sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

BEBÉ DO ANO

GABRIEL VILA BOAS
Desde que me conheço verifico que não é só o Natal que tem as suas tradições, pois o primeiro dia de Janeiro, esse ícone do otimismo instantâneo, sorrisos e determinações resolutas, também ganhou direito às suas tradições: banho de mar em Carcavelos, aumento de preços ligeiramente acima da inflação, corrida ao bebé do ano. 

Ano após ano, aquele jornal que quase todos lêem envergonhadamente reserva um lugar de destaque na primeira página para o primeiro rebento do ano. Este ano foi ligeiramente diferente… O bebé do ano é uma criança abandonada numa vala, muito perto dum colégio de freiras, em Setúbal, dentro duma cesta. A criança não teve muito tempo ao relento porque um homem a encontrou e logo chamou a polícia que tratou de a colocar no Centro Hospitalar mais próximo.

A notícia chocou-me e revoltou-me! Como é possível alguém colocar um bebé de horas no cadafalso, à espera da misericórdia da sorte? Será que aquela “pessoa” (mãe, familiar ou simplesmente amiga dos pais) não vislumbrou o sofrimento cruel que infligiria àquela criança? Entregou-a à morte e desafiou Deus a salvá-la!

Não me parece muito justo pensar que o fez em desespero absoluto, pois teve várias hipóteses para solucionar o “seu problema” doutro modo. Podia não ter assumido a gravidez que a lei e o hospital a acolheriam discretamente; podia ter tratado de encontrar alguém que temporariamente tratasse do seu bebé até que as difíceis circunstâncias da sua vida se alterassem; podia ter tocado à campainha do colégio de freiras, que acolhe crianças abandonadas há 65 anos, pedindo que lhe ficassem com a criança… Podia não ter tido aquela atitude abominável, mas teve!

Não acho que haja causas sociais que justifiquem tal acto. Se não queria ser mãe daquela criança, não era! Ser mãe é algo de maravilhoso e grandioso, que torna a mulher mais feliz e mais completa. Aceito que nem todas pensem desse modo, que muitas tenham medo, que haja quem não goste de crianças, mas não tolero que haja alguém que faça isto a um ser humano.

Será um crime que passará impune, pois a adoção acontecerá em semanas; a mãe não reclamará a criança, de que é absolutamente indigna, e o Correio da Manhã irá farejar notícias para outro lado.

Este bebé encontrará em breve uma mãe, um pai e talvez até irmãos. Ele é o meu bebé do ano. Sorrio ao imaginar o seu olhar doce e inocente e agradeço a Deus e ao destino este presente de Natal que teve de chegar atrasado.

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