quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O COMBOIO LENTO

“Só o peixe morto nada a favor da correnteza”
Malcolm Muggeridge 

Anabela Borges
DR
O tempo corre atroz e sem paragens, indiferente às nossas vontades, por obra dos astros, pela engenharia da Física, ou uma qualquer magia celeste. E, às vezes, fica imóvel, quieto – mas é só na nossa ideia –, e aprisiona-nos num círculo fechado de onde não conseguimos sair e onde ninguém consegue penetrar. Ficamos lá, só nós e os nossos pensamentos (a nossa ideia), irredutíveis e impotentes.
Por vezes, somos muitos, ao mesmo tempo, por esse mundo fora, cada qual fechado no seu círculo de tempo, na sua bolha hermética e transparente, na esperança de que alguma circunstância, conjuntura cósmica, ou conspiração celestial ponha a engrenagem do tempo novamente a funcionar.
Assim temos seguido por essa Europa fora, cada qual no seu espaço de tempo, no comboio lento da austeridade. Assim nos deixamos conduzir, abotoados em cismas e inércias, no comboio lento forjado a ferro e fogo, um comboio cinza, um comboio triste, um comboio duro.  
Ouvimos o que se passa em torno do nosso tempo parado, enquanto o outro tempo – o real – continua a correr lá fora, fora do tempo da nossa ideia. Ouvimos: “bolsa de valores, sociedade corretora, capital social, branqueamento, mercado de capitais…” 
Mercados, capitais socias, branqueamento de capitais e outos que tais? Que mais?
Pois eu fico sempre com a ideia de que enquanto houver mercados de capitais, não deixará de haver, no mundo, mercados de escravatura. E esses, os escravos, somos nós, os que seguimos no comboio lento, enganados, roubados, meio adormecidos, meio estonteados. 
O comboio segue, empurrado por um sopro diabólico, um vento pálido por fora e esfumado de cinza ácida por dentro, a envenenar tudo à sua volta, um vento que fustiga os sentidos, de forma lenta e enganosa, deixando ficar a mesma agonia que provoca a passagem de um grande temporal. 
Não é fardo leve o que cada passageiro transporta no comboio lento, e cada um talvez cale muito do peso que lhe castiga os ombros. 
No meio daquela dormência, alguém acorda, alguém começa a agitar os que estavam adormecidos também. 
Então, cada um volta a sair daquele tempo: um pouco estranho, um pouco à toa, um pouco desfasado… até conseguir encaixar-se novamente no tempo certo.
Esse é o tempo para abandonar a viagem que nos confunde. É o tempo de destruir o comboio lento. É o tempo de voltar a ser feliz.

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