sexta-feira, 24 de outubro de 2014

VOANDO SOBRE UM NINHO DE CUCO

GABRIEL VILAS BOAS
DR
Há cinco dias, terminou em Roma o Sínodo dos Bispos, que entre vários assuntos discutiu dois temas
polémicos, por proposta do Papa Francisco: a aceitação dos homossexuais assumidos dentro da Igreja e a possibilidade dos divorciados acederem de novo ao sacramento do matrimónio, ou seja, permitir que um divorciado voltasse a casar pela Igreja. O Papa Francisco determinou que qualquer decisão/recomendação fosse aprovada por maioria qualificada, ou seja, de dois terços. O sínodo é composto por perto de 200 bispos.

Foi uma estrondosa derrota do Papa Francisco. Não há outra maneira de ver esta votação. Em mais de vinte meses de Papado, Francisco não tem poupado esforços para aproximar a Igreja dos cristãos, praticantes ou não, mas também aqueles que não se assumem cristãos nem católicos e olham para a intervenção do Papa argentino com esperança de mudanças profundas na Igreja. 

O Papa Francisco olhou para um dos problemas da Igreja católica e atacou-o frontalmente: a exclusão que a Igreja faz(ia) em relação a determinados grupos de cristãos não faz sentido e havia que mudar de postura. Ao propor o que propôs era evidente o que pensava. Os bispos sinodais não precisavam que Francisco o afirmasse perentoriamente, até para não ser acusado de condicionar a sua liberdade.

A verdade é que Francisco não encontrou 120 bispos que confirmassem um eixo fundamental das suas reformas na Igreja. A ala conservadora é maioritária dentro da cúria romana. Nós já o suspeitávamos, agora temos a certeza. 

Os bispos ortodoxos não têm problema nenhum em confrontar abertamente sua eminência, o Papa. A autoridade papal foi nitidamente posta em causa e alguns bispos não tiveram pejo em defender publicamente a sua divergência. 

Na minha opinião, esta clamorosa derrota do Papa Francisco foi uma afronta. Um Cardeal americano, Raymond Leo Burke, chegou a declarar que o papa tinha causado “um grande dano por não declarar abertamente qual era a sua posição.” Puro cinismo, pois toda a gente sabe a opinião de Francisco sobre o tema. 

É a primeira vez em pelo menos 50 anos, que um cardeal se opõe abertamente ao Papa. É a primeira vez também, em vários séculos, que Bispos e Cardeais não têm confiança nas propostas do Sumo Pontífice para a Igreja e as rejeitam.

Talvez alguns comecem a entender melhor por que renunciou Bento XVI. O motivo de base (os poderosos do Vaticano não estavam muito dispostos a ser firmes no castigo aos padres pedófilos), mas o boicote e o desafio à autoridade do Papa mantêm-se e reforça-se. 

Há alguns meses, comentei com um colega, o professor e escritor Luís Costa, que Francisco tinha pressa porque o mundo já tinha andado tanto para a frente enquanto a Igreja tinha ficado parada no tempo, mas que a principal luta seria dentro da própria Igreja, pois pensava (e continuo a pensar) que os poderes conservadores instalados no Vaticano boicotariam qualquer glasnost eclesial.

Francisco reagiu mal à reprovação das suas ideias vanguardistas, declarando que “A Igreja é de Cristo, não dos Pastores” e que “Cristo não tem medo da novidade”. 

Além de encurtar o enorme atraso que a Igreja leva na sua dinâmica social, Francisco tem de perceber que o Vaticano é governado por homens e entre eles fala-se de poder e muito pouco de ideologia. É por isso que não convém que o comunismo caía na China e ainda hoje Putin lamenta que Gorbatchev tenha sido secretário-geral do PCUS.

Francisco tem pouco tempo. E antes que lhe apareça um Brutus pelas costas é melhor concentrar o melhor de si no rebanho, porque os pastores não vão à sua missa.

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