domingo, 15 de fevereiro de 2015

CONTIGO

MIGUEL GOMES
Olho várias vezes para as minhas mãos, questionando-as.
Não sei se da preguiça ou por parte do cansaço, há sempre um medo do que serão capazes de fazer, de olhar. 

E olhar, que me leva para dentro de ti, traz um misto de vidas iguais em vidas diferentes.
São tantos os momentos de tangência, que fico sem saber ou discernir, qual a sobrevivência que vivo.
Anima-me pensar (acto de ser igual a uma imagem) que, de facto, pouco há a compreender da vida.
Afinal, o caleidoscópio por onde espreito a luz é apenas a face de um dodecaedro.
E eu, que gosto de matemática, fico feliz com isto.

No meio de todo o silêncio faz-me falta serenar, estar a sentir o vento (e por falar nisto, roí-me de inveja do senhor que conduzia um tractor, no meu caminho de casa, com menos um farol, um arado a deitar terra na estrada, o cigarro apagado no canto da boca, uma mão a segurar as abas do casaco junto ao pescoço e outra no volante) e deixar-me falar com o vazio. 

Curioso como quando estou sozinho, sem nada, no nada é quando me encontro com tudo. 
Até Contigo.

Por vezes é algo em mim. 
Não sei.
Sei sim. 
É em mim. 
A vontade de pura e simplesmente deixar tudo, ou deixar-me de tudo ou, vá lá, tudo se deixar de mim. 
Partir. 
De viagem e de estilhaço. 
Ser, mas sem ser. 
Estou a meio caminho de dois destinos e, talvez por isso, não chegue a nenhum.
Tenho todas as curvas do mundo e, mesmo assim, não há direcção que me tome nem ziguezaguear que não me contorne.
Nem te cheguei a ver e, no entanto, na tua ausência, é como se nunca me soubesse ter.

Existe o irreal. 
Pelo menos em mim. 
Que não existo. 
E é assim, irrealmente, que me deito todos os dias. 
Sem eira nem beira. 
Sem pontuação que me diga onde terminar ou, pelo menos, uma pausa, uma pequena vírgula, qualquer coisa. 

Há sempre um amanhã que não conheceu um ontem, um monte de palavras ao monte, que nunca, mas mesmo nunca, escreverei ou declamarei, um por não saber declamar, outro por não saber escrever. 
Apenas respirar. 

O que existe e o que não existe. 
E eu acho que existe o irreal, apenas ele, ou ela, um momento e um toque, um corpo que passa pelo outro e duas almas que se conhecem, ou não. 

Acho que existe apenas o irreal, apenas porque ninguém conta com ele, nada se espera do que não existe, como se não existissem saudades do que nunca se conheceu. 
E, na verdade vos digo, é saudade que dói mais. 
Porque não existe.

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