quinta-feira, 28 de novembro de 2013

UMA QUESTÃO DE BONDADE

Anabela Borges
DR
“Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. 
Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida”.
Lao-Tsé

Por estarmos a um mês do Natal, lembrei-me. Mas não voltarei a falar nisto até lá.
Dialogar, faz falta dialogar, falta ler o outro com atenção, sem palavras fúteis e gestos ensaiados.
A notícia, ouvida este mês, refere que “a Caritas Portuguesa registou no último ano um aumento de 20% nos pedidos de ajuda de famílias portuguesas afectadas pela crise económica, que atingiu até classes sociais impensáveis”. E isto dá que pensar.
A palavra caridade parece-me, a mim, mais só, mais individual, mais directa e tristonha do que a palavra solidariedade. A palavra caridade é mais cara-a-cara, mais pessoal, mais eu-tu.
Se formos ao dicionário, “caridade” é “acto de beneficência que exclui qualquer direito do beneficiário e é independente do interesse do benfeitor”. Que frio que isto parece, analisado assim à primeira vista! Mas não é. Não é, se tivermos em conta que há uma relação muito mais próxima entre o beneficiário e o benfeitor, em que ambos se conhecem melhor, podendo, assim, a ajuda ser mais adequada, mais certeira. Bem, assim era, pelo menos há uns anos atrás. Antigamente, praticava-se muito a caridade. Isso era BONDADE. Eu lembro-me tão bem de a minha mãe dar a sopa aos pobres na nossa cozinha. Lembro-me, e dói-me, que hoje raramente alguém faz isso a título individual. E pelos mais variadíssimos motivos, é certo: as pessoas têm medo, não se pode confiar em ninguém, os tempos são difíceis…
Já a solidariedade é uma caridade assim em massa, que se enrola como um bolo gigante, fermenta, coze-se e depois parte-se em fatias e distribui-se. É uma coisa mais generalizada, que não corresponde necessariamente às necessidades das pessoas. 
A caridade dos nossos dias não é uma caridade porta a porta, cara a cara, mão a mão.
Hoje, fala-se em campanhas de solidariedade. E nós lá vamos, deixamos o bem alimentar no saco de plástico à saída do supermercado, e dizemos, para dentro e para fora da nossa comiseração: “Já contribuí com a minha parte”.
É uma forma de ajudar. Pois. Mas todos podemos, e temos por obrigação, fazer muito mais. 
Ouvi falar aqui de uma família que recebe desses subsídios para estar em casa sem trabalho (todos nós ouvimos falar de famílias assim). Ouvi dizer que a senhora, mãe dessa família, oferece os bens alimentares, que lhe são doados pela Cruz Vermelha, a uma vizinha, pois diz que não tem “o hábito de cozinhar”. Quando, na escola, a professora perguntou aos filhos dessa família o que comiam, disseram que, quando havia comida, eram bolos, batatas fritas de pacote, comidas ensacadas e enlatadas, e bebiam leite e refrigerantes, ao que a professora verificou que, tirando a refeição que faziam na escola, aquelas crianças não comiam nada que tivesse préstimo. Não há organização, o dinheiro é gasto ao trouxe-mouxe, gasta-se logo ao início e durante o resto do mês passa-se fome. 
E o que fazemos nós? 
Grande caridade seria ajudar a formar pessoas para a vida, em família e em sociedade, e isso apenas se consegue se fizermos todos um pouco. Eu acredito que isso seria uma obra de caridade: ensinar as pessoas a arrumar a casa, a cozinhar, a ter higiene, a cuidar dos filhos, a tratar das roupas. Talvez essas pessoas começassem a sentir auto-estima e orgulho por cuidarem das suas famílias. Acredito que os velhos hábitos também podem ser desinstalados, porque as pessoas têm de se sentir úteis e motivadas para a vida. 
A caridade é um valor a praticar todos os dias. Reforcemo-la no Natal (por que não?), mas tenhamo-la à saída da boca e das mãos, nas palavras e gestos do quotidiano.
Se repararmos bem, passamos a vida a acumular coisas que não nos fazem falta; passamos o tempo a correr, muitas vezes, para irmos parar a um sítio onde já estávamos. Mas será que conhecemos a miséria que vive na nossa rua, no nosso bairro? As angústias? As solidões? Por vezes, bastará darmos um passo para o lado, para vermos as coisas noutra perspectiva. 
A desgraça pode calhar a qualquer um. Se falhamos um pé, um passo apenas, isso pode ser o suficiente para sairmos do caminho em que caminhávamos. 
Há muito que esquecemos de dar e pedir o que necessitamos – e, às vezes, pode ser só uma palavra, um abraço. 
Dialogar: ouvir no silêncio do outro as palavras que traz presas na garganta num enredo de fios que o abafam e calam: nós.

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