade de voar”;
“Navegar em muitas águas”;
“O jogo das palavras”;
“Expressão da alma”;
“Vida eterna”.

Também o meu Pascoaes. Peço desculpa, nosso. Já pedi desculpa: nosso. Também ele gritou à sombra:
Ah, dize-me a palavra derradeira;
A mágica palavra, que tem sido
Um pálido murmúrio imperceptível,
Um reflexo de voz, indefinido,
Mais um silêncio vivo e deslumbrado,
Na boca dos profetas e dos santos...
E sussurro mecânico e pesado,
Na boca seca e árida dos sábios...

E os jovens a quem perguntei “O que é POETA? O que é POESIA?” – pegai lá:
“Azul escrito num horizonte infinito”.

E isto tudo sem absolutos, num pano de fundo com a eterna Sophia a repetir: “Num poema não devemos buscar sentido, pois o poema é ele próprio seu próprio sentido. Assim o sentido de uma rosa é essa própria rosa”.
O mundo.


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