quinta-feira, 7 de maio de 2015

NEPAL EM MAIO

ANABELA BORGES 
“Em Maio, comem-se as cerejas ao borralho”. 

Esperemos que não, que o tempo cinzento já vai mais que muito, e já atrasa o crescimento das alfaces no quintal e o despertar dos botões de rosa no jardim, e deixou carecas as mirradas tulipas que se atreveram a espreitar a luz ao mundo. Por esta altura, é costume já ter despontado a primeira rosa branca para oferecer à Mãe no dia da mãe. Não há rosas ainda. Só há folhas no roseiral, sem botões, na falta de sol. E espinhos. Há sempre espinhos.

Esperemos que não, que o mundo vai frio e vazio. Doente. E não está a ser um frio fácil de suportar.

Colocamos agora o nosso pensamento sobre as vítimas do terramoto no Nepal. Katmandu é tão longe. Longe. As imagens chegam-nos distantes, tão próximas de nós no ecrã, a transformar o flagelo em mais uma notícia. O nosso pensamento não consegue chegar verdadeiramente lá. Em pensamento, não chegamos aos locais doentes do mundo. Os nossos olhos, muito menos. 

Estamos doentes nós. Estão doentes os nossos olhos. E não vemos. 

E transformam-se as tragédias dos outros em lamentos nossos, passageiros como sopros de outras tragédias que, inevitavelmente, sucedem a esta. Umas atrás das outras, as tragédias. Lamentámo-las e pronto. O lamento está-nos na alma como um canto cigano arrastado. Um sopro. E é com lamentos que seguimos em frente com as nossas vidinhas. 

O mundo não é, verdadeiramente, um lugar humanizado. Ajudar o próximo é prioridade de um pouco punhado de gente. Não estamos realmente em equilíbrio, seres vivos, entre nós. E harmonia, damo-nos por felizes quando a encontramos no ínfimo redor de nós, num círculo pequenino que, andando em círculo, não nos ultrapassa as pontas dos dedos. Esses dedos que trazemos incertos como pétalas finas de um fino mal-me-quer. 

Seguimos, incertos, na nossa frágil condição de não saber SER. 
E a rosa branca para dar à Mãe, que não vem? E o beijo? 
Adiamos também essa primavera da Primavera que não vem?
*“Maio, maduro Maio”, Zeca Afonso.

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